FYI.

This story is over 5 years old.

Outros

Os Homens de Hoje em Dia Tão Tudo Gay

Meu pai ficou muito mais chocado quando eu disse que ainda curtia mulheres do quando eu contei que era gay. “Quando eu me acostumo a ter um filho viado, você vai e inventa de querer voltar a sair com mulheres. Vá ser indeciso assim no inferno.”

A Jane faz a limpeza semanal aqui em casa e costuma chegar cedo, quase sempre me acordando quando começa a falar no celular com suas amigas antes mesmo de ligar o aspirador de pó. Confesso que fico confuso por ela falar usando um fone de ouvido, pois nunca sei quando ela está conversando comigo, cantando uma música ou realmente falando no celular. Em um dos dias em que acordei atrasado para o trabalho, fui despertado pela frase: “Os homens de hoje em dia tão tudo gay”. Eu me espreguicei, levantei da cama e desci as escadas enquanto ela desligava o telefone sem graça: — Te acordei de novo, né seu Felippe? Desculpa o comentário sobre gay, o senhor sabe que não tenho nada contra, já te vi aqui acordando com homem, com mulher e cada um cuida da sua vida…
— Oi Jane, bom dia. Não me acordou não, eu já estava acordado. E pare de me chamar de Seu ou de senhor, eu sou mais novo do que você. Mas por que os homens de hoje em dia estão gays?
— Ah, nem te conto! A minha prima casada pegou o marido dela na cama com outro homem, foi uma confusão danada, ela quase deu um tiro nele, só não deu porque não tem arma. Os vizinhos tiveram que segurar ela pelos cabelos, mas depois que souberam do motivo, quase lincharam o marido e o amante viado. Aí eu tava aqui contando isso para uma amiga e acabei falando que os homens de hoje em dia tão tudo gay, antigamente não era assim não, você sabia exatamente quem era homem e quem era viado. Mas como eu disse, eu não tenho preconceito nenhum, mas Deus me livre me envolver com um homem viado, ele vai ficar me enganando e eu vou ser a última a saber… Eu poderia escrever mais umas doze linhas sobre o discurso e a teoria da Jane sobre a “viadeza” dos homens atuais, mas prefiro contar um pouco sobre minha vida, então, se você tiver algo melhor para fazer, pare de ler por aqui. Eu estava no colegial quando engravidei uma ex-namorada. Juntos, nós decidimos ter o filho, mas ela sofreu um aborto espontâneo. Isso, a cada ano, me faz pensar com qual idade meu filho estaria. Eu penso nisso sem culpa ou tristeza, é somente um episódio que faria parte da minha vida caso eu fosse o personagem principal de um filme. Mas, às vezes, no meu filme, eu posso ignorar o roteiro que a vida e sociedade nos preparam e passar a improvisar da maneira que eu quiser.

Publicidade

A primeira vez que transei com um homem foi aos 21 anos, um pouco tarde para a maioria dos gays, mas foi o primeiro cara que me fez sentir tesão a ponto de ter coragem de ir para a cama com ele. A partir daquele momento, tive a certeza de que eu era uma bicha, mas o fato de ter transado posteriormente com mulheres me deixava confuso. O que eu era, afinal? A sociedade rotula esta “categoria“ como bissexual, mas eu prefiro usar aquela frase meio riponga “Ah, eu gosto de pessoas, energias e blá blá blá”, só para fazer uma cena bem clichê. E recebo comentários de chacota tanto de meus amigos gays quanto dos héteros e ambos alegam que faço isso para “pagar de moderno” ou que eu “passo o rodo” em todo mundo. Se eu dissesse que sou travesti, talvez eles achariam menos pitoresco. E, sinceramente, eu aprecio o inusitado. Se eu fosse hétero, sairia com homens, e, se fosse gay, sairia com mulheres; gosto de provocar e minha sexualidade responde bem a isso.

Durante a faculdade, desenvolvi um fetiche que ia além da comunicação social: transar com os caras “héteros” e que afirmavam isso aos quatro ventos, mas que acabavam de quatro na minha cama. As cervejadas, churras (sim, a gente chamava de churras), festas e até algumas tardes de estudo ou bate-papo no bar renderam boas transas, pelo menos para mim. O pouco que sei sobre eles agora é que a maioria está casado e com filhos. E não acredito que eles sejam gays, apenas acho que se permitiram provar o que muitos também fazem, mas pouquíssimos comentam abertamente. Inclusive, grande parte das minhas amigas héteros-convictas já admitiram terem tido algum tipo de relação sexual com mulheres, mas nenhuma se considera lésbica por causa disso.

Publicidade

“Mulher pode ser bi, mas homem não. Se um cara experimentar sexo com outro homem, ele irá gostar tanto que não voltará atrás.” É a frase da Ana Paula, uma garota que me passou uma cantada num bar e, depois de uns drinks e eu ter falado que era bi, saiu correndo. Por essas e outras, quando alguém me pergunta se eu sou gay, bi ou heterossexual, eu respondo: “Você faz pesquisa para o CENSO ou está tentando me levar para a cama?”.

Voltando a frase “hoje em dia os homens tão tudo gay”, seria óbvio demais citar que os gregos e romanos aceitavam tranquilamente a bissexualidade; naquele tempo, isso nem era tabu. Mas sei lá, né! Eu só li isso no Google ou em alguns livros de história que as escolas nunca me deixariam ler. Vai saber se isso é verdade. Meu pai, por exemplo, ficou muito mais chocado quando eu disse que ainda curtia mulheres do quando eu contei que era gay. “Quando eu me acostumo a ter um filho viado, você vai e inventa de querer voltar a sair com mulheres! Ah, vá ser indeciso assim no inferno!”

Indeciso? Nem um pouco, tenho total certeza do que eu gosto… Hoje. Amanhã, ou depois, posso me tornar assexuado, tarado só por mulheres ou ser apenas gay.

Em minha recente viagem de Ano Novo, fui para São Miguel dos Milagres, uma praia de Alagoas. Lá, em uma festa na beira do mar, conheci um casal do Rio de Janeiro que também estava passando as férias pela região. Ela, 20 e poucos anos, ele, mais de 30. O calor, a música alta, drinks, os pés na areia, poucas roupas (sungas, cangas, shorts e biquínis), além do ecstasy, eram um convite para explorarmos nossa sexualidade. Ficamos nos olhando mutuamente, sorrindo com as bocas e os olhos, nos aproximamos e começamos uma conversa como se já nos conhecêssemos.

Publicidade

Ficamos dançando com os corpos grudados por vários minutos ou horas, não sei direito. Ela tirou um saquinho transparente cheio de pequenos cristais transparentes de dentro do biquíni, molhou o dedo na minha boca e depois colocou dentro do saquinho novamente. Eu e ele ficamos fazendo o mesmo e rindo do gosto amargo em nossas bocas. Sim, MD é amargo pra caralho e isso nos fazia beber mais para neutralizar seu sabor.

As pessoas à nossa volta não pareciam se importar, aliás, havia todo tipo de casal ao nosso redor, inclusive, pessoas sozinhas se curtindo ao máximo. Eu não lembro como a festa terminou, mas fomos parar no quarto da casa alugada pelo casal e lá nós transamos boa parte da noite. Depois, com o dia amanhecendo, tomamos banho juntos e engoli um café da manhã improvisado com frutas e cerveja. Antes de fumar meu último cigarro ao me despedir, perguntei se a minha memória estava certa:

— Vocês tiraram fotos da gente transando?

— Sim, algumas — respondeu ele —, mas fique tranquilo, elas são apenas para nosso arquivo pessoal, a gente não vai divulgar em nenhum site ou chat de putaria.

Naquele momento, nem fiquei preocupado com isso, estava mais interessado em conseguir voltar para a casa em que estava hospedado com meus amigos.

Agora, já de volta a São Paulo, reencontrei um rascunho de uma matéria que eu havia feito recentemente com o cantor Ney Matogrosso no Festival Internacional de Cinema de 2013, mas que não chegou a ser publicada. Ele, que estrelou como ator em um dos curtas-metragens da programação de filmes, topou me conceder uma entrevista e uma de suas frases anotadas em meu caderninho foi: “Amor e sexualidade a gente não entende. A gente simplesmente sente!”.

Fiz o clique da foto acima e pensei que seria fantástico poder divulgar essa mensagem. Só não sabia que ela viria parar aqui.