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Eis como nossos cérebros podem distorcer a realidade

Numa saga repleta de obstáculos e inimigos, pesquisadores descobriram que as coisas que fazemos podem alterar o que nossas mentes veem.

Costumamos acreditar que o que enxergamos é uma representação fiel do que está presente. O modelo básico da visão é que os olhos recebem informações sensoriais, o cérebro as processa e aí você está apto a agir de acordo com o que vê. Isso explica por que desviamos de uma pessoa ou esticamos o braço para pegar um biscoito.

Contudo, ilusões ópticas simples revelam que nosso cérebro às vezes altera nossa percepção a depender do contexto. Duas linhas do mesmo tamanho podem parecer diferentes, dependendo das outras linhas ao redor delas. Seu cérebro pode preencher informações visuais que caem no ponto cego do olho. Se você olhar para aquele famoso vestido que dividiu a internet, e seu cérebro achar que ele está em uma sombra, você verá cores diferentes das que um amigo perto de você – mesmo que vocês estejam recebendo as mesmas informações sensoriais.

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“As pessoas costumam ter a impressão, em primeiro lugar, de que veem coisas de modo preciso, e de que veem o mundo tal qual ele é”, afirma Jessica Witt, pesquisadora de psicologia cognitiva na Universidade do Estado do Colorado. “Existe muita pesquisa a respeito da visão para mostrar que isso não é verdade.”

Witt começou a trabalhar com percepção visual com o psicólogo Dennis R. Proffitt na Universidade de Virgínia, nos EUA, onde Proffitt estava descobrindo que as pessoas muitas vezes superestimam o quão íngreme as montanhas são – e fazem isso com mais frequência quando são idosas, ou quando estão cansadas, fora de forma ou carregam mochilas pesadas. Ele descobriu que se as pessoas somente saem para uma corrida, ou forem posicionadas no topo de uma montanha em um skate, elas também são mais propensas a relatar que veem uma montanha mais íngreme do que é de verdade. Seus achados parecem revelar que as ações, tanto passadas quanto futuras, podem ter impacto no que as pessoas viram.

Hitt continuou, ao longo dos últimos 15 anos, a estudar os efeitos das ações na percepção, voltando-se em primeiro lugar a atletas, que em geral combinam as duas coisas. Para um estudo de 2005, ela foi a campos de softbol com uma placa apresentando dois círculos diferentes. Descobriu que os jogadores com melhores médias de rebatidas reportaram que as bolas eram maiores, e os que não jogavam muito bem naquele dia reportaram que a bola parecia menor do que seu tamanho real. Em um estudo semelhante com jogadores de golfe, ela descobriu que os melhores jogadores acreditavam que o tamanho dos buracos era maior do que realmente eram.

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Mas não é sempre que as coisas parecem maiores – tenistas que retornam mais bolas julgam que a rede é menor e que a bola se move mais lentamente. Obstáculos nas corridas parecem menores para aqueles que têm mais experiência com eles. Quando ela estudou jogadores de futebol americano, ela descobriu que aqueles que faziam mais pontos percebem a distância da trave como menor do que aqueles que chutam com menos sucesso. Ao mesmo tempo, eles percebem as verticais mais afastadas. Se um jogador chutar a bola muito alto, eles percebem que as verticais estão mais próximas, e se perderem porque não conseguiram chutar alto o suficiente, eles veem as traves como maiores. A percepção, ela afirma, parece estar associada a ações específicas que o indivíduo realiza.

Ela aplicou suas descobertas a não-atletas também, mostrando que apresentar uma ferramenta para alcançar algo pode diminuir a distância percebida, dar pés de pato para nadadores faz os objetos debaixo d’água parecerem mais próximos e que a dor crônica e a obesidade podem aumentar sua percepção de distância.

Witt acredita que as ações dão um filtro por meio do qual o cérebro processa informações visuais. “Se você estiver olhando para o mundo por meio do contexto ‘estou cansado, minhas energias are esgotadas’, então o cérebro produz um visual e uma percepção totalmente diferentes do que com toda sua capacidade energética e toda a fonte de energia disponível para você”, ela afirma. Witt também afirma que, em muitos casos – como montanhas íngremes e distâncias –, o cérebro pode estar tentando conservar essa energia. Estudos mostraram que, quando as escadas são tidas como muito altas, as pessoas tendem a buscar alternativas, como escadas rolantes.

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“Outro modo de pensar nisso é que o sistema visual está incorporando ações para ajudar a fazer as melhores escolhas”, ela afirma. “Não sabemos realmente o quão íngreme é a montanha, mas farei minha melhor tentativa. E minha resposta será muito mais íngreme quando eu estiver cansada.”

Para bolas e traves menores e mais próximas, é praticamente como se “o sistema de percepção oferecesse justificativas para desempenhos ruins”, escreveu o neurocientista Christof Koch em um ensaio sobre o trabalho de Witt na Scientific American Mind. “Contudo, existe um valor nisso, de modo evolutivo: se as pessoas perceberem o objetivo como maior ou menor do que realmente é, elas vão acertar com mais precisão da próxima vez.”

No entanto, a ideia de que o que vemos é facilmente impactado pelas ações não apareceu sem controvérsia. Witt está recebendo diversas respostas à sua pesquisa, o que ela acredita ser porque ela derrubou a cronologia típica do “ver, pensar, agir” ao descobrir que o “agir” pode influenciar essa sequência antes do que se imaginava.

Dois de seus críticos, Brian Scholl e Chaz Firestone, do departamento de psicologia na Universidade de Yale, também nos EUA, publicaram as armadilhas do que para eles são os achados da pesquisa: que o tamanho da amostra é muito pequeno, ou de que é difícil discernir entre percepção e julgamento – os participantes realmente veem a montanha como íngreme ou apenas se lembram dela assim? “Acredito que a ideia de ação alterando a forma como vemos é fascinante”, Scholl afirma, mas também considera que os achados estão causando mais empolgação do que deveriam. “A ciência por si não funciona da forma como seria preciso que funcionasse”, ele afirma.

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Uma das preocupações mais importantes de Scholl e Firestone diz respeito a respostas tendenciosas: eles acreditam que em muitos estudos sobre percepções e ações, os participantes podem facilmente adivinhar o objetivo do estudo e, como resultado, suas respostas serão distorcidas. Por exemplo, se for solicitado que um indivíduo recorde como era a montanha, e depois dar uma mochila pesada e perguntar novamente – isso poderá insinuar que ela era mais íngreme, e ele a perceberá dessa forma.

Witt realizou um novo estudo, publicado recentemente na Psychological Science, a fim de oferecer uma réplica à resposta enviesada. Ela utilizou um programa de computador similar ao Pong, que ela afirma ser o modo mais robusto e consistente de mostrar a influência da ação na percepção. As pessoas no estudo utilizam um console para bloquear uma bola com uma raquete de vários tamanhos, que facilita ou dificulta sua tarefa. Quando questionados sobre a velocidade da bola, aqueles com raquetes menores afirmaram que ela era mais rápida – mesmo que a velocidade da bola permanecesse exatamente o mesmo independentemente do tamanho da raquete.

Dessa vez, ao fim do jogo, Witt deu a eles uma pesquisa, questionando explicitamente se sabiam qual era o objetivo do estudo. Somente 25% dos participantes responderam corretamente, e Witt afirmou que, ao comparar os resultados com outros participantes que não adivinharam o objetivo do estudo, eles ainda apresentaram o mesmo efeito – de que a percepção da velocidade da bola estava relacionada ao tamanho da raquete. “Isso descarta enormemente as críticas a respeito das respostas enviesadas”, Witt afirmou.

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Witt também incluiu outra sugestão de Scholl e Firestone no estudo: um elemento de confusão. Ela colocou um fundo azul em algumas partidas de Pong e um fundo vermelho em outras. “Era totalmente irrelevante e sem qualquer objetivo”, afirma. “Esperávamos que isso enganasse totalmente os participantes. Descobrimos que vários participantes afirmaram [que o objetivo do estudo] era ver se a bola se movia mais rápido ou mais devagar no fundo vermelho.” Ainda assim, mesmo os participantes que não acertaram o objetivo do estudo mostraram o efeito Pong, Witt afirmou.

Scholl ainda não está convencido. “Não acredito que esse novo estudo seja convincente, mas estou muito feliz de que esse tipo de trabalho esteja aparecendo”, afirma. “Esses são exatamente os controles cuidadosos e críticos que estavam faltando nessa literatura desde o início. E deveríamos colocar esse tipo de trabalho em um patamar mais alto. Em parte, por motivos científicos – como esse trabalho vai contra tudo o que sabemos sobre o funcionamento da percepção. E, em parte, por motivos sociais – porque os proponentes desses efeitos argumentam que têm o mérito de causar possíveis alterações em questões políticas do mundo real, como a violência armada, a segurança no trânsito, o desempenho atlético e os diagnósticos médicos.”

Scholl ainda acredita que os elementos desse efeito não são críveis e são contraditórios às formas como o cérebro pode distorcer a percepção. “Ilusões visuais ópticas […] persistem apesar de suas crenças e intenções (o idioma que você fala, ou como você age etc.)”, ele afirma. “Contudo, esse trabalho, em contraste, sugere que o que você vê pode mudar tudo dependendo do que você está fazendo – ou mesmo do que você pretende fazer.” Scholl afirma que a pesquisa incluída por Witt é somente a primeira de muitas etapas para convencê-lo do estudo.

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Entretanto, existem vozes dos dois lados, afirma Laura Thomas, professora-assistente de psicologia na Universidade do Estado de Dakota do Norte, nos EUA, que também estuda os efeitos da ação na percepção. “Eu acredito que Witt foi bastante cuidadosa na tentativa de responder às críticas propostas”, ela afirma. “Ela trabalha com ciência da forma como todos nós tentamos fazer, que é propor algumas hipóteses alternativas e testá-las.” O trabalho de Thomas se concentra nos modos mais sutis nos quais a ação pode impactar a forma como vemos as informações visuais, por exemplo, como posturas diferentes podem afetar a forma como recebemos informações visuais de dispositivos touchscreen.

“Essa abordagem modular à visão se tornou uma abordagem duradoura por muito tempo”, Thomas afirmou. “Acredito que desafiar isso é importante em termos de alterar forma como nós, como pesquisadores, pensamos sobre o assunto.”

Há tanta controvérsia a respeito desse trabalho que Witt afirma que a maior parte de sua pesquisa mais recente é semelhante ao seu novo estudo: projetado especificamente para responder a uma crítica. Ela tem muitas perguntas sobre as especificidades de como esse efeito funciona. O que significa ser visto de modo diferente de que uma “ilusão de óptica”? Isso também se aplica a trabalhos artísticos ou cognitivos, não somente físicos? E o que exatamente acontece no cérebro para produzir essas alterações? Ela acredita que, assim que os fundamentos sobre o debate sejam mais bem resolvidos, ela poderá estudá-los com mais detalhes.

“Direi que, por mais difícil que seja com o tempo, acredito que os críticos tenham empurrado ciência de uma forma boa”, ela afirma. “Sou atleta e sei que a forma de dar meu melhor é ter os melhores competidores contra mim.”

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