Quando era pequeno tinha medo da escuridão. A minha coragem sumia enquanto atravessava as divisões escuras da casa dos meus pais, obrigando-me a correr. A incerteza do que o escuro poderia esconder assombrava-me. Nunca equacionei que, por outro lado, pudesse esconder coisas boas. No negrume do manto silencioso da ausência de luz até podem existir monstros assustadores, mas também podem descobrir-se coisas fascinantes.
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Natureza Morta, de Ricardo Remédio, é uma prova que as trevas não escondem só coisas tenebrosas como cadáveres, crime, ou pó que dá trabalho a limpar. Este disco, se calhar, até era capaz de conseguir meter os metaleiros do meu Secundário a defender que a música electrónica não é assim tão má, que "afinal não são todos pastilhados". Bem, não exageremos. A verdade está na parte do "não são todos", há muitos que curtem tomar cenas. Nada contra.
Ricardo Remédio também é conhecido por ser dos LÖBO, uma banda que por si só tem um nome assustador. Reparem: O lobo é a versão selvagem do cão, um bicho que, em vez de querer festinhas, quer rasgar qualquer cara com as suas mandíbulas. E tem aqueles pontinhos em cima do O para piorar a coisa. É um lobo nórdico, nem do frio tem medo. Já eu - ou tu, não te armes em herói, meu conas! - não aguento um bocado de frio sem ter de vestir um casaquinho. E caras que já rasguei com as minhas mandíbulas até agora: zero. Assim de repente, também não me lembro de nenhuma situação em que isso tivesse de acontecer, mas deve ter ocorrido uma ou outra vez.Depois do lançamento na Lovers & Lollypops do primeiro EP, Rancor, Ricardo Remédio regressa com este Natureza Morta. Também mudou o seu nome de artista de RA para o seu nome a sério, provavelmente porque já não está com vergonha que os seus colegas da escola e do trabalho descubram quem é. Eu percebo. só a seca que é explicar ao tipo que foi pai aos 20 que curtimos música que não dá na RFM já é uma chatice.
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Desta vez o disco é recuperado na ressuscitada Regulator Records, uma editora que há 10 anos lançava discos de punk e hardcore nacional e que percebeu - tal como a maioria das pessoas que há 10 anos ouviam discos de punk e hardcore nacional - que é na boa ouvir outras merdas. Vou ouvir o disco e vou falando do que estou a sentir em cada música.
"Banquete"
"Ossos"
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É um pouco assim que "Ossos" nos ataca. Sem darmos por ela. De repente, estamos com as mãos na cara ao som da música, a cambalear com a batida. É como se todo o nosso mundo desaparecesse e fossemos transportados para uma realidade mais cruel. Sim, como foi para o meu amigo levar aquele murro."Garça" dá-nos paz de alma. Harmonia quase baleárica. E estejam descansados, o tipo meteu-se em problemas e o meu amigo só esteve dois dias sem comer. Era eu, pronto. Admito. Já foi há muito tempo. Mas, voltando à música. É como que um separador. Muito curta. Muito bonita, como voltar a conseguir a comer.Depois de uma pequena "Garça", temos uma "Caça" mais comprida. O eco assombra-nos. Esta música equipara-se a estar deitado a olhar para o céu num terraço a ver as estrelas, depois de um noite de muitos copos, ou muitas dessas coisas que vocês mandam.Só que, depois, surge um universo sintetizado mais misterioso. Universo que poria aquele amigo que acha que é muito nerd a dizer: "Porra, isto é bué de Stranger Things. Tem mesmo aquela vibe misteriosa do genérico". Isto até entrar uma linha de baixo poderosa que metia essas observações desnecessárias na gaveta. Rui, isto se fosse banda-sonora de alguma coisa, seria mais de um filme de terror a sério. Sem referências aos anos 80. Onde se viam pessoas a serem esfaqueadas e onde a dor parecia nossa, mesmo sem nunca termos sido esfaqueados. Porra, eu pelo menos espero nunca o ser, deve doer.
"Garça"
"Caça"
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"Suor Nocturno"
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"Vigília"
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