Tenho um chip de computador no cérebro que lê meus pensamentos

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Tenho um chip de computador no cérebro que lê meus pensamentos

O eletrodo é parte de um sistema que pode ajudar pessoas com paralisia a contornar lesões e reanimar seus membros sem movimento.

Foto por Andrew Cagle.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US .

Sempre fui fascinado com a promessa dos computadores. Por isso, sempre me esforcei para ter a última e melhor tecnologia. Mesmo quando era garoto, era eu quem montava os novos aparelhos eletrônicos e computadores da família. É uma paixão da vida toda que me levou a me tornar um pioneiro da tecnologia biônica. No momento, sou a única pessoa do planeta a ter um chip de computador especial implantado no cérebro, que pode ler meus pensamentos e mandar os sinais através de uma saída no meu crânio até um computador, que depois manda essa informação de volta para o meu corpo e faz ele se mover.

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Nos últimos três anos, tenho usado essa tecnologia vanguardista, chamada NeuroLife, para contornar uma lesão medular que me deixou tetraplégico. Apesar de estar paralisado do peito para baixo, quando estou ligado ao computador, e o computador está conectado a uma luva especial enrolada ao meu antebraço, posso usar minhas mãos para pegar e soltar coisas. A tecnologia reanima meu braço e permite que eu o controle com a mente, de maneira similar a como eu me movia antes do meu acidente.

O acidente aconteceu em 2010, durante meu primeiro ano na Universidade de Ohio em Athens. Alguns dias depois das provas finais, fui para Outer Banks, Carolina do Norte, para férias breves com a minha namorada na época e alguns amigos. Lembro de estar sentado atrás do volante na viagem de nove horas, pensando em como íamos nos divertir e me deleitando com o fato de que poderia passar alguns dias apenas relaxando. Chegando lá, fomos direto para a praia aproveitar as ondas.

Mergulhei de cabeça numa onda. Mas dessa vez, as ondas me empurraram para baixo, e aquele ponto não era muito profundo. Bati a cabeça na areia. Imediatamente eu soube que algo estava errado.

Eu estava tão empolgado que fui o primeiro a entrar na água, mesmo estando bastante frio. Mergulhei de cabeça numa onda, como tinha feito milhões de vezes antes. Mas dessa vez, as ondas me empurraram para baixo, e aquele ponto não era muito profundo. Bati a cabeça na areia. Imediatamente eu soube que algo estava errado, porque eu não conseguia me levantar da água. Felizmente eu não estava sozinho. Meus amigos me puxaram para a praia.

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No começo, eu estava bastante otimista. Achei que voltaria a fazer o que sempre fiz em algumas semanas. Não recebi um diagnóstico claro até a manhã seguinte ao acidente. Mas quando saiu o diagnóstico, as notícias eram sombrias. Eu estava tetraplégico: eles disseram que eu poderia mover meus braços um pouco, mas não poderia fazer muito além disso. Os médicos também disseram que eu precisaria de ajuda com tudo: me vestir, comer e beber ou mesmo desligar as luzes. "Vai ser assim para o resto da sua vida", me disseram. Então a ficha caiu. Mas considerei isso um desafio. Eu queria provar que eles estavam errados. Eu queria ficar o mais forte possível para melhorar minha vida o quanto pudesse apesar da lesão.

Primeiro, tive que reapreender todos os aspectos da minha vida para me adaptar à paralisia. Fiz fisioterapia na Universidade Estadual de Ohio em Columbus, que ficava a apenas 20 minutos da casa dos meus pais. Com apoio dos médicos lá, passei a fazer mais do que era inicialmente esperado. Depois de muito trabalho, pude começar a comer sozinho, controlar uma cadeira de rodas e até dirigir.

Mas a fisioterapia só poderia me ajudar até certo ponto, por causa do meu plano de saúde. Então procurei outras opções. Comecei a perguntar aos médicos: "Há outras maneiras de continuar melhorando?" Isso me levou a pesquisar maneiras de continuar a fisioterapia sem depender do plano de saúde. Esses estudos também me expuseram aos maiores avanços da tecnologia no mundo hoje.

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Quando comecei com o projeto de pesquisa NeuroLife, os médicos não me contaram a história inteira. Primeiro eles me disseram que o estudo estava focado apenas em usar estimuladores eletrônicos nos músculos dos meus antebraços. Os estimuladores eram controlados por engenheiros usando computadores. Eu tinha ouvido falar e até usado estimuladores elétricos mesmo antes da fisioterapia. Mas o sistema que foi criado pelo Battelle Memorial Institute e testado em mim na UEO era mais avançado que tudo que eu já tinha visto: ele permitia que os médicos tivessem acesso a segmentos menores dos músculos que queriam estimular, para que eu pudesse mover coisas sutis como um dedo, em vez do pulso todo.

Quando conseguimos ver que meus músculos respondiam aos estímulos, eles me fizeram a "pergunta de um milhão de dólares". Os médicos disseram que o resto do plano era pegar o sistema de estímulo e ligá-lo a um implante cerebral. Com o implante, se eu pensasse "Abra a mão", o computador poderia estimular meu braço nos lugares certos e fazer minha mão se abrir. Eu poderia controlar minha mão com minha própria mente, apesar da lesão.

Nesse ponto, fiquei muito empolgando porque pensei "OK, talvez eu possa recuperar o uso das minhas mãos". Mas a pegadinha era que eu teria que ter um sensor implantado cirurgicamente no meu cérebro. E aí, no final do estudo, eu teria que passar por uma segunda cirurgia para retirá-lo, já o implante não foi pensado para funcionar para sempre. Tive que me perguntar seriamente se isso era algo prático e razoável. O que realmente me convenceu foi o fato que eu tinha essa oportunidade única na vida de ajudar a avançar a ciência e a tecnologia, e talvez ajudar outras pessoas vivendo com paralisia.

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Na noite anterior à cirurgia, eles me levaram para o hospital para o monitoramento. Não consegui dormir muito porque estava ansioso com as possibilidades. Acordei no dia do procedimento me sentindo como uma criança na manhã de Natal. Fui sedado para a cirurgia, então não lembro muita coisa. Mas os médicos basicamente cortaram meu escalpo, fizeram um furo no meu crânio e colocaram o eletrodo na superfície do meu cérebro. Depois da cirurgia, eles não tinham certeza se eu realmente poderia controlar o sistema. Tínhamos que esperar que tudo cicatrizasse antes de poder plugar meu cérebro ao computador.

Uma das coisas estranhas com que tive que me acostumar foi com ter uma saída de computador no topo da cabeça. É uma abertura na minha pele que passa pelo meu crânio e vai até a superfície do meu cérebro, então obviamente a lista do que pode dar errado é bem longa. Sem mencionar que simplesmente é uma sensação estranha. Tive dificuldades para conseguir dormir e me vestir no começo. Só para me acostumar com aquele peso extra na minha cabeça levou um tempo. Mas agora parece perfeitamente normal.

A luva de estímulo muscular de Ian Burkhart. Foto por Andrew Cagle.

Depois que tudo estava cicatrizado, pudemos ligar o sistema. No começo, eu estava apenas controlando uma mão virtual na tela do computador. Isso me ajudou a treinar e me preparar para a coisa real. O momento mágico veio quando finalmente conectamos meu implante ao estimulador, criando assim o sistema NeuroLife. Isso permitiu que eu pensasse num movimento, depois o computador mandava esses sinais para minha mão, e assim ela podia realmente se mover. A primeira vez que controlei minha mão com meu próprio cérebro foi incrível. Isso me reassegurou que todos os riscos da cirurgia cerebral valeram a pena e que a tecnologia em que estávamos trabalhando estava indo na direção certa. Isso também me motivou a dar ainda mais duro para aprender como controlar meu corpo com o sistema.

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Tenho feito várias coisas legais com a tecnologia, como jogar Guitar Hero. Mas o melhor momento até agora foi o primeiro dia em que consegui pegar uma garrafa, colocar o líquido numa tigela, depois pegar uma colher e mexer o conteúdo. Foi um momento tão importante para mim porque era algo muito prático, e eu pude ver em primeira mão como essa tecnologia pode realmente mudar a vida de pessoas paralisadas. Infelizmente, o sistema ainda está num estágio bem experimental. Eu adoraria ter a funcionalidade que isso me dá em casa e em todos os lugares, mas só posso ligar o sistema num laboratório na UEO.

No momento, tamanho, confiabilidade e conveniência são os maiores obstáculos que a tecnologia encara antes de o chip estar pronto para ser comercializado. Uma coisa que eu mudaria nisso tudo seria tornar o sistema inteiramente wireless, para poder ter um sensor no meu cérebro com estimuladores por todo meu corpo — não apenas nas mãos, mas também nas pernas e pés.

Vejo essa tecnologia como algo que você pode usar na vida cotidiana. Se tem uma lesão medular, com essa tecnologia, você não teria que depender de outras pessoas para tudo. Você poderia ter uma vida mais independente. O sistema com que estamos trabalhando na UEO e no Battelle pode até mudar a vida de pessoas sem deficiência. A tecnologia poderia ir além de restaurar a funcionalidade e oferecer habilidades humanas que nunca tivemos. É incrível pensar que fazendo parte desses estudos, estou na vanguarda de todas essas possibilidades futuristas, e mal posso esperar para ver onde vamos chegar.

Como contado a Wilbert L. Cooper .

Visite o site de Ian Burkhart aqui .

Tradução: Marina Schnoor

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