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Entretenimento

Uma ex-famosa explica como a fama pode ser horrível

Em seu novo livro, a ex-estrela de sitcom Justine Bateman explica como ser famosa alterou completamente sua realidade.
Madalena Maltez
Traduzido por Madalena Maltez
MS
Traduzido por Marina Schnoor
A atriz Justine Bateman mais jovem e atualmente
Esquerda: Justine Bateman em Family Ties por Herb Ball/NBC. Direita: foto por Steven Meiers cortesia da Akashic Books.

No começo dos anos 80, quando era adolescente, Justine Bateman foi escalada para a série da NBC Caras e Caretas [Family Ties em inglês]. Isso foi bem antes de serviços de streaming e centenas de canais de TV a cabo, então dezenas de milhões de pessoas sintonizavam no canal para assistir cada episódio, tornando Bateman megafamosa.

Em seu novo livro, Fame: The Hijacking of Reality, Bateman escreve sobre a experiência e sobre o tema da fama em geral. Foi o livro mais assustador que li este ano. É quase um romance de terror, com a fama como uma entidade sinistra que pode distorcer a realidade, te fazer se questionar, e voltar amigos, família e o público contra você.

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Claro, tem várias coisas boas em ser famoso. No livro, Bateman (irmã de Jason Bateman) fala sobre helicópteros e limousines, passes livres para bastidores de shows e escapar de multas de trânsito quando era reconhecida pelos policiais.

Mas ela devota a maior parte para o lado ruim e descreve a fama como “um universo paralelo sobreposto ao nosso”. Um universo onde a presença dela podia mudar o clima de uma sala assim que ela entrava. Onde as pessoas a encaravam ou falavam sobre ela como se ela não estivesse ali.

Graças a problemas com um stalker, ela não conseguia relaxar em público – pessoas passavam na sua rua à noite gritando o nome de sua personagem – e se sentia insegura na própria casa. Jornais publicaram informações falsas sobre ela, e, anos depois do auge de sua fama, digitar seu nome no Google a levou a fóruns onde as pessoas discutiam uma foto dela, dizendo que ela parecia uma bruxa do mar, uma viciada em metanfetamina e “Eric Stoltz no filme Marcas do Destino”.

Falei com Justine sobre o livro, sua fama e como é perder isso. A entrevista foi editada e condensada para maior clareza.

VICE: Ser famosa era tão horrível quanto o livro faz parecer? Tipo, pessoas chegando pra você no mercado e dizendo que se masturbaram pra você, pessoas te perseguindo, falando de você como se você não estivesse presente; você escreveu que é como ocupar uma realidade diferente das outras pessoas. Era tão desagradável assim?
Justine Bateman: Acho que cada pessoa tem uma experiência. Nunca senti que estava curtindo. Eu estava tentando acompanhar. Eu era bem jovem. Com 16, 19, 20 anos, você só segue o que está acontecendo. Você não é tão proativo quanto quando fica mais velho. E, particularmente, proativo com algo como a fama, que acontece tão rápido – são tantos pedidos de entrevistas, sessões de fotos ou oportunidades de trabalho, uma coisa atrás da outra. É tipo a Lucille Ball na esteira de chocolates. Você está tentando acompanhar. Quer dizer, tem coisas incríveis. As pessoas ouvem o que você diz. Você tem oportunidades, e quando tem 20 e poucos anos, conseguir entrar em qualquer clube que quiser é uma consequência ótima da fama. Mas como eu estava lidando com todas essas outras coisas ao mesmo tempo, era difícil ter alguma perspectiva para aproveitar a fama. Era como correr uma maratona num calor de 40 graus enquanto alguém te mostra fotos bonitas ou algo assim. E difícil focar numa coisa quando você precisa focar em outra.

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As pessoas não veem com bons olhos quando alguém reclama de ser famoso. Isso te deixou nervosa para escrever o livro? Você pede desculpas no livro, onde menciona que não quer ser vista como “Coitadinha de mim, não consigo mais um bom lugar pra estacionar”.
Bom, isso porque já estou familiarizada com certos setores da reação do público para saber como algumas pessoas vão reagir. E tudo bem. Então sim, meu objetivo não era escrever algo reclamando. Como eu disse, não experimento mais isso. O livro quer mostrar como é ter uma grande fama. Minhas teorias sobre por que o público reage do jeito que reage quando alguém é muito famoso, algumas das teorias sociológicas que aplico naquele momento, e todos os outros momentos dentro do ciclo de vida da fama. Falo sobre esse ciclo de vida e examino por que acabamos considerando a fama nesse nível.

Você ainda convive com pessoas famosas, e obviamente tem um irmão que ainda está sob os holofotes. Como você acha que a fama e o tratamento de pessoas famosas mudou desde o tempo que você era superfamosa?
Bom, quando eu era superfamosa, definitivamente tinha uma distinção entre como uma pessoa era tratada quando estava na TV versus no cinema. Não sei se existe uma grande diferença agora. Há muito mais um cruzamento, e hoje – quero dizer que não sou famosa agora, então não sei como é –, pelo que observei, muita dessa adulação parece se apresentar na internet. De novo, na minha época não havia internet. O único jeito que você via os fãs, via as adulações, era pessoalmente ou por carta. Você vê muito disso online agora, certo? “Te amo tanto emoji de coração, emoji de coração, emoji.” E aí você provavelmente tem uma quantidade igual de fóruns e sites dedicados a te odiar.

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Acho que uma das partes mais horríveis do seu livro é a vez em que você colocou seu nome no Google e viu as previsões de busca.
Sim, foi bem foda. Foi um erro, sabe, que eu queria poder voltar no tempo e não cometer. Foi digitar meu nome no Google e o autocompletar apareceu. E era tipo “Justine Bateman está velha”, e eu tinha… Esqueci quantos anos eu tinha.

Acho que [o livro diz] 44 anos.
OK. E sempre pareci mais jovem que a minha idade. E olha, me arriscando a parecer arrogante, mas, minha aparência é uma aparência que a sociedade decidiu que era bonita. É tipo uma tendência, certo? Minha aparência 100 anos atrás talvez não fosse considerada o tipo de aparência que a sociedade considerava bonita naquele momento, certo?

Certo.
Então sempre se referiram a mim como alguém atraente. Eu nunca tinha sido criticada pelo meu rosto, é onde quero chegar. E sempre pareci mais jovem do que era. Começando aos 20 anos, eu podia parecer com Anna Magnani ou Isabelle Huppert, essas grandes atrizes europeias – Charlotte Rampling – as bochechas, cílios, as olheiras. Quando fiz 42, 44, comecei a ganhar uma personalidade no meu rosto e fiquei feliz com isso. Mas sem eu saber, o que eu achava atraente a sociedade via como o oposto. Como com cirurgia plástica, maquiagem e agora os filtros do Instagram, simplesmente apagando toda personalidade. Parecer o máximo possível com suas fotos de bebê.

Então, quando coloquei meu nome no Google os resultados apareceram, eu disse “Espera, quê?” E cliquei nos links. Um erro. Porque eu não entendia o que eles queriam dizer. Porque eu não me achava feia. Como eu disse, nunca pensei muito sobre a minha aparência porque, tipo, todo mundo achava que era uma boa aparência. Vi o que eles estavam dizendo e era muito pior do que eu tinha imaginado. Achei que as pessoas iam dizer “Ah, ela parece velha”. Mas era horrível. Horrível, horrível, horrível. E fiquei passada. Foi um choque. E fiquei especialmente surpresa quando vi a foto que eles estavam discutindo, porque não conseguia ver o que eles estavam vendo.

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Sim.
E eu olhava a foto, olhava os comentários, e simplesmente não entedia o que eles queriam dizer. É tipo a história do vestido dourado/azul e alguém diz “É dourado” e você diz “Não sei?” Mas muito pior. Não era aquela coisa de metade das pessoas vendo dourado e metade vendo azul.

Tem um estudo ótimo sobre isso. Eles colocavam um cara numa sala e mostravam uma série de linhas. A linha A era muito longa e as linhas B, C e D eram mais curtas. E eles perguntavam pra ele qual das linhas era a mais longa e ele dizia A, e depois eles traziam outros participantes e esse diziam que a linha C era a mais longa. Aí o homem conduzindo o experimento virava para o primeiro cara e dizia “Qual linha é mais longa?” e agora o cara estava confuso, e dizia “É a A”, mas não tinha certeza. E eles voltavam com outros caras e eles diziam “Não, é a linha C”. Eles voltavam para o primeiro cara, eles estavam na mesma sala, e aí o cara mudava sua resposta, porque não conseguia entender como estava vendo algo diferente do que as outras pessoas na sala. E foi isso que fiz. Eu não conseguia entender como todas aquelas pessoas estavam vendo algo que eu não conseguia ver. Decidi que eu devia estar me iludindo e adotei o que eles estavam dizendo sobre mim. Fui em frente e vi minha aparência do jeito deles. E fodeu com a minha cabeça por muito tempo.

Como você superou isso? Porque você disse que esse efeito durou anos, certo?
Sim. Meu principal medo era que toda essa porção da realidade – “fama” nesse caso – tinha sumido. E era tipo “Ah não, não sou mais famosa!” Se um parente morre, você muda de repente para outra cidade ou perde o emprego – essas coisas eram parte da sua realidade e foram removidas, e para muitas pessoas isso pode ser traumático. Então, com algo como a fama, que é outro componente abrangente da realidade de um indivíduo, você começa a delegar isso e é muito perturbador, pra dizer o mínimo.

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Como foi ir de ser megafamosa para o nível de fama que você tem agora? Foi um processo gradual? Ou algo que você notou um dia, tipo “Ah, acabou”?
Definitivamente gradual. Mas no começo parece uma dessas coisas que você pensa “Ah, isso é compreensível”. Você ainda tem um nível alto de fama, mas não é aquele frenesi de antes, tipo “Ah, bom, não estou mais num programa que passa regularmente na TV”. E você pensa “Tudo bem”. Você acha que vai estar em algum outro projeto que atinja a mesma altura, e sua fama ou notoriedade vai aumentar de novo. Como a bolsa de valores ou algo assim. Vai cair e vai subir, mas não vai acabar. Você nunca pensa que você vai cair fora das paradas.

Essa descida é como areia correndo pelos seus dedos. Você não consegue impedir. É como um carrinho descendo uma ladeira, sem motor, sem freio, sem ré, você pode tentar virar o volante e tentar não bater. Enquanto o carrinho desce a ladeira, você vai jogando certas coisas fora. Sua identidade, como você se vê, seu ego, seu valor próprio, suas preocupações com a sua carreira. Tive que fazer muito trabalho. Escrever muito. Quando aparecia uma coisa que pisava nos meus calos, tipo estar numa festa onde eu sentia que era uma “leprosa da fama”, sabe. Quem tem um alto nível de fama, como eu costumava ter, vinha falar comigo com um sorriso amarelo. Como se quisesse ir embora o mais rápido possível. E como a fama é imprevisível e algo que você não pode controlar, acho que há um medo, e como muito do seu modo de vida pode depender disso, acho que para algumas pessoas falar sobre fama, deixar de ser famoso ou estar com pessoas cuja fama se perdeu, é desconfortável. Até um pouco apavorante.

Uma jornalista com quem falei disse “O que aconteceria se esse livro te tornasse muito famosa de novo?” E eu disse, a probabilidade de fica famosa com o que faço agora; escrever, dirigir ou produzir; é extremamente baixa. Mas quando ela disse isso, senti um medo súbito. Eu disse “Não quero isso”. Se alguém dissesse “Toma aqui essa fama”. Tipo, pra quê? O que ganho com isso?

Fame: The Hijacking of Reality saiu no dia 2 de outubro pela Akashic Books. A estreia na direção de Bateman, no curta Five Minutes, foi na Amazon Prime em 1º de outubro.

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