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Música

No Bonde do Kingdom

Como o produtor e dono da Fade to Mind criou um som que faltava e ainda uniu dois continentes no processo.
"Eu fiquei de cama tomando xarope de codeína por duas semanas. Foi quando eu aprendi a programar aquela drum machine". Ilustrações por @cumdrizzle.

Muitas vezes, basta um simples momento - um encontro casual, um show incrível ou uma música especial - para desencadear inspiração e motivação para o resto da vida. Na coluna The Spark, nossos DJs favoritos nos contarão quais foram esses momentos deles. Aqui, o produtor e dono da Fade to Mind, Kingdom, conta ainda como uniu o underground de dois continentes no processo.

Eu sempre fiz música, mas houve momentos decisivos na minha produção durante toda a minha vida. Mesmo quando o meu pai me comprou um teclado caidão em, sei lá, 1993, tocar com esse synth cagado tornou-se umas das minhas coisas favoritas. Uma vez que comecei, não consegui parar. Mais tarde, em 2002, eu tive que retirar minhas amígdalas. Eu estava tomando xarope pra tosse e tinha acabado de ganhar minha primeira drum machine, que era basicamente uma drum machine para adolescentes. Ela tinha alguns graves e umas configurações bosta de fábrica, e eu tinha que ficar de cama e tomar xarope de codeína durante duas semanas. Foi aí que eu aprendi a mexer nessa drum machine e me apaixonei pelo processo de programar bateria, beats e coisas do tipo.

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No entanto, a música ainda era só um hobby para mim. Eu me formei em arte, estava trabalhando nesse mundo, e esse era o meu plano. Lentamente o lance da música foi acontecendo. Foi quase um acidente. Eu estava tentando mixar um pouco, e meu amigo tinha uma festa na Happy Ending em Nova York e falou "Eu quero que você discoteque na minha festa". Eu não era um DJ, mas ele continuou "Traz uns CDs e eu te mostro como se faz". Ele me ensinou e eu não estava mixando nada, mas acho que naquele momento foi mais sobre fazer uma boa seleção, e meus interesses eram muito díspares. Eu estava ouvindo old school rave, R&B, house clássico, e uns hardcore jungle bem loucos.

Então em 2008 eu viajei para LA e para Londres, e essas experiências juntas me fizeram o que sou hoje. Tudo o que faço é pelas amizades, de uma certa forma. Eu conheci o Nguzunguzu e o Total Freedom, o Bok Bok e o Girl Unit e todo mundo se entendia. Eles entendiam o que eu estava tentando dizer, e isso para mim foi algo marcante. Foi o sinal para mim: quando eu conheci pessoas que entendiam a música da mesma forma que eu.

Eu fui para LA tocar nessa festa chamada Moustache Mondays, que é a noite em que o Total Freedom toca. Também toquei em outra noite chamada Wildness – as experiências nesse clube foram fundamentais para mim. As pessoas faziam o mesmo que eu: encontravam sons do mundo inteiro e mixavam tudo à sua maneira, vagamente americana. O Nguzunguzu, especialmente naquela época, soava ainda muito cru e sua música era como um Baltimore club bem barato com muitos ruídos. Eles foram os primeiros que eu vi fazendo isso, e nem era um clube muito grande. Não foi algo épico e grande. O lugar era esse bar mexicano bem pequeno com uma decoração bem intimista.

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Eu conheci o Bok Bok online, através do Flickr. Eu encontrei seu trabalho de design aleatoriamente e o curti de cara – ele faz todos os projetos gráficos da Night Slugs. Então eu lhe mandei uma mensagem e achei sua página de música, e tudo se encaixava. Ela tinha muito da música do UK assim como a norte-americana, mas não era específica de nenhum lugar, na verdade, e era muito mais sobre as texturas e os sons que eles estavam pesquisando. Basicamente trocamos ideias online e pensamos "Eu vou pra Londres tocar na sua festa, e você deveria vir pra Nova York tocar na minha".

Eu fui pra Londres primeiro. Eu lembro que tinha o endereço do Bok Bok e encontrei o caminho do aeroporto até a casa dele, e a primeira vez que o vi ele estava com a cabeça na janela vendo se a porta não estava trancada. Foi tipo, amigos da internet se encontrando pela primeira vez. Totalmente às cegas. Um encontro às cegas entre amigos.

Eu toquei em um clube no sul de Londres. Eu acho que se chamava Red Star, e a noite nem estava tão cheia. Foi uma noite divertida e todo mundo estava curtindo e eu só ouvia a forma como o pessoal mixava; tudo funcionou perfeitamente sem ninguém precisar conversar sobre isso. Essa experiência foi bem formativa para mim. Eu tinha acabado de conhecer e curtir a música do UK, e vê-los fazendo aquilo e transformando em sua própria música foi muito interessante. Isso foi bem antes de eu começar a andar com o Nguzunguzu e o Total Freedom, mas naquela época não tinha ninguém nos Estados Unidos fazendo algo parecido.

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Coincidentemente, todas essas pessoas fazem parte do mundo artístico. Ou todo mundo se formou em arte, ou tinha feito algo com design. Eu não sei se era apenas uma coincidência mesmo, ou se todo mundo na música também tem interesse em arte, mas nós todos viemos daquele mundo de alguma forma. Algumas vezes nós gostamos de uns sons mais viscerais, músicas que soam mais cruas, e também gostamos de outras mais gueto e às vezes elas chegam até parecer ruídos. De uma certa maneira, nós decidimos combinar todas essas forças.

Eu sinto que cruzei tudo isso e fui capaz de fazer conexões com pessoas como Nguzunguzu e Bok Bok para formar nossa própria cena internacional para esse som, que não estava acessível para mim antes. Antes de conhecer essas pessoas, eu não achava que música era um caminho possível porque eu não estava interessado em nada do que estava acontecendo na época.

"O SXSW no ano passado na verdade foi meio que um inferno…"

2008 foi tipo uma prévia do que aconteceria em 2010, quando comecei a Fade to Mind como uma gravadora irmã da Night Slugs. Foi aí que tivemos a certeza de que possuíamos esse grande coletivo – Night Slugs e Fade to Mind. Existem semelhanças e diferenças, mas juntas, tipo quando todos nós saímos juntos, fica claro que temos um entendimento sobre as mesmas coisas.

Acho que através da internet, o Bok Bok, Nguzunguzu e Total Freedom já sabiam da existência um do outro, mas eu fui a ponte entre as duas cenas. Têm sido incrível ver todo mundo se dando bem, e sempre que alguém está na cidade do outro todos saem juntos. O SXSW no ano passado na verdade foi meio que um inferno, mas foi legal no sentido de que estávamos em 14 pessoas dentro de uma casa – o pessoal da Night Slugs e da Fade to Mind pela primeira vez juntos, e foi divertido pra caralho. Foi muito legal sair com todo mundo ao mesmo tempo, e todos se deram bem. Todo mundo tinha suas manias estranhas, eu inclusive, mas tudo funcionou e as festas bombaram. Foi incrível.

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Criar a Fade to Mind foi importante porque permitiu dar um nome àquela música que estávamos fazendo e tudo mais. Parece que cada vez mais pessoas estão entrando nessa cena. Algumas me dizem que ouviram minhas músicas em diversos lugares e fizeram sucesso. Meu som é tão diferente e sempre foi, mas agora a cena noturna mudou bastante. Agora existe uma noite em todas as grandes cidades onde pessoas estão tocando UK bass com R&B. Quando eu comecei em 2007, isso não existia nem um pouco.

Depois que toda a cena foi criada, nós conhecemos a Kelela e foi muito legal trabalhar com ela, o que foi um grande passo a frente, mas algumas vezes parece como dois ou três passos a frente da ideia original. Ela está dentro de sua própria categoria, mas definitivamente entende a estética da nossa produção melhor do que qualquer outra cantora que já encontrei. Ela realmente saca o que estamos fazendo.

Como contado à Lauren Schwartzberg. Lauren é a mulher que é hoje por causa da tour Glow in the Dark, do Kanye West - @laurschwar

Ouça aqui a última mix que o Kingdom divulgou para promover sua turnê européia, e assista-o em imagem e ação no documentário 'Icy Lake'', parceria dos selos visionários com o THUMP:

Assista 'Icy Lake', o Novo Curta dos Selos Night Slugs e Fade to Mind

Tradução: Eduardo Pininga