Opinião

TAP. (Uma entre várias) Tretas à Portuguesa?

Os primeiros meses da Covid-19 não travaram o “tuguismo”. A vinda da Champions para Lisboa, a ida de Centeno para o Banco de Portugal e as ajudas estatais à transportadora aérea e ao Novo Banco, estão entre a estupefacção e o indecoroso.
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Há imbróglios que deixam um sabor amargo na carteira dos contribuintes. Estejam eles em terra ou no ar. (Imagem do filme “Flight 93”/2006. Cortesia A&E Network)

Por causa das medidas de urgência sanitária, o novo livro do escritor francês e activista político, Bernard-Henry Lévy, fala da cultura da tirania que tomou conta de todos os que decidem aumentar o controlo da liberdade dos cidadãos. Este Vírus Que Nos Enlouquece é editado, entre nós, pela Guerra & Paz.

Com o deflagrar da epidemia em grande escala, vão-se descobrindo carecas e tomando decisões obscenas que podem, ou não, ter correlação directa com o Coronavírus.

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Na Alemanha, por exemplo, a Wirecard (uma das maiores empresas da fintech alemã) foi apanhada numa gigantesca fraude e colapsou. Em Portugal, não faltam eventos que ferem a credibilidade de entidades públicas e privadas. Abaixo, em três alíneas, tens caldeiradas à boa maneira “tuga”.

1. A nova vida de Mário Centeno. Mais vale ver uma estátua vandalizada do que uma múmia a comandar o Banco de Portugal?

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Espera-se que o próximo governador não ande de olhos vendados (Imagem do filme “Night at the Museum: Secret of the Tomb”/2014. Cortesia 20th Century Fox)

Há pouco mais de um mês, foi aqui escrito o seguinte: “Centeno sabe que o papel de regulador doméstico passa por ser ‘cego, surdo e ingénuo’. Por cá, é escandaloso que não se toque - ou mande para a choldra - os devedores ou sacadores do Estado. Queres ser o maior entre os burlões? Cria uma imparidade do tamanho do planeta, que haverá governantes e tribunais a dar benesses e palmadinhas nas costas. Quem fiscaliza só tem de fazer figura de corpo presente”.

O antigo dono da pasta das Finanças é bem capaz de ter o melhor currículo para liderar o Banco de Portugal (BP), mas o contexto é delicado e os conflitos de interesse são mais que muitos.

Como é que se pode achar normal que o seu trabalho seja inspecionado por um conselho de auditoria nomeado por si?

Como é que se pode achar normal que vá examinar documentos em que o próprio esteve envolvido enquanto ministro (casos de processos ligados ao Novo Banco, ao Banif e a Caixa Geral)?

Lá por termos tido um passado com transferências directas de responsáveis das Finanças para o BP, não quer dizer que o mesmo pressuposto tenha de vigorar em 2020. Perpetuar um acto legal, mas que é moral e eticamente reprovável, é dar o flanco a um possível mandato ruim.

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A competência e idoneidade de Centeno vão ser postas à prova no BP (há quem ache que a sua inteligência é fogo de vista, pois à conta de cativações e sucessivo adiamento de investimento público chegou ao primeiro superavit da democracia). Tendo em conta que o processo da nomeação nasceu torto, dificilmente a expectativa em redor do novo timoneiro é alta.

A evidência leva a pensar que mais vale ver uma estátua vandalizada, do que ter uma múmia à frente de uma organização crucial para as contas da nação. A ausência de seriedade na segunda custa muito mais à nossa vida colectiva. A primeira, por mais criticável que seja (e origine discussões - e bem - sobre o passado de determinada figura histórica), custa umas horas a limpar e são trocos quando comparado com as alegadas intrujices na banca.

Antes do próximo tópico e na consequência da soma George Floyd+ monumentos postos em causa (que mereciam petições para a sua retirada invés de pinturas destrutivas), o experiente dirigente social-democrata, David Justino, teve o desplante de achar que a Ponte 25 de Abril devia ainda chamar-se Ponte Salazar.

Na mesma vertente esdrúxula, aquando das manifestações contra o racismo, houve jovens a empunharem cartazes com a lastimável frase “Polícia bom é polícia morto”.

A palermice não tem idade.

2. Champions em Lisboa. O potencial presente envenenado com uma apresentação de bradar aos céus de quem se curva, quase sempre, ao futebol.

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Quando o assunto é a Liga Milionária, as altas figuras do Estado parecem putos excitados numa peladinha com os amigos do bairro. (Imagem do filme “Mi Mundial”/2017. Cortesia Bretz Filmes)

Nota prévia: Por mais dedos que se apontem a quem decide sobre as medidas para combater a Covid-19, as incertezas são terrivelmente angustiantes. Com mais ou menos casos de infecções, internamentos e mortes, o sentimento geral em qualquer país é de que se anda às apalpadelas para ter uma clara ideia sobre como funciona e quão maléfico é o “bicho”.

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Marcelo e Costa são dois optimistas irritantes que fiaram-se no “milagre português” e foram dando sinais contraditórios. De Segunda a Quinta mostraram que devíamos manter a prudência e, de Sexta a Domingo, parecia que a vacina já estava no mercado. Agora, por diversas razões, o controlo da pandemia não vive os melhores dias…

Com a vinda da fase final da Champions para Lisboa, o absurdo tomou conta dos dois estadistas, do presidente do parlamento, de outras personalidades do governo, do edil da capital e da Federação de Futebol. Não havia necessidade de uma apresentação patética sobre um evento que pode sair caro para a saúde pública. Há o risco eminente de termos adeptos espanhóis, ingleses ou italianos a viajar em Agosto para ajuntamentos nas redondezas dos Estádios (isto se alguém se lembrar que o “melhor” é abrir os portões dos recintos…).

Ao contrário do mínimo esforço despendido na área da Cultura, nem a doença do ano impede os governantes de se curvarem novamente ao fenómeno futebolístico. Já em Maio, proibiram a retoma de outras modalidades e autorizaram os jogos da 1ª Liga.

Neste fascínio enjoativo para com o desporto-rei, António Costa surgiu com uma afirmação candidata a Tolice do Ano: “A Champions é um prémio merecido aos profissionais de Saúde”. E que tal começar por pagar salários consentâneos à responsabilidade dos mesmos e, além disso, activar um subsídio de risco?

A bola não enche a barriga nem dá ânimo a estes trabalhadores dedicados e incansáveis. Em Março, numa entrevista à TVI, foi surreal que sobre as carências do Serviço Nacional da Saúde tenha dito que “Até agora não faltou nada e não é previsível que venha a faltar”.

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Às vezes, era bom saber quem são as “cabecinhas pensadoras” que assessoram o primeiro-ministro.

3. O Novo Banco que, pelos vistos, nunca teve nada de Bom e a gerência privada da TAP que agradece a bondade da paróquia estatal.

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Professor competente para gerir milhões de euros em empresas débeis, precisa-se. (Imagem da série “La Casa de Papel”/2017. Cortesia Netflix)

Seja pela inoperância dos governantes ou por gestões que deixam muito a desejar, o Novo Banco e a TAP estão nas lonas.

No Novo Banco, como é possível esfrangalhar milhões de euros através do Fundo de Resolução (nome habilmente imposto para retirar dinheiro dos cofres do país) sem que o contrato da venda aos privados seja até hoje conhecido publicamente?

Na TAP, como é possível o Estado deter a maioria accionista, não mandar pevide e agora “ser obrigado” a abrir os cordões à bolsa (mesmo que uma das razões seja os efeitos do Corona no Turismo)?

Nas duas empresas, a insolência chega ao ponto de distribuírem prémios a quadros superiores em anos de lucro zero ou de minimum profit. A selvajaria capitalista e a complacência dos políticos do Bloco Central - através de deliberações com dolo? - confundem-se nestes exemplos melindrosos. Este regime do faz de conta, do obscurantismo e a inclusão de cláusulas manhosas que lesam o erário público, é intragável.

Enquanto os accionistas privados arranjam forma de se esconderem atrás do Executivo e este faz uns ameaços em que aparenta ser o polícia mau que nem algemas tem, são atirados fundos para tapar buracos financeiros como se fossemos filantropos com a dimensão de Bill Gates.

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Valha a verdade, os privados são os menos culpados da situação em que se encontra a instituição financeira e a transportadora aérea. O que fica à vista é que os governos são uns “queridos” nos acordos que assinam (“toma lá isto e não te preocupes que nós cobr$mos os problemas”), têm discursos difusos e olham para estas empresas como forma de pôr alguns dos seus nas administrações.

E que futuro para as duas empresas?

Novo Banco: De injecção em injecção (do Estado) até à próxima venda por uma bagatela ou desaparecimento obnóxio? O ex-BES ainda não mostrou ter vida para além do lado Mau…

TAP: Com a sua importância no capítulo de exportação, é essencial que haja alguém que meta a casa em ordem. A nacionalização é o melhor remédio? Será possível ter gestores competentes, confiáveis e que façam um trabalho sem serem rasteirados pelas máquinas partidárias?

Um estudo de opinião da Eurosondagem revela que os portugueses são contra a injecção na TAP - fala-se de 1200 milhões de euros. Pudera. Longe vai a época em que as massas eram bastante iletradas, mansinhas e subjugadas aos humores de meia-dúzia que mandava sem qualquer escrutínio.

Esses “dog days are over”.

NOTAS FINAIS

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Dúvida a confirmar mais à frente: irá o PM ser chamado como testemunha de defesa e depor no tribunal (se a imunidade o permitir)?

  • Graças ao Bloco de Esquerda, o governo retirou a proposta que permitia sociedades ligadas a offshores receber apoios públicos. O Orçamento Suplementar ficou mais arejado. Well done!
  • ADENDA a 6 de Julho – Depois de conversações, recuos e incertezas, o Governo paga 55 milhões de euros a um dos accionistas privados e passa a deter 72,5% do capital da TAP(Humberto Pedrosa fica com 22,5% e os trabalhadores com 5%).
    Saem David Neeleman e o CEO, Antonoaldo Neves, e será formada uma nova equipa de gestão. São injectados 1200 milhões e, para adensar a factura, ninguém sabe quanto vai custar a companhia aérea nos próximos anos (um segundo Novo Banco?) e quantos empregos vão ficar pelo caminho com a reestruturação. Diz-se que esta operação não é uma nacionalização, mas na prática é o Executivo que manda. A negociação com Bruxelas vai ser fundamental para garantir a viabilidade da empresa. Na semana passada, titula o Público que o “Estado nacionaliza EFACEC sem saber quanto é que vai pagar”. A Isabel dos Santos deve estar a rir-se desta situação…


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