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Música

Discos: Roll The Dice

Não seria necessário uma bola de cristal para adivinhar dias promissores.

Until Silence

Leaf

Duos há muitos, já se sabe, mas com o tempo fomos aprendendo que como os Roll The Dice não existem assim tantos. Recordando o já longíquo ano de 2010, o disco homónimo cativa a memória do melhor rendez-vous possível. A estranheza das paisagens, a familiaridade invulgar com que nos adressavam cada som e cada imagem, e claro, a sensação de que este era apenas o Big Bang para a banda. Não seria necessário uma bola de cristal para adivinhar dias promissores, apenas algum ouvido e uma modesta dose de bom senso. O resto era inevitável.

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Peder Mannerfelt e Malcolm Pardon fazem dos Roll The Dice uma espécie de máquina dos sonhos auditiva cujo vapor é cada vez mais espesso. Os sinais deste fumo podem ser interpretados através do seu tríptico de álbuns iniciado em

In Dubs

, aprofundado no seguinte

In Dust

e encerrado agora em

Until Silence

. Fala-se em obra conceptual, do mundo pré-revolução industrial até ao seu declínio, e a sugestão é real. O tom dramático da narrativa, mais catártico que nunca, é um enorme dedo acusador ao cenário de conflitos sociais e armados à escala mundial. Se a arte no geral, e a música em particular, têm uma palavra a dar face à realidade dos tempos, então

Until Silence

simboliza esse reflexo político, chamemos assim. Nada de novo para quem segue a obra de outras personagens como Muslimgauze (rip), Vatican Shadow e Meira Asher.

Agora, como no seu passado, a lógica criativa dos Roll The Dice compactua com a ténue delimitação entre a música electrónica ambiental e composição contemporânea. Assim dito, a coisa parece descambar para um lado demasiado intelectual, porém a própria música detém força suficiente para cada um ceder a devaneios pessoais, imaginados ou vividos. Numa betoneira a meio gás onde cabem quilos de Whitehouse, Béla Bartok e Harold Budd, Until Silence tritura, grão a grão, essas e outras presenças até a um estado de pó que cobre as composições enigmáticas dos suecos. A intensidade, grandemente oriunda das teclas do piano mais maldito do ano, adensa o sufoco do vazio emocional de onde tudo nasce e de onde tudo fina. Música séria de duas mentes brilhantemente distorcidas que por certo se enquadravam num próximo filme de Lars Von Trier ou Gaspar Noé sobre a temática do estado doentio da humanidade (eles é que ainda não o sabem).

A progressão desse estado de asfixia crescente até à sua devastação, é bem mais física e transformadora do que possamos inicialmente imaginar. Parece provocar com êxito um sentimento de inquietação em cada um de nós dando um nó no estômago do primeiro ao último segundo. Ora, quanta magia será necessária para alcançar esse resultado? Aliás, esqueçam os projectos para Von Trier ou Noé; os Roll The Dice, por si só, já fazem melhor: contam histórias e pintam imagens sem falas ou frames. E neste enredo adivinhamos as personagens; estadistas tiranos, políticos corruptos, banqueiros imorais e falsos salvadores: estais todos convocados para esta fogueira que agora se ateia.