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Extremistas Assassinaram o Policial Antiterror Mais Importante de Karachi

Desde sua morte, Chaudhry Aslam vem sendo saudado como um herói e um policial excepcional. Mas o fato é que seu principal sucesso veio das execuções extrajudiciais de muitos dos militantes que ele capturava.

Chaudhry Aslam, numa entrevista coletiva em janeiro de 2013. (Foto: ppiimagens/Demotix)

No dia 9 de janeiro, a polícia invadiu o bairro de Manghopir em Karachi, Paquistão. A área é um conhecido esconderijo talibã e os policiais estavam ali procurando por extremistas suspeitos. Depois de um tiroteio, três homens foram levados para o hospital, onde foram declarados mortos assim que chegaram.

A operação era similar a centenas de outras coordenadas por Chaudhry Aslam, frequentemente chamado de o policial mais durão do Paquistão. Mas essa seria sua última. Aslam foi morto horas depois, quando um carro lotado com quase 200 quilos de explosivos se chocou com seu comboio, explodindo seu veículo blindado, destruindo prédios próximos e matando Aslam e mais dois agentes. O Tehreek-e-Taliban Pakistan (TTP) reivindicou a autoria do ataque.

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“Aslam estava envolvido na morte de prisioneiros talibãs nas celas de Karachi e estava no topo da nossa lista de ataques”, disse um porta-voz do TTP.

Desde sua morte, Aslam vem sendo elogiado como um “caçador de talibãs”, um policial corajoso e engenhoso que agiu contra os terroristas quando ninguém mais o faria. Mas seus métodos eram controversos – particularmente sua reputação por execuções extrajudiciais. Esses chamados “encontros falsos”, em que a polícia encena um ataque de seus alvos para poder matá-los e contornar o sistema judiciário, alegando autodefesa, é uma prática popular no Sul da Ásia e Aslam foi acusado várias vezes de encorajar ou tolerar o método.

“Seu legado é uma reflexão sobre os desafios de manter a lei no Paquistão”, disse Huma Yusuf, membro do Woodrow Wilson Centre of Scholars. “Ele vem sendo saudado como um herói e um policial excepcional. Mas o fato é que seu principal sucesso veio das execuções extrajudiciais de muitos dos militantes que ele capturava. Isso levanta questões sobre por que ele foi forçado a recorrer a essas táticas. É um indício da defasagem da polícia antiterror no Paquistão e seu sistema judiciário fraco e corrupto.”

O rescaldo do ataque ao comboio de Aslam. (Foto: ppiimages/Demotix)

Aslam já tinha sido alvo de mais de dez tentativas de assassinato desde que entrou para a polícia em 1987. Antes de se tornar o chefe das operações contraterroristas de Karachi, em 2010, ele tinha se concentrado nas infames máfias e gangues criminosas da cidade, e estava envolvido na sangrenta operação da polícia e do exército paquistaneses que colocou Karachi sob controle nos anos 1990, quando a cidade era consumida por batalhas de rua entre diferentes grupos étnicos.

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“Ele era a razão para eu ter me juntado à força, ele representava a habilidade da polícia de fazer o bem, de ajudar os indefesos”, escreveu Omar Shahid Hamid, ex-policial e amigo de Aslam, para o jornal Express Tribune.

Nos últimos anos, Aslam se tornou particularmente conhecido por sua perseguição implacável aos extremistas. Só o TTP já tinha tentado assassiná-lo pelo menos três vezes; em 2011, o grupo detonou uma bomba do lado de fora da casa do policial em Karachi. Ele escapou ileso, ajudando depois na limpeza dos escombros e no resgate dos feridos. “Vou enterrar os responsáveis por isso bem aqui”, disse ele às câmeras de TV imediatamente depois da explosão, apontando para a enorme cratera formada pela bomba. “Eu não sabia que os terroristas eram tão covardes. Por que eles não me atacam abertamente?”

Num país onde muitos políticos e figuras públicas têm medo de falar contra o Talibã e outros grupos extremistas, a atitude desafiadora de Aslam lhe rendeu o status de herói popular. Quando o conheci, em dezembro de 2012, ele estava vestido, como sempre, num salwar kameez (a vestimenta nacional do Paquistão) branco e usava um relógio chamativo. Ele fumava um cigarro atrás do outro e carregava uma pistola Glock. “Minha religião me diz que todo mundo tem que morrer no final”, ele me disse. “Então, não temo nada, já vi muita coisa para ter medo.”

Filmagem sobre a explosão do lado de fora da casa de Aslam em 2011.

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Karachi é uma cidade em expansão com uma população de mais de 20 milhões de pessoas, assolada por violência política e étnica, e com gangues criminosas tentando tomar o controle entre a ameaça do extremismo islâmico. Parcialmente atraídos a Karachi por essa anarquia, extremistas como o Talibã montaram bases na cidade. E lidando com essa rede complexa e perigosa de crime, a força policial conta com apenas 40 mil oficiais, o que – dadas as circunstâncias – está longe de ser suficiente. Londres, por exemplo, tem cinco vezes mais policiais por habitante.

Aslam, no entanto, era uma força psicológica importante, mobilizando a polícia da cidade contra as probabilidades. “Ele era uma inspiração que sintetizava coragem e serviço público”, disse-me outro policial de Karachi, que preferiu se manter anônimo. “Não seremos intimidados. Vamos lutar com ainda mais força contra os terroristas para honrar a memória dele.”

Ainda assim, nas muitas homenagens a Aslam, há uma nota inconfundível de medo; se alguém tão destemido, direto e aparentemente indestrutível pode ser morto, ninguém está seguro. Matar o chefe das operações contraterroristas na maior cidade do Paquistão – particularmente esse, que era simbolicamente importante na luta contra o terror – é, sem dúvida, um golpe publicitário para o TTP.

Ainda veremos qual será o impacto da morte de Aslam em Karachi. Sucessivos governos paquistaneses, a comunidade de inteligência e a polícia ainda precisam formar uma política coerente antiterror; o submundo criminoso da cidade tem ligações profundas com políticos poderosos, e as forças da lei da nação continuam cronicamente subfinanciadas e com escassez de pessoal. Se Aslam deve ter um legado duradouro, isso não deve ser um “Armagedom de mártires”, mas um exame dos fatores que levaram à sua ascensão e à sua morte.

Siga a Samira no Twitter: @samirashackle