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O Dia do Indígena em uma aldeia na Amazônia

Fotos de uma festa do povo Oro Nao cantando, dançando e celebrando sua cultura tradicional.

Aldeia Santo André, Terra Indígena Pacaas Novos, Rondônia. Pouco antes das quatro horas da manhã, ouço gritos e assobios. Chegou a hora. Tinha ido deitar cedo e com medo de perder o começo do ritual mas quase não dormi. Ainda no começo da noite, crianças apareciam de tempos em tempos para me assistir como se estivesse em um aquário. Se fingia estar dormindo, balançavam minha rede e riam. Como era minha segunda vez na aldeia e já sabiam que eu era "a pessoa da câmera fotográfica", só saiam depois de ver algumas fotos. Alguns também pediam bolachas, mas nossa comida estava viajando de canoa e ainda não havia chegado — e dormir sem jantar era o menor dos incômodos.

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Foto: Gabriel Uchida/ VICE

Estava em uma casa em construção feita de tijolos e telhas de amianto, fazia um calor insuportável e os mosquitos me picavam por baixo da rede. Pode parecer exagero, mas na Amazônia esses bichos te atacam mesmo se estiver usando jeans e repelente, nada para esses pequenos demônios voadores. O barulho da movimentação na aldeia foi na verdade um alívio para eu pular da rede, pegar uma lanterna, equipamento e correr.

Foto: Gabriel Uchida/ VICE

Homens, mulheres e crianças estavam reunidos perto do campo de futebol e se pintavam com jenipapo — de coloração escura, quase preto. Um indígena me disse que a tinta dura cerca de uma ou duas semanas na pele, quanto mais ciumenta for a pessoa, mais demora para sair. Aquele momento era só de preparação, ainda não havia cantoria ou dança, só poucas conversas no idioma Txapakura. Mesmo muito longe de qualquer sinal de telefone, alguns celulares iluminavam o que seria uma completa escuridão. Eu havia sido convidado pela própria associação dos indígenas para registrar a festa e outros jovens da aldeia também fotografavam e filmavam com seus aparelhos. Um dos maiores entusiastas do ritual, o professor Arnaldo Oro Nao defendia a importância de documentar aquilo tudo e preservar a cultura tradicional.

Foto: Gabriel Uchida/ VICE

Com todos prontos, formou-se uma enorme fila com os indígenas lado a lado e começou a música. Os mais velhos pareciam liderar o grupo. Do chão vinha o barulho de pisadas mais fortes e de pedaços de galhos sendo golpeados no solo. A canção seguia sempre o mesmo ritmo, era como se fosse um mantra. O som da batida constante parecia hipnotizar. Os semblantes eram sérios. Mas a cerimônia não durou muito, logo amanheceu e todos seguiram para o campo de futebol. A esta altura, o ritual estava terminado, mas por ideia do professor, haveria uma segunda parte igualmente importante: uma apresentação teatral em que jovens e crianças mostrariam como foi o contato do clã Oro Nao com o homem branco.

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Foto: Gabriel Uchida/ VICE

O público era numeroso, havia visitantes de várias comunidades vizinhas porque a festa contaria também com uma parte menos tradicional: um campeonato de futebol entre aldeias que contava inclusive com uma equipe de narradores e forró de trilha sonora. Por fim, o Dia Nacional do Índio na aldeia Santo André foi um retrato sincero da realidade de muitas etnias hoje: a resistência dos ensinamentos e costumes tradicionais em conjunto com a cultura do homem branco.

Desde março de 2016, o fotógrafo paulistano Gabriel Uchida vive na região amazônica fotografando terras indígenas e aldeias principalmente em Rondônia, Amazonas e Mato Grosso.


Mais fotos das festividades aqui:

Foto: Gabriel Uchida/ VICE

Foto: Gabriel Uchida/ VICE