Identidade

Uma nova descoberta pode revelar os segredos do massacre racista mais mortal da história dos EUA

Arqueólogos descobriram uma possível vala comum no Cemitério Oaklawn, o mais antigo de Tulsa. Ela pode revelar quantas pessoas foram assassinadas no infame ataque de 1921 em Greenwood, a Wall Street Negra de Oklahoma.
MS
Traduzido por Marina Schnoor
Photograph of an African-American man with a camera looking at the skeletons of iron beds which rise above the ashes of a burned-out block after the Tulsa Race Riot, Tulsa, Oklahoma, 1921. (Photo by Oklahoma Historical Society/Getty Images)
Um homem com uma câmera olha para os esqueletos de camas de metal entre as cinzas de um quarteirão incendiado depois do ataque racista em Tulsa, Oklahoma, 1921. (Foto por Oklahoma Historical Society/Getty Images.) 

A contagem oficial de mortos foi de apenas 36, mas todo mundo deve saber que isso era mentira. O ataque ao bairro de Greenwood em Tulsa em 1921 – uma próspera comunidade independente afro-americana conhecida como Wall Street Negra – acabou com 35 quarteirões da cidade e destruiu pelo menos 1.200 casas e comércios, reduzindo muitos deles a pouco mais que cinzas. Pelo menos 800 pessoas foram hospitalizadas, e cerca de 6 mil cidadãos negros foram presos por até oito dias. Hoje, o ataque é chamado de um massacre – ou até, emprestando uma palavra mais correta de outro contexto, um pogrom. Mas mesmo depois que a carnificina acabou, o número oficial de mortes, segundo a Bureau de Estatísticas de Oklahoma, era de precisamente 30.

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Era óbvio há anos que o número provavelmente era incorreto de propósito, para esconder a vergonha do que ocorreu. Provavelmente centenas de pessoas morreram, segundo estimativas mais recentes. E agora, arqueólogos acreditam ter descoberto a vala comum onde alguns mortos foram enterrados. Em um relatório divulgado esta semana, pesquisadores do Oklahoma Archaeological Survey anunciaram que localizaram duas grandes “anomalias” no Cemitério Oaklawn, o mais antigo de Tulsa, que são “consistentes com uma vala comum”.

O massacre de Tulsa, também chamado de “Revolta Racial de Tulsa”, aconteceu em 31 de maio de 1921, quando uma multidão de brancos foi para Greenwood, usando o pretexto de que um adolescente branco tinha supostamente atacado uma mulher branca. (Acusações do tipo eram usadas com frequência para justificar violência contra os negros; Paul Gardullo, um curador do Museu Nacional de História Afro-americana do Smithsonian, disse que isso era “uma fórmula que resultou em incontáveis linchamentos pela nação”.)

Nesse caso, um engraxate de 19 anos chamado Dick Rowland foi acusado de estuprar uma operadora de elevador branca de 17 chamada Sarah Page. Depois que Rowland foi preso, uma multidão de homens brancos apareceu na cadeia, tentando entrar, o arrastar pra fora e linchá-lo. Logo depois, alguns cidadãos negros, vários deles veteranos da Primeira Guerra Mundial, chegaram ao local e se voluntariaram para guardar o prisioneiro. Tiros foram trocados; 12 pessoas teriam morrido, 10 brancos e dois negros.

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O incidente foi usado como desculpa geral para destruir Greenwood: a multidão crescente começou incêndios, jogou bombas e atirou contra os cidadãos em fuga. Aviões particulares foram usados para jogar bombas incendiárias em pessoas, lojas, bibliotecas e pelo menos uma igreja, segundo um relatório de 2001 de uma comissão estadual e relatos dos sobreviventes. A violência continuou no dia seguinte. Uma sobrevivente, Olivia Hooker, de então seis anos, disse a NPR ano passado que lembra da mãe escondendo ela e seus irmãos embaixo da mesa da cozinha quando um grupo de homens com tochas invadiu sua casa; Hooker disse que assistiu um deles usar um machado para destruir o querido piano de sua irmã Irene.

Vários mistérios perturbadores restaram depois que o massacre acabou. Nunca ficou claro, por exemplo, quem era o dono dos aviões particulares usados para bombardear Greenwood, como o relatório de 2001 estabeleceu. (Vale apontar que alguns cidadãos brancos negaram que aviões foram usados para bombardear o bairro.) Mas a pergunta mais assustadora sempre foi onde as muitas centenas de corpos não-contabilizados foram enterrados.

O relatório sobre a nova vala comum em potencial é de autoria de Amanda L. Regnier, diretora do Oklahoma Archeological Survey da Universidade de Oklahoma, e Scott Hammerstedt, pesquisador sênior da instituição. Usando uma variedade de técnicas científicas, incluindo radar de penetração do solo (GPR), gradiometria magnética e condutividade elétrica, eles encontraram dois pontos onde os mortos do massacre podem ter sido enterrados em massa. Regnier e Hammerstedt são especializados em arqueologia nativa americana pré contato, mas seu conhecimento do uso de equipamento geofísico, disse Regnier, significa que eles são chamados para ajudar em outros projetos arqueológicos, além de, como ela disse, “por agências da lei e associados com cemitérios de várias maneiras”.

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Mas eles não tinha feito nada assim antes. “Já tivemos sucesso em localizar valas comuns em projetos anteriores”, Regnier disse a VICE. “Mas a escala deste projeto é o trabalho mais importante e impactante que já fiz na minha carreira.”

“Estou confiante que de que os resultados vão mostrar que esse é um bom candidato de algo associado com o massacre”, Hammerstedt disse uma audiência pública na segunda-feira, segundo reportagem da NBC. Enquanto isso, o prefeito de Tulsa, G.T. Bynum, enfatizou no Twitter que ainda há “muito trabalho a ser feito para determinar que essa é uma vala comum do Massacre Racial de Tulsa de 1921”.

O relatório de Regnier e Hammerstedt descobriu que além das áreas que parecem ser valas comuns, Oaklawn também tem vários túmulos não-marcados e o que eles chamam de “túmulos efêmeros”, um termo que indica que os corpos foram enterrados sem caixões. Túmulos com caixões, disse Regnier, são pegos mais facilmente pela tecnologia de radar.

“Se um indivíduo foi enterrado sem um caixão, o que provavelmente foi o caso com muitas das vítimas do massacre, 100 anos de decomposição natural significa que o único alvo para o radar são os ossos que restam”, ela disse. “Um esqueleto humano tem menos refletividade do que caixões, e não aparece de maneira tão forte. Sabemos que as funerárias de Tulsa ficaram sem caixões depois do massacre racial, então as vítimas foram enterradas sem caixões.”

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O relatório de Regnier e Hammerstedt enfatiza que mais testes precisam ser feitos antes que os locais sejam confirmados como valas comuns ou associados com o massacre de Tulsa. Para a nova fase do projeto, antropólogos forenses vão investigar, incluindo desenterrar qualquer corpo, numa ação liderada por Phoebe Stubblefield da Universidade da Flórida. (Mas, como Stubblefield disse na mesma audiência pública, é possível que os pesquisadores não consigam identificar nenhum dos restos mortais, considerando o nível de decomposição. Ela disse que o número de corpos pode estar entre 10 e 100.)

A próxima fase também vai focar no que acontece com qualquer resto humano que seja descoberto, disse Regnier. “Antes de qualquer procedimento para desenterrar, haverá um plano de viabilidade escrito pelo Comitê de Supervisão Pública, detalhando os planos da equipe de antropologia forense para conduzir testes, escavações e análises e, mais importante, um plano para enterrar de novo os indivíduos que forem desenterrados.” A NBC também informou que a cidade está trabalhando para conseguir uma permissão para uma investigação similar no Cemitério Booker T. Washington, que é particular, e que a equipe de pesquisa acredita abrigar outro local de enterro.

A equipe de Regnier vem pesquisando as valas comuns dos cemitérios da cidade desde 2018, mas o projeto ganhou mais atenção recentemente com o retrato vívido do massacre mostrando no primeiro episódio da série Watchmen da HBO.

“Espero mesmo que Watchmen chame a atenção do público para a investigação”, disse Regnier. “E para massacres raciais em geral… Muitas pessoas têm uma ideia geral de que isso ocorreu, mas não sabem a história completa.”

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