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Música

Como o 'Artificial Intelligence' Levou a Warp Adiante

Esse presente da década de 90 tirou a música eletrônica das pistas de dança e a colocou para reinar em noites tranquilas.

"Isso soa como música para um nascimento" disse minha irmã, com as sobrancelhas levantadas, ao ouvir a tênue ambiência que vinha do rádio do meu carro, mesmo quando glitches controlados retumbavam. A faixa era "Fill 3", do Speedy J, a penúltima da compilação

Artificial Intelligence

, da

Warp

, de 1992. Ela tinha um ponto – especialmente quando entram os efeitos sonoros de gaivotas e praia de ficção científica em "Loving You Live", de Dr. Alex Patterson. Era o início dos anos 90. Sim, a era das raves, mas também a era das influências do chill-out e da New Age, um tempo em que a música de festa foi transformada de enérgica para meditativa. O verso da caixinha do CD confirma isso: "música eletrônica para se ouvir em longas jornadas, noites tranquilas e alvoreceres sonolentos em clubes".

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O Artificial Intelligence foi o sexto lançamento no formato álbum da Warp Records e a terceira compilação, sucedendo Pioneers of the Hypnotic Groove, de 1991, e Evolution of the Groove, do início de 1992. Só que o Artificial Intelligence pegou de uma forma que nenhuma das compilações Groove havia feito, e vale perguntar isso. Tem a ver com a forma com que foi apresentado ao público comprador de discos, começando pela capa: uma representação em CG, feita por Phil Wolstenholme, de uma forma de vida robótica relaxando em um sofá enquanto a música toca, com álbuns de Kraftwerk e Pink Floyd jogados no chão. A capa flertava com o estilo futurista que a música eletrônica apresentava a certo público desconfiado, enquanto capturava também o ato ritualístico de se ouvir aquele tipo de som – colocando no ato de ouvir uma importância maior do que o ato de dançar. A arte de Wolstenholme prometia a existência de algo familiar no mundo futurístico, algo humano.

Mesmo na fase inicial de existência do selo, baseado em Sheffield, a Warp estava pensando fora da caixa como um selo eletrônico. O boom da acid house havia estimulado muitos a fazer lançamentos isolados de 12 polegadas, mas a Warp queria seguir o caminho da construção de tipos sólidos de carreira, mais associados com os artistas de rock. A primeira onda do selo trouxe discos de estreia de LFO e Nightmares On Wax, ambos artistas que gravam e excursionam até hoje. Depois que se estabeleceu e a sua abordagem de carreira em arco foi copiada por outros, a Warp continuou a buscar formas de se ir além.

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Um dos fundadores, Steve Beckett, lembrou uma de suas experiências ao Red Bull Music Academy, em 2007: "Achava interessante voltarmos dos clubes às 4h ou 5h e as pessoas tocarem faixas feitas por elas mesmas e que não eram para a pista de dança". Logo, uma coleção dessas músicas caseiras estava a caminho, conduzindo a segunda onda de lançamentos do selo. Ao falar com a revista Jockey Slut em 1999, Sean Booth, do Autechre, afirmou que teve sua "cabeça feita pela Warp pela primeira vez".

Porém, o Artificial Intelligence não foi um lançamento sem precedentes, já que as sementes da "música eletrônica para ouvir" tinham sido lançadas com a ascensão do ambient e do chill-out. A coisa remonta à curta residência de Paul Oakenfold na Land of Oz, em 1989. Realizada na casa noturna Heaven, em Londres, a festa era um esquema de house com uma área VIP para chill-out que abrigou os hoje lendários sets do The Orb. O status de área VIP fez com que a audiência se mantivesse em números baixos, e ajudou a espalhar a lenda que estava se formando sobre suas performances, onde tudo podia acontecer. Seus pares no KLF lançaram o álbum Chill Out no ano seguinte, e o disco foi enviado para os críticos com um manifesto sobre a "ambient house", que  defendia que o ambient era "o primeiro grande movimento musical dos anos 90". Enquanto isso, salas de chill-out estavam lenta mas seguramente se espalhando pelo Reino Unido. Junto a esse movimento, os clubbers estavam se acostumando com a sobreposição de gêneros devido à vibe inclusiva da rave.

Apesar de o The Orb ter sido influente com seus sets em Londres, eles ainda eram um grupo de Sheffield. Tudo isso concorreu para mostrar que havia algo importante sendo feito na cidade, algo que atrairia a intelligentsia de Londres. Vem então o Artificial Intelligence, com seu estilo pós-festa, ajudando a legitimar os esforços do chill-out e do ambient na Europa. David Toop escreveu em seu livro Ocean of Sound sobre o "verão do ambient" de 1993, captando uma disseminação internacional a partir das populares festas da Telepathic Fish em Londres (com sets do graduado no Artificial Intelligence The Dice Man, também conhecido como Aphex Twin), e do Ambient Weekend, que tomou de assalto a casa Melkweg em Amsterdã.

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O que é mais interessante sobre a compilação é o fato de ela soar como música de rave. O tipo de coisa com as qual os clubes poderiam facilmente encher um andar. Para além dos estudos borbulhantes com mudança de tempo de Autechre e Aphex Twin, peças do I.A.O. e do Up! (aka Ritchie Hawtin) ainda funcionavam como dance music, com trechos de deep house melancólica e de techno. Nesse sentido, a compilação funciona como uma influência crucial para o público da eletrônica. A apresentação seduz você, mas o conteúdo na verdade entrega algo diferente. Ao invés de soar como uma tentativa de golpe do selo, o Artificial Intelligence é, na verdade, um treino de perspectiva.

Sob a bandeira da "música eletrônica para ouvir", ela conforta o ouvinte e permite que ele olhe a dance music por outro espectro, para que então confronte os seus conceitos sobre club music e gaste um tempo com isso. O foco da Warp de apostar em artistas para além dos lançamentos isolados de 12 polegadas veio a calhar aqui, à medida que o formato de álbum inspira o ouvinte mais a uma abordagem mais calculada e menos a uma leitura imediatista. A compilação é um exercício de re-treinamento do ouvido. Ela funciona como música, mas também como crítica musical.

Talvez a música do Artificial Intelligence soe dessa forma porque nós vivemos em um universo pós-A.I., onde o DNA do chill-out e do ambient se adaptaram às texturas da moderna música eletrônica. As fronteiras de gênero se delinearam novamente (assim como a inclusão da cena rave mencionada acima), de modo que estilos tão díspares quanto jungle, hardcore e techno ocuparam o mesmo espaço. Hoje em dia, a internet permitiu que as diretrizes de gênero se fundissem todas no mesmo caldeirão, em grande parte fazendo com que exercícios críticos como esta compilação sejam menos necessários. Uma outra edição da série Artificial Intelligence foi lançada em 1994, mas o choque de novidade tinha enfraquecido.

Beckett foi firme sobre não continuar minando as glórias do passado, e a série foi encerrada."Eu não queria acabar fazendo um Now That's What I Call Artificial Intelligence", ele disse ao Guardian em 2009. A fluidez do Artificial Intelligence no tocante a gêneros foi aplicada ao selo no seu próximo estágio de lançamentos, quando eles se abriram para artistas como Broadcast e Seefeel. O Artificial Intelligence mudou a Warp e a forma com que muitos encaravam a música eletrônica, causando ondas de choque que ainda se movem nos dias de hoje. Ele introduziu muita coisa no mundo musical. Você pode chamar isso de música nascente, e você não estará errado.

Tradução: Stan Molina 

Você pode seguir o Daniel Montesinos-Donaghy no Twitter aqui: @danielmondon Leia mais sobre os 25 anos da Warp:

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