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Filme conta a história de ascensão, queda e redenção do rebelde do surfe Dadá Figueiredo

Recém-chegado ao Netflix, documentário tido como “o proibidão do Dadá” traça um perfil da lenda do surfe nacional marcada pela atitude punk e suas manobras vanguardistas; entrevistamos o diretor Raphael Erichsen.

"Morte aos parasitas!", vociferou a plenos pulmões Dadá Figueiredo, chapadão, no palco de uma importante premiação do surfe nacional, na hora de receber a sua homenagem. Eram os anos 1980, o esporte dava seus primeiros indícios de consolidação como um forte e lucrativo mercado no Brasil, e Dadá, o primeiro e único representante da atitude punk naquele cenário, sentia-se enojado com aquilo. Dadá surfava conta a corrente. Não seguia tendências nem modas, tampouco curtia o modo como a mídia e as grandes marcas se apropriavam de uma cultura que, para ele, era uma forma de resistência.

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O Dadá curtia outros sons, outras ideias, e mandava, inclusive, outras manobras, tão fora dos parâmetros que os juízes de campeonatos sequer sabiam nomear ou categorizar em suas avaliações. Radical: A Controversa Saga de Dadá Figueiredo, é um documentário que se propõe a contextualizar a importância deste que foi o maior anti-herói do nosso surfe e registrar os altos e baixos de sua vida afetiva, pessoal e profissional.

Dirigido por Raphael Erichsen, o filme teve seu lançamento original em 2014, quando conquistou os prêmios de melhor filme estrangeiro no Festival Internacional de Long Beach (Nova York) e no Mimpi (Surf Skate Film Festival – Brasil), além de ganhar menção honrosa no festival Surf At Lisbon, em Portugal. Da tela grande para a TV, sua exibição estava marcada para estrear no canal por assinatura OFF. Às vésperas da transmissão, porém, um desentendimento entre o atleta e o diretor miaram o esquema.

Daí o apelido que os fãs atribuíram ao doc.: "o proibidão do Dadá". Dadá Figueiredo é um outsider nato. Polêmico e controverso, dessa vez não seria diferente. Radical… chegou a ficar algumas semanas no ITunes e no Now, mas depois sumiu. Com a proposta do Netflix, as partes entraram em acordo e o documentário finalmente está disponível.

Dadá ficou marcado no esporte por suas performances vanguardistas, trazendo manobras do skate para as ondas. Em paralelo, viveu o autêntico roteiro de uma tragédia rockstar. Ascendeu, teve marcas, conquistou seu público, mas não escapou de afundar nas drogas e polêmicas com patrocinadores e da sobrevivência às 12 punhaladas que lhe desferiram por causa de tretas do rolê punk.

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O filme resgata a energia do estilo hardcore de Dadá, que assim como o Hosoi no skate, achou a força que precisava na religiosidade. Na entrevista abaixo, o diretor Raphael Erichsen fala mais dessas questões e da experiência em produzir o documentário.

VICE: A ideia de fazer um documentário sobre o Dadá Figueiredo foi sua?
Raphael Erichsen: Apesar de ser do Rio eu nunca surfei. Minha conexão com o Dadá foi o punk-rock. Há bastante tempo o surf e o punk criaram uma conexão muito forte. Acho que os filmes do Taylor Steele têm muito a ver com isso – ele foi um dos primeiros caras a botar sons punks nos filmes de surf, que normalmente tinham uma trilha sonora bem bunda mole. Aqui no Brasil o Dadá virou o ícone dessa fusão. O cara que ia de coturno e camiseta do Exploited à praia e mostrou que o surf podia ser radical e explosivo.

O que o motivou na história e na figura dele?
Em 2009 eu voltei a morar no Brasil e tinha acabado de fazer um filme chamado Superstonic Sound, sobre o Don Letts, ícone da da fusão entre o punk-rock e a cultura jamaicana em Londres. Eu tinha pirado com a experiência de fazer esse documentário e pensei em quem seria o personagem equivalente de se retratar no Brasil. Me apresentei ao Dadá e a coisa começou a acontecer.

O Dadá era um rebelde contra os modismos. No filme isso é posto de forma clara, pois mostra os conflitos gerados na cabeça de alguém que, de certo modo, viveu um período bancado por esse grande mercado, que é o surf competitivo…
Esse é um grande mérito dele! Ele cobrou caro de quem quis se aproximar dele para usar sua imagem. Não era fácil patrocinar o Dadá, não sei como seria hoje. Atualmente as marcas cooptam muito fácil influenciadores para o que bem entendem. O Dadá chegava no evento onde estavam todos os patrocinadores e chamava todo mundo de "parasita filha da puta", inclusive os seus patrocinadores. Ele não pegava leve ou segurava onda para não perder alguma coisa. O lance é que parece que quanto mais merda ele fazia, mais as marcas gostavam e mais lenda ele virava. E temos que pensar que naquela época o surf ainda era um mercado se consolidando. Eu era muito pequeno nos anos 80, mas não acho que seja nada comparado ao que existe hoje.

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Você teve total liberdade para conduzir a narrativa do filme?
Tive, porque é a maneira como eu trabalho, senão é muito difícil você fazer um documentário. O Dadá odeia o filme. Mas essa é a graça e não acho que isso seja um problema. Na época das gravações ele não entendia porque eu estava filmando as coisas daquele jeito. Ficava zoando com a minha cara e eu falava: "Fica tranquilo que vai funcionar."

O Dadá então realmente não é uma pessoa fácil de se trabalhar junto?
Fácil? Não! Mas também esse é o seu charme. Se você quer trabalhar com o maior ícone do surf-punk brasileiro, não dá para querer que ele seja um cara fofo, né? Mas no fundo ele é um cara muito do bem que não tem a mesma estrutura desses atletas de hoje em dia. Ele se enquadra nesse tipo Jay Adams, Duane Peters… caras que estão realmente em descompasso com a sociedade em que vivemos – e acho que é justamente por isso que esses caras são tão intrigantes.

Foto: Radical Press

O canal OFF te daria o mesmo retorno na época que uma plataforma como o Netflix pode dar para o documentário agora?
Por um lado, o OFF atinge um público bem certeiro que ia gostar de ver o filme. O que aconteceu foi um desentendimento entre mim e o Dadá às vésperas do filme estrear. Como eu falei, ninguém disse que ia ser fácil trabalhar com ele. Para mim foi muito foda. Mas no final rolou a proposta do Netflix, que fez a gente se reconciliar. E aí tem uma coisa interessante: por conta do Netflix as pessoas estão assistindo mais documentários do que nunca! Era inimaginável, quando eu comecei a fazer filmes, há mais de 10 anos, que as pessoas iam assistir, discutir e gostar tanto de documentários como hoje em dia.

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Dentro do tipo de material que você colheu para fazer o documentário, o que foi mais difícil ou valioso de conseguir?
Para mim o mais valioso são as high 8s que o Dadá me passou com imagens dele chapado, e os super 8 de quando ele era moleque, o que me deixou priorizar a história dele. Essas cenas valem o filme! Além disso, foi muito divertido ficar horas trocando ideia com aqueles ícones do surf brasileiro que eu só conhecia de ver no Realce pela TV nos anos 80.

Fale sobre a repercussão que o filme já teve até aqui e o que vem mais pela frente, prêmios, exibições…
O filme foi originalmente lançado em 2014, ganhou um monte de prêmio nos Estados Unidos, em Portugal, e no Mimpi, aqui no Brasil. Daí aconteceu a minha treta com o Dadá e o filme ficou no limbo por quase três anos. A gente chamava de "O proibidão do Dadá", porque o filme existia, mas ninguém podia ver. Até que veio a proposta do Netflix para lançar no mundo inteiro, e a gente entrou num acordo. Acho importante, inclusive para o surf brasileiro. Nos últimos anos temos dois campeões mundiais, mas é importante que o mundo saiba que já tínhamos caras fodas por aqui há muito tempo. Então agora vai ser legal o filme circular por aqui e também entender que tipo de repercussão ele pode ter lá fora.

Você acha que o Dadá tinha razão em suas tretas com o sistema?
Razão, eu não sei. Mas que ele causava em cada lugar por onde passava, não há dúvida. Atrás do Dadá sempre se cria uma lenda. Em 2011 fomos gravar com ele em El Salvador, na América Central. Rapidamente a história de que o Dadá estava no Surfcamp se espalhou. No dia seguinte estava rolando uma história de que o Dadá tinha batido em dois caras com uma pedra, algo assim, e eu tinha passado a noite do lado dele. Daí eu entendi como as lendas surgem em volta dele. As pessoas gostam de contar histórias dele. Por outro lado, muitas das histórias absurdas realmente aconteceram. O difícil é saber o que é verdade e o que é lenda.

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No que você se identifica com o Dadá?
Olha, tem a coisa do punk-rock e de eu achar essa história instigante de se contar. Tento ter um pouco de distanciamento dos temas com os quais eu trabalho, normalmente ligados a subculturas. A coisa de ser contestador do Dadá é uma atitude com a qual me identifico.

As eventuais dificuldades para fazer o filme valeram o resultado?
Acho que sim. Um projeto de tantos anos, tanto esforço de tanta gente. Um filme desse exige muita dedicação de bastante gente. Acho que, no final, esse lance do Netflix foi uma coroação para o Dadá se eternizar na história do surf brasileiro e fez com que a coisa toda valesse a pena. Quero muito que a molecada assista o filme e que ele influencie uma geração de pessoas contestadoras. É o mesmo que acho do meu outro filme que está no Netflix, o Ilegal, sobre um grupo de mães que luta para dar remédio à base de maconha para seus filhos com tipos raros de epilepsia. São filmes para provocar. Para fazer as pessoas saírem do sofá e arregaçarem as mangas.

Com que patrocínio ou apoio vocês contaram para fazer, distribuir e viabilizar o documentário?
Cara, o filme foi todo feito sem grana nenhuma, todo no esquema do-it-yourself. Eu acredito mesmo em fazer as coisas desse jeito. Acabei de lançar meu primeiro livro, Tudo Errado, da mesma maneira, através do Catarse. A distribuição também é feita pela minha produtora, assim como meus outros filmes. Desse jeito consigo fazer com que os projetos saiam do papel de maneira independente e com total controle.

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Anúncio da Anti-Fashion.

Material de divulgação da Anti-Fashion.

Clique de uma foto sem crédito que o Dadá tem em casa.

Arte no vegetal para tela da Anti-Fashion, marca do Dadá nas antigas.

Arte para outra marca do Dadá, a Necrose Social, feita pelo Etê um tempo atrás. O Dadá agora estampa isso em tudo quanto é lugar.

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