a bruxa de blair completa 20 anos
Imagens via Getty; Ilustração por Lia Kantrowitz.
Entretenimento

A história real aterrorizante de como 'A Bruxa de Blair' foi feito

No aniversário de 20 anos do filme, conversamos com os produtores e atores por trás do fenômeno que inspirou o gênero de terror DIY.

Em 1997, Eduardo Sanchez e Daniel Myrick mandaram três atores desconhecidos para improvisar um filme de terror na floresta e e se filmar. O conceito era praticamente inédito, e não seria fácil de realizar. Mas dois anos depois, Sanchez e Myrick tinham um sucesso nas mãos com A Bruxa de Blair, que inspirou um novo subgênero de terror e se tornou um dos mais icônicos filmes de todos os tempos.

Feito com um orçamento de apenas US$ 60 mil, o filme estreou no Sundance em 1999. Apenas duas horas depois da sessão da meia-noite no festival, os jovens diretores venderam o longa para a Artisan Entertainment por US$ 1,1 milhão. O filme foi o mais comentado da temporada, mas levou anos para se tornar realidade. Apesar de Sanchez e Myrick terem pensado no conceito quando eram estudantes de cinema da Universidade da Flórida Central em 1991, eles começaram a colocar seus planos em prática em 1996, e por problemas de financiamento, só conseguiram fazer a escalação em 1997. Sanchez e Myrick tiveram que encontrar atores que pensassem rápido, porque mesmo tendo escrito um rascunho muito detalhado do roteiro, o diálogo seria quase todo improvisado.

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Numa das experiências mais intensas de filmagem imagináveis, os atores Heather Donahue, Joshua Leonard e Michael C. Williams interpretaram uma versão fictícia de si mesmos, indo para uma floresta de Maryland para filmar um documentário sobre a lenda da Bruxa de Blair. Parte do que tornou A Bruxa de Blair tão vanguardista é que nunca vemos realmente a bruxa e os cineastas não usaram efeitos especiais para assustar o público; em vez disso, tinham as reações verdadeiras de um elenco que não sabia o que esperava por eles na floresta. O filme conseguiu fazer muito com pouco, criando uma das primeiras campanhas de marketing viral e ganhando seguidores antes mesmo de chegar aos cinemas. A Bruxa de Blair faz 20 anos esta semana, então entrevistamos o elenco e a equipe para relembrar a produção de um dos filmes de terror mais icônicos de todos os tempos.

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Michael C. Williams [“Mike”]: Eu não tinha nenhuma experiência profissional, além de ter estudado na SUNY New Paltz por quatro anos. [O anúncio do teste para o elenco] dizia “longa que será filmado numa floresta”, acho que dizia filme com diálogos de improviso… Necessário improvisar e saber acampar. E eu adoro as duas coisas, então achei que seria interessante. Improvisar? Como você improvisa um filme? Fui para o teste e tinha vários avisos antes de entrar na sala, panfletos nas paredes dizendo “se você pegar esse papel, estará sujeito a situações físicas desconfortáveis, você nunca estará em perigo, mas estará a céu aberto na maior parte do tempo. Se você não gosta disso, por favor, não faça o teste”.

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Daniel Myrick: Fizemos o processo de teste de um jeito que nos permitia ver rapidamente a habilidade da pessoa de improvisar, onde os atores viam um parágrafo dizendo que eles estavam pedindo liberdade condicional: você foi condenado por assassinato doze anos atrás, e agora está se preparando para defender seu caso na frente da comissão de condicional.

Williams: Ed Sanchez estava sentado numa mesa com outros caras [na sala de teste], e só disse “Você cumpriu dez anos da sua sentença de doze, você pode sair em liberdade condicional, o que você tem a dizer?” Ele não assistiu minha fita, não me disse bom dia, não disse nada, ele imediatamente me pediu para improvisar.

Eduardo Sanchez: [A Heather] assustou a gente pra caralho, e olha queestávamos num espaço de ensaio em Nova York, a situação menos assustadora possível.

Myrick: [A Heather] foi a única pessoa naquele um ano de testes que, quando perguntamos “Por que você deveria ser liberada sob condicional?”, ela me olhos nos olhos e disse “Acho que não deveria”.

Durante a pré-produção, os diretores tinham que ter certeza que tudo estava em perfeitas condições para os atores filmarem sozinhos. Isso envolveu os ensinar a usar o equipamento, os familiarizar com a cidade e montar ferramentas de sobrevivência.

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Myrick: Nosso produtor Gregg Hale, que era ex-militar, ligou a gente nesse sistema de GPS. Tínhamos dois deles – os atores tinham um e a gente tinha o outro. Três semanas antes das filmagens, Ed e eu fomos para a floresta e marcamos todas as áreas onde os acampamentos deveriam ser e onde faríamos os sustos. Tudo foi pensado muito metodicamente.

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Sanchez: Na floresta, queríamos que eles estivessem o mais sozinhos possível, então tentamos treiná-los bastante em se tratando de filmagem. Para o Mike, fizemos um pequeno curso de áudio sobre como ligar os cabos e como deixar o som bom com a máquina DAT.

Myrick: A maior parte do filme é basicamente com uma câmera Hi8, que é praticamente só ligar e filmar. Você liga e ela faz tudo sozinha pra você. O treinamento pra filmar com ela levou um ou dois dias.

Williams: Tive que aprender como o som funcionava, como o DAT funcionava. Tudo que é filmado na câmera, você está ouvindo no vídeo da câmera, mas as coisas em preto e branco são do DAT, que é um sistema de som old school.

Joshua Leonard ["Josh"]: Eu nunca tinha filmado com uma CP-16 antes. Essa câmera é um monstro – usada principalmente para filmagem de noticiários antes do vídeo ser inventado. Quando cheguei em Maryland, fui apresentado ao falecido Neal Fredericks, que estava no comando do “visual” do filme. Nós filmamos por um dia mais ou menos, para eu aprender como funcionava a CP. Mas mesmo assim acabei estragando algumas filmagens – toda a conversa no filme sobre pés versus metros depois que saímos da casa da Mary Brown – isso foi real. Era eu percebendo que tinha errado os cálculos da medição e a filmagem provavelmente ficou fora de foco.

Sanchez: Levamos os atores para o Montgomery College para caminhar um pouco, lá era onde eles deviam se encontrar e os levamos de carro por Maryland para eles terem uma ideia de como era morar lá. Demos revistas de 1994 para eles lerem o que estava acontecendo. Para a Heather, trabalhamos na mitologia. Ela recebeu uma história mais detalhada porque sentíamos que ela precisava saber muito mais sobre a Bruxa de Blair do que os caras, então dissemos “Você precisa se tornar meio que uma especialista em toda essa informação” e depois, claro, as ensinamos coisas básicas de acampamento.

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O Gregg estava no comando dos pontos de notificação do GPS, foi isso que ajudou os atores a irem de uma locação para outra na floresta sem que a gente precisasse levá-los. Ele teve que ensinar pra eles como trabalhar com o rastreador GPS e coisas básicas de sobrevivência e de segurança, tipo, se algo acontecesse, o que eles deveriam fazer.

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As filmagens começaram em 23 de outubro de 1997 em Montgomery County, Maryland.

Sanchez: Levamos eles até o local, tivemos que fazer as malas deles e colocá-los pra começar a filmar sozinhos, e na maioria das vezes a gente só se comunicava se algo dava errado ou se tinha uma grande dúvida que precisava ser respondida imediatamente. Tentamos segui-los por alguns dias, mas não deu certo. Era muito difícil ficar fora do caminho deles, e você não podia fazer mais nada além disso. A gente só podia observá-los. Assistimos as filmagens quando voltamos e gostamos do que vimos. Achamos que tudo estava funcionando bem e abandonamos a ideia de observá-los. Basicamente, foi só guiá-los através de notas de direção e garantir que tudo estivesse indo de acordo com o plano.

Myrick: Eles sabiam quando chegavam no acampamento com a ajuda com GPS quando viam uma caixa de leite com uma bandeira de bicicleta enfiada no chão. Nesses lugares eram onde eles deviam montar a barraca e passar a noite. Dentro da caixa de leite tinha uma pequena lata de filme, com as notas de direção pra cada um. As notas de direção deviam ser lidas individualmente e os atores não podiam contar o que tinha para o outro.

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Williams: As cenas eram dirigidas por bilhetes deixados em latas de filme 35mm pela floresta, então tínhamos o GPS programado pelos produtores e diretores, eles tinham mapeado todas as locações. Eles programavam os chamados pontos de chegada para oito dias. Em cada um desses pontos, a gente olhava o GPS que dizia “ponto de chegada 3, ponto de chegada 4 em 3 quilômetros”, então você olhava para a bússola e no próximo ponto de chegada era onde um evento deveria acontecer.

Myrick: Conseguimos meio que guiá-los pela floresta sem ter a equipe inteira ao redor e, ao mesmo tempo, dar as notas de direção para guiar os personagens.

blair witch set

Leonard: Na noite em que eu deveria sumir, os diretores me deixaram um bilhete dizendo para esperar todo mundo dormir e sair de fininho da barraca. Lembro que o papel dizia “Se alguém acordar, diga que você precisa mijar e saia o mais rápido possível”. Depois que saí, Ed, Dan e Gregg estavam esperando por mim. Eles me colocaram no carro e disseram que eu estava indo pra casa.

Myrick: Foram oito dias de filmagem onde eles estavam realmente acampando na floresta. Isso foi pensando para pressioná-los para dar respostas verdadeiras. Com o tempo, meio que racionamos a comida, então eles estavam com fome. Claro, não morrendo de fome, mas você fica irritado quando não está comendo direito todo dia, então foi meio que um método de abordagem de sobrevivência que os deixou preparados com antecedência.

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Williams: Digamos que o primeiro dia foi um sanduíche e um saco de salgadinho no almoço, no segundo só o sanduíche, e no terceiro só o saco de salgadinho, no quarto dia nem almoçamos. Nos últimos dias tínhamos sustância suficiente, mas não muita comida. Então eles foram diminuindo a comida da gente, o que já sabíamos que ia acontecer, mas não foi tipo… Não ficamos dias sem comer. Eles nunca arriscaram nossa segurança. A ideia era nos deixar desconfortável sem nos colocar em perigo.

Myrick: Rimos de uma coisa que o Gregg falou para os atores. Ele disse algo do tipo: “Sua segurança é nossa maior preocupação, seu conforto não”.

Sanchez: Era como uma peça de teatro na floresta, e a gente interpretava a Bruxa de Blair, então às vezes era tipo “Certo, é meia-noite, temos que ir até lá e correr em volta do acampamento ou algo assim”. Toda noite tínhamos um plano. A gente ia pra floresta e se dividia em pequenos grupos para fazer barulho, mais barulho, isso ou aquilo, e quando tínhamos o que era preciso a gente dizia “OK, tá bom” e íamos embora lá pelas 2 da madrugada depois de assustar os atores.

Leonard: Sempre perguntam se estávamos realmente com medo quando a equipe mexia com a gente no meio da noite. A resposta é não. O que geralmente estava acontecendo nos bastidores é que estávamos exaustos, com fome e muitas vezes molhados. A gente montava o acampamento e ia dormir, mas quando você estava finalmente quente no seu saco de dormir úmido, os caras começavam a tocar sons bizarros de crianças fora da barraca. Então o que você vê no filme acontece logo depois que todo mundo suspira de cansaço, percebendo que tinha que colocar os sapatos de volta e começar a atuar.

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Williams: Nas duas primeiras noites, não aconteceu muita coisa, aí eles começaram. Você ouvia eles andando lá fora, quebrando coisas, jogando pedras nas árvores. Na verdade foi bem legal porque você nunca via onde eles estavam. Você sabia que era eles, mas seu trabalho como ator é ignorar que a realidade eram os caras e só se focar no som. Isso criou circunstâncias onde era muito fácil acreditar que estávamos com medo. Dito isso, depois da terceira ou quarta noite, estávamos exaustos. Lembro que a gente dizia “Vocês ouviram isso?” e todo mundo dizia “Aham” e “Ai, temos que levantar e fazer isso de novo?”

Myrick: Queríamos manter esse clima para que os atores não soubessem mais do que seus personagens saberiam naquele momento. Quando o Josh ou o Mike pergunta uma coisa para a Heather no filme, é uma pergunta legítima.

O monólogo da Heather se tornou um dos momentos mais icônicos do filme, e até quem não assistiu A Bruxa de Blair reconhece a fala instantaneamente.

Myrick: Precisávamos de um momento onde, depois que o Josh some, ela finalmente percebe que fez merda. Tinha esse momento no roteiro de confissão em algum ponto, onde ela saía sozinha e se despedia. Você diz adeus pra sua família, se desculpa, como se estivesse num barco no meio do Pacífico, insistindo em ir numa certa direção, e todo mundo falando não, e agora vocês estão afundando. O que você diz? A gente tinha esse momento escrito desde o começo, mas deixamos a Heather pegar a câmera e dissemos “Aponte a câmera pra você como se fosse um monólogo em selfie, mas diga o que você diria como sua personagem para sua família e seus amigos, esse é o momento em que você aceita o que fez”. Foi aí que a Heather pegou a câmera, saiu sozinha e fez a atuação.

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O final do filme foi uma das cenas mais desafiadoras para os diretores. Ela foi filmada em Griggs House, uma casa histórica do século 19.

Sanchez: Eu tinha um rádio com uma fita cassete e gravamos nele o Josh antes gritando aquelas falas. É uma tomada onde alguém estava no andar de cima da casa com o aparelho de som e alguém estava no porão, então eu estava na floresta perto da barraca. Quando percebi que eles estavam dormindo, apertei o play.

Myrick: Eles sabiam [como seria o final]. A cena da casa provavelmente foi a tomada mais tradicionalmente filmada do filme porque, logisticamente, era complicada demais. A primeira tomada deles se aproximando da casa foi real. Quando eles saem do acampamento e veem a casa, eles estão vendo a casa pela primeira vez.

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Williams: Minha direção para a última cena era “Mike vai ouvir alguma coisa hoje, e quando ouvir, vai correr até em cima, até a Heather te alcançar e quando ela te alcançar, você vai correr até embaixo”. Claro, eu não sabia que era uma casa, certo, então não sabia o que até em cima e até embaixo significava, não sabia o que ia ouvir. Tínhamos walkie-talkies para chamar o Ed Sanchez e eu disse “Não entendi a última direção”, ele disse “Olha, te prometo, você vai entender quando acontecer” e respondi “OK”, desliguei o rádio e fui dormir. Quando acordei, o som era a voz do Josh num rádio, então tive que seguir a voz dele, ver a casa e entender naquele momento o que era ir até em cima.

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Myrick: Tivemos que mapear tudo isso com antecedência, trabalhar o caminho em cada tomada para que no corte final tudo junto parecesse uma única tomada.

Antes do Sundance, os diretores fizeram um site fingindo que o desaparecimento dos atores do filme era real, um dos primeiros casos de marketing viral. Quando a Artisan Entertainment viu o marketing, eles decidiram retrabalhar o site e manter a aparência de que a história do filme era real.

Sanchez: O site entrou no ar em junho de 98, antes do Sundance. Fizemos o site fingindo que a história era real, com uma linha do tempo e tudo mais, uma pequena biografia sobre a Heather, o Mike e o Josh, uma linha do tempo da mitologia do caso. Também colocamos o diário da Heather lá, dando a ideia de que tínhamos sido contratados pela mãe da Heather para editar a filmagem e que aquilo não era marketing de um filme. A coisa se espalhou no boca a boca e quando entramos no Sundance, tínhamos umas 10 mil pessoas na nossa lista de e-mail, que era um número bem grande para 1999. O site realmente nos ajudou a entrar no mapa.

Myrick: A Artisan pegou o conceito do site, que era tipo um incidente real que aconteceu em Maryland, e continuou com isso. Quando fomos para Cannes, eles fizeram uns cartazes de “desaparecidos” e mandaram estagiários colocá-los pela cidade. Isso chamou muita atenção. Em algumas semanas, o filme meio que tomou a cena nacional; as pessoas realmente acharam que os três atores tinham desaparecido. Foi só quando eles começaram a participar de talk shows e tudo mais que as pessoas perceberam que era só um filme. Mas eles continuaram com a ilusão por algum tempo.

Leonard: Era uma coisa boba, mas também acho que funcionou. Como indivíduos, foi meio estranho porque usamos nossos nomes verdadeiros no filme. Nossos pais começaram a receber telefonemas de pessoas dando os pêsames. Aí, quando a cortina realmente caiu e chamamos a atenção da imprensa, algumas pessoas ainda não acreditaram na gente. Disseram que éramos atores contratados para interpretar Josh, Mike e Heather, para impedir que a coisa toda fosse vista como um filme snuff. Até hoje há teorias da conspiração sobre essa história.

Essa reportagem foi publicada originalmente na VICE EUA.

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