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Tecnologia

O Bitcoin Perdeu a Graça, mas Pode Finalmente Ser Útil

O interesse e o valor do Bitcoin diminuíram nos últimos meses, e isso significa que a moeda está amadurecendo. É a chance de ela ser muito mais do que um meme curioso.

Em anos tecnológicos, o Bitcoin começa a envelhecer.

O ardor criminal da Silk Road e de cassinos online, o fervor do criptoanarquista ansioso por derrubar o sistema financeiro global de uma vez por todas, ou até mesmo os olhos brilhantes que acompanham uma transação favorável deram lugar a duas imagens agora um tanto familiares: 1) rostos, antes jovens, agora sombrios e envelhecidos, sobre pilhas de problemas com a justiça que só aumentam – talvez eles estejam protestando na porta dos escritórios da Mt.Gox, ou sentados em uma sala de tribunal. Ou 2) sinais de que os ricos estão cada vez mais ricos, tais como os barulhentos anúncios dos novos fundos de cobertura da Bitcoin, que prometem, por exemplo, mandar os irmãos Winklevoss para o espaço, onde eles podem dar uma volta em um rover lunar coberto de logos da dogecoin (tudo aparentemente real).

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Acabaram-se as cotações astronômicas do ano passado – durante as 52 semanas em que esteve em alta, o Bitcoin valia aproximadamente US$1132, dependendo de onde fosse comprado. Recentemente, seu valor subiu novamente, chegando à casa dos $500, um lembrete de que o Bitcoin está mais para bem de investimento do que moeda de circulação, sujeito a grandes especuladores, arbitragem e um crescente mercado de derivativos, que, aliás, merece uma conversa à parte sobre a diversão e os riscos que esses instrumentos financeiros modernos, e que ninguém entende, podem proporcionar.

Alguns atribuíram o aumento ao lançamento da Circle, uma empresa de serviços financeiros em Bitcoin com 26 milhões de dólares em fundos, ou então aos novos investimentos no processador monetário BitPay, ou ainda porque alguém no Kansas vendeu sua casa em bitcoins.

Entretanto, desde as altas do ano passado, o uso do Bitcoin parece estar desacelerando. O volume de transações atingiu os níveis mais baixos desde 2011. De certo modo, isso parece esperado, já que a cotação esteve em torno de US$400. É possível que muitos estejam simplesmente guardando seus bitcoins na esperança de uma reviravolta. Ninguém quer vender ou usar uma moeda em baixa, contudo, se as pessoas pararem de usar o Bitcoin, o mercado provavelmente sofrerá com maiores depressões em longo prazo.

Volume de transações em Bitcoin de junho de 2012 a maio de 2014. Crédito: Blockchain.info

O termo “Bitcoin” também não tem sido tão pesquisado quanto antes. Veja o gráfico do Google Trend referente ao ano passado:

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Trata-se de uma curva praticamente igual à da cotação.

A indústria que era literalmente produzir bitcoins também não é mais o que costumava ser. Foram-se os dias em que um administrador de sistemas conseguia fazer dinheiro ao deixar um laboratório de informática funcionando a noite inteira. Recentemente, andei por um centro de dados gigantesco, onde era até difícil ouvir a voz de meu guia devido ao intenso ruído das máquinas do lugar: uma centena de servidores dedicados exclusivamente à produção de bitcoins (no jargão, mining, literalmente, mineração).

O custo exato disso tudo não ficou muito claro para mim, mas podemos fazer as contas: segundo um orgulhoso administrador, o equipamento consumia tanta eletricidade quanto um arranha-céu de Manhattan. Para operações de porte pequeno, tudo acaba por aí.

Yifu Guo, fundador da Avalon, uma empresa de mineração de bitcoins, ainda produz aparelhos de especializados nisso, mas está agora cada vez mais interessado em coisas aparentemente maiores, tais como supercomputação distribuída, internet via satélite e uma startup que ajude as empresas de Bitcoin a estabelecer uma “observância regulatória nos Estados Unidos”, o que gerou alegações de que a companhia estaria tentando politizar um sistema criado para frustrar estruturas verticais de poder.

Para Alex Waters, cofundador do startup, a polêmica foi uma experiência de aprendizado, tanto para a própria empresa quanto para o restante do ecossistema Bitcoin.

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“Há os reguladores, a indústria bancária, a comunidade Bitcoin e a comunidade libertária – e todos têm seus próprios interesses. Logo, tentar criar produtos e ideias que que falem direta e corretamente a todos estes consumidores é um verdadeiro desafio”, ele declarou, em um debate sobre criptomoedas na Internet Week.

Outra lição também surgiu: a de que o Bitcoin não é anônimo, e as autoridades estão de olho. Reguladores estão marcando em cima, dizem, e a China, obcecada com controles cambiais, está reprimindo. Mercados obscuros ficaram em segundo plano.

Todos os regulamentos mostram que lançar uma startup de Bitcoin não é tão fácil quanto uma vez pareceu.

“É muito, muito caro obter uma licença de serviço de transmissão monetária em cada estado americano”, diz Margaux Avedesian, que ajudou a levar a primeira transação em bitcoin aos Estados Unidos. “São muitos custos com advogados, é um processo inteiro, você tem que ter muito dinheiro no banco. E é muito difícil para empresas de criptomoedas conseguir uma conta bancária que contemple uma moeda fiduciária. Em outros lugares do mundo é um pouco mais fácil, mas, nos EUA, é muito difícil criar uma empresa de Bitcoin.”

Waters, que faz parte da equipe de desenvolvimento original do Bitcoin e é diretor executivo da CoinApex, incubadora de bitcoins com sede em Nova York, acredita que a comunidade Bitcoin está muito discrepante, precisando de mais cooperação.

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“Nesse ecossistema, as empresas precisam colaborar mais. Muitas delas estão se exibindo em vez de formarem parcerias, e isso é perigoso. Situações como a da Mt.Gox poderiam ter sido evitadas se houvesse mais modularização. A falta de foco em escopo vai continuar criando problemas para a comunidade.”

Ainda assim, nada do que aconteceu ano passado minimizou o valor mais amplo do Bitcoin, como uma prova de conceito e uma provocação, senão uma ameaça, à existente indústria bancária.

Segundo relatório divulgado recentemente pelo Federal Advisory Council, comitê de banqueiros que regularmente aconselha o Sistema de Reserva Federal dos EUA, a “transmissibilidade global [do Bitcoin] abre novos mercados a comerciantes e prestadores de serviço” e, em longo prazo, seu impacto “poderia ser maior e, com isso, requerer uma adaptação em processadores monetários” na forma de taxas de transações baixas e melhorias em remessas internacionais, dois alvos populares do Bitcoin.

O relatório informa também que uso do Bitcoin para fins ilícitos permanece “excessivo”. Contudo, como nota o Wall Street Journal, o relatório “sugere que [o uso para fins ilícitos] não é maior em relação à moeda digital do que para com moedas tradicionais”, e ainda afirma que “a projeção dada a problemas associados à anonimidade do Bitcoin são um exagero”. (Talvez o Conselho não tenha tomado conhecimento do projeto Dark Wallet, de Cody Wilson.) Isso é um grande elogio e um sinal de que o Bitcoin está caminhando pouco a pouco para o mainstream. O entediante mainstream.

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Se você quer que o Bitcoin seja um sucesso, pode ver tudo isso de maneira positiva: a moeda está aos poucos encontrando seu lugar no mundo, e talvez se conscientizando de que não é tão boa como moeda autônoma, mas sim um complemento de uma moeda fiduciária existente e um novo sistema de pagamento. Obviamente, ser relegado às páginas internas das sessões de negócios não são de todo mal. Um Bitcoin mais entediante, com menos especulação e mais uso pelas grandes massas poderia significar um Bitcoin mais estável e seguro.

E ainda, com o esfriamento da lua-de-mel do Bitcoin, sua tecnologia subjacente está se tornando popular, envolvendo-se a todos os tipos de novas ideias.

Com “moedas coloridas”, por exemplo, a linguagem de script do Bitcoin é usada para adicionar camadas de instruções a uma transação na cadeia de blocos.

Se o Bitcoin pode estabilizar uma confiança descentralizada em uma moeda, pode-se pensar que ele pode fazê-lo para todos os tipos de outros acordos cotidianos, coisas como contratatos e propriedades inteligentes (controlados pela cadeia de blocos Bitcoin), corporações autônomas e outras coisas que parecem saídas de ficção científica.

Com o esfriamento da lua-de-mel do Bitcoin, sua tecnologia subjacente está se tornando popular, envolvendo-se a todos os tipos de novas ideias.

Essencialmente, eles estão todos baseados em coisas um pouco mais mundanas do que isso: a cadeia de blocos, o que equivale ao que se chama de contabilidade pública distribuída.

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O que é, basicamente, uma gigantesca planilha global de código aberto.

Tomando como exemplo a Ripple, uma empresa que está usando sua própria versão da cadeia de blocos e uma moeda criada especificamente para transferir dinheiro de forma rápida e barata. A moeda aqui é praticamente invisível – é o processo de envio de dinheiro que a empresa espera que vá revolucionar a efetuação de pagamentos. A empresa já trabalhou em parceria com um banco na Alemanha para fornecer sua tecnologia para transferências e remessas. Planos para outros bancos estão em pauta.

“É uma coisa que acho que vai realmente ajudar o mercado de remessas”, diz Avedisian, que se diz cansada do Bitcoin e voltou sua atenção para a Ripple. Agora ela é Diretora Executiva da International Ripple Business Association, cujo trabalho é “tornar mais fácil para pessoas e negócios construir com a base da Ripple ou de outras empresas focadas na Ripple”.

Sabemos que bitcoins podem ser usados para comprar e vender um número cada vez maior de coisas (até o PayPal agora está considerando aceitar bitcoins!), mas outros tipos de coisas podem ser usadas para comprar e vender todo tipo de coisa.

“Me interesso no modo como recursos digitais e tokens permitem uma maior variedade de formas de valores além do dinheiro tradicional”, diz Ben Doernberg, ex-membro da diretoria da Dogecoin Foundation. “Um exemplo podem ser tokens que tomam decisões, atribuídos a membros de um movimento político, baseando-se na duração e intensidade de seu envolvimento, ou na proximidade de uma localização geográfica, como as praças Tahir ou Maidan.”

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Os futuristas evocam um mundo completamente compartilhado em que, por exemplo, seu carro poderia ser controlado por um sistema de aluguel similar ao Bitcoin, permitindo um sistema em que ele pode ser alugado instantaneamente, sem a necessidade de terceiros ou de seguradoras para supervisionar a transação.

Um dos principais candidatos a ser o padrão de escolha para estas transações autônomas no ano de 2019 é um novo protocolo e empresa de mesmo nome chamados Ethereum. Como seu misterioso adversário, o Mastercoin, Ethereum despertou grande interesse online quando foi lançado no começo deste ano. Agora está prestes a abrir um escritório na Times Square.

Mas o que é isto exatamente?

“O que o Ethereum faz efetivamente é conjugar uma máquina virtual a uma cadeia de blocos. Do mesmo jeito que todos sabem o que aconteceu em relação a uma transação em Bitcoin, todos saberão o que aconteceu, e quando, com a mudança de estado em programas. Então é um programa para aplicações distribuídas, baseadas em consenso”, diz o Diretor de Operações Joseph Lubin.

Que tipo de aplicações?

“Estamos construindo um sistema que é efetivamente inexpressivo. É como se construíssemos a internet e convidássemos todo mundo para vir e construir o negócio modelo que querem que seja construído, então muitas pessoas estão vindo até nós.”

“Estamos pensando sobre finanças, microfinanças, auto-seguro, financiamento de comércio, troca de capacidade, sistemas de votação, sistemas de publicação, sistemas de aquisição de conteúdo", continua. “Ainda estamos em fase ultra inicial e já há um número considerável de pessoas ao redor do mundo que estão começando a construir pequenos brinquedos no sistema e aperfeiçoando seus entendimentos do que pode ser feito e como fazê-lo.”

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Esqueça as criptomoedas. Pense na criptomonetização de tudo.

“Etherium é uma plataforma de desintermediação universal. Qualquer tipo de serviço centralizado que você pode imaginar pode ser remodelado como uma oferta distribuída.”

“Assim, se você pegar sua seguradora tradicional, você tem um nicho de capital distribuído por uma entidade e, se nos livrarmos dessa entidade centralizada, isso traz lucros consideráveis em operações de risco, e você pode dividir este risco entre todos deste nicho, então todos contribuem para o nicho e possivelmente se beneficiam se algum tipo de condição os permite a receber um pagamento. Mas você provavelmente precisará de um componente humano para saber se um crédito é válido ou não.”

Quer dizer, esqueça as criptomoedas. Pense na criptomonetização de tudo.

Neste tipo de sistema, Doernberg alerta, perigos distópicos surgem. Imagine “uma empresa de petróleo que emite um token que paga um dividendo se um projeto de lei ambiental específico falhar, ou pessoas misteriosas emitindo um token de pagamento caso um político ganhe as eleições".

Um mundo comandado por contratos inteligentes – ou por corporações autônomas que negociem transações entre indivíduos – poderia ser “um mundo onde todos estão operando para maximizar incentivos financeiros inéditos, e não se poderia confiar em ninguém para participar honestamente na vida cívica”.

"Eu acho que isso vai nos obrigar a descobrir o que significa ser humano", disse ele.

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"Imagine uma empresa de petróleo que emite um token que paga um dividendo se um projeto de lei ambiental específico falhar, ou pessoas misteriosas emitindo um token de pagamento caso um político ganhe as eleições."

Antes de mais nada, tecnologias como Ripple e Ethereum terão de tornar-se fáceis de usar. Segundo Avedisian, “é preciso haver maneiras fáceis para pessoas utilizarem esta tecnologia sem dominar a tecnologia que há por trás”.

Doernber, que viu o Bitcoin sair de um interesse marginalizado na comunidade cripto para virar, literalmente, um meme, está ansioso para a próxima etapa, quando “pessoas comuns terão um uso específico para ele”. Isso ainda deve demorar um pouco.

“Acho que a tecnologia ainda não está pronta, você tem que saber muito e os casos de uso não são convincentes o suficiente. Esta é uma questão que pode mudar em doze ou dezoito meses.”

Ou, é claro, tudo poderia ser uma moda passageira. Em uma cúpula sobre Bitcoin recentemente em Amsterdã, Gavin Andreessen, ex-programador do Bitcoin, lançou algumas dúvidas nestes novos movimentos, comparando projetos como Ethereum e MasterCoin ao Segway. “Segways são muito legais, mas não são para o grande público. Muitos projetos do Bitcoin 2.0 podem encontrar o mesmo destino.”

Hoje em dia, Bitcoin não é tão entediante quanto parece. Assim como a moeda Bitcoin, o protocolo Bitcoin pode ser enlouquecedoramente misterioso. Mas isso também tem levantado possibilidades interessantes que vão muito além do dinheiro.

No processo, passamos pela fase de estranhamento desta moeda cyberpunk bizarra e vagamente ilícita da web sombria e à reflexão sobre o que corresponde a um livro de contabilidade gigante, e isso provavelmente é bom para todos.

Tradução: Pedro Taam