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arte

Os artistas também podem ser capitalistas

E pensadores e essas cenas do género.

Pedro Bastos tinha um sonho, mas não tinha espaço. Esse sonho era pintar umas grandes telas com dois por três metros, feitas de chapa. O meu encontro com o Pedro teve lugar em 2012. Mas podia ter sido nos anos 70. Ou 60. Ou nos anos 20, ou 30. Em frente camarada, que a arte transforma o mundo!

Este é o Pedro Bastos, em Fevereiro. MATA-TE, Ó PORCO CHAUVINISTA
Isto é uma instalação artística que ganhou vida num armazém devoluto de Guimarães. Chama-se "Capitalists, Hang Yourselves".A ideia inicial do Pedro era ter um espaço, um ateliê, para pintar: arrumar tudo direitinho, com as condições mínimas para poder entrar em “modo criativo”, trabalhar com o lixo do espaço e construir a exposição a partir daí. Mas, qual artista maldito, começou a perceber que as madeiras estavam podres, as chapas não serviam e as telhas não encaixavam no objectivo inicial e que, portanto, tinha um problema do caraças. Quando percebeu isso já tinha mudado de ideias e optado por incorporar o espaço no próprio trabalho. Já não o queria “arrumar”, até porque aquela porcaria ia dar muito trabalho e porque, afinal, aquelas duas traves— que inicialmente eram entraves — que tinha à porta do armazém e tanto lhe custavam saltar, em poucas semanas se tornaram numa “coisa para meninos” e até o puseram em boa forma. Isto parece uma metáfora poética, mas não é. Foi mesmo assim. Limpou apenas área suficiente para pousar os seus quadros e não quis alterar mais nada. Tal como um capitalista faz nas suas fábricas: chegou, criou, produziu e abusou. Cobriu-o de branco, para lhe dar um ar lavadinho, adornou com dois belos néon, mas deixou a merda por baixo a apodrecer.Esta é a instalação. E tudo aquilo que era para ser apenas um ateliê, onde esteve em residência de Fevereiro até Outubro, acabou por ser um símbolo da falência do vale do Ave. Isto já foi um armazém. OS PORTUGUESES TRABALHAM
E depois há a outra parte do trabalho. Umas telas imensas, penduradas nas paredes de uma sala do CAAA, com o título “les portugais sont travailleurs”. Os quadros são outra história e, apesar do título, não têm a ver com os emigrantes, nem com bidonville franceses dos anos 60. O título recorda apenas que os emigrantes portugueses são trabalhadores, que é como quem diz “escravos”. Não tem nada a ver directamente com o trabalho: é apenas para mencionar, para recordar, voltando ao triste presente em que até o nosso primeiro-ministro — do alto da sua mansão em São Bento — nos manda pegar na mala de cartão (ou na Samsonite, que nos deixou assim), qual Linda de Suza, em busca de melhor vida. (Vai tu, ó palhaço, que eu não consigo viver sem rojões e bacalhau à Gomes de Sá.) É uma homenagem, mas não é sobre eles (os emigrantes). Porque mencionar já é incorporar — como dizia Roland Barthes sobre o trabalho de Cy Twombly — e, como anda tudo a emigrar e anda… Dois por três metros de chapa. Ulalá! RECEITA PARA ESTA INSTALAÇÃO Matéria-prima morta
50  quilogramas de chapa zincada retirada de edifícios e armazéns abandonados;
200 rebites;
500 litros de tinta fora do prazo, cedida gentilmente por alguém;
78 metros de tubo de aço. Consumíveis
Água
Trinchas
Baldes Ferramentas
Berbequim
Rebarbadora
Martelo
Foice
Pá! Ok. Já percebemos que o trabalho do Pedro Bastos não se separa do contexto social e político actual. E isso entendi, mal ele chegou para a entrevista, no seu Volvo cor de vinho de 84 (nesse ano nascia a Amy Winehouse; dois anos depois Portugal casava com a UE e, cinco depois, caía o Muro), que tem escrito de lado: Este carro é um asilo político. “Não consigo trabalhar sem absorver o que se passa à minha volta”, diz ele ironicamente de copo de champanhe de mão e charuto no canto da boca. O gajo é um artista à moda antiga. Nada de artistagens modernas de ar lavadinho e barba feita, que bebe chás esotéricos e que quer passar conceitos marados, que ninguém entende. Os seus conceitos são estas cenas que se andam aí a passar e que andam a lixar mais de meio mundo. É barbudo e cabeludo e tem o ar de quem vestiu a primeira coisa que lhe apareceu à mão (ainda que eu tenha sérias dúvidas disso), anda com livros de pensadores de esquerda debaixo do braço e de certeza que bebe macieiras ao pequeno-almoço. É capaz também de comer criancinhas. E tem um trabalho declaradamente político. E, quando lhe pergunto sobre o que fica para Guimarães depois da Capital da Cultura 2012, ele responde: “Uma cidade três vezes melhor. Três não, dez! Olha para a Capela Sistina. Ainda há gente a olhar para o seu tecto centenas de anos depois de ser pintada.” Pedro Fumando: o artista, nove meses depois.

Fotografias por Ricardo Freitas, Paulo Pinto, Paulo Pinto e João Octávio