Ricardo Beliel, o Professor
Ricardo Beliel

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Fotos

Ricardo Beliel, o Professor

Uma aula de fotografia e jornalismo com Ricardo Beliel.

Morro dos Prazeres, Rio de Janeiro. Foto: Ricardo Beliel

A conversa que tive com o carioca Ricardo Beliel foi uma aula completa de fotografia e jornalismo. Aos 61 anos, o fotojornalista estreou recentemente mais uma exposição em sua cidade natal. "Eu nunca vivi projetando um futuro; ao viver o presente, eu construí um passado. Eu olho pra trás e vejo que construí uma vida rica e intensa. Eu vivi, no jornalismo, muitas situações de risco de vida. Muitas vezes, pensei: 'Passei por uma, passei por outra, será que passo da próxima?'. O jornalismo foi um álibi para viver na intensidade que eu queria." Com uma voz calma, que me lembrou da calma que suas fotos transmitem, Ricardo me contou essa história.

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Baby Consuelo. Foto:Ricardo Beliel

Filho de jornalista, porém muito mais interessado no movimento de contracultura, aos 16 passou a frequentar, como ouvinte, a Escola de Belas Artes, a Escola Superior de Desenho Industrial e o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, "o Triângulo das Bermudas das manifestações estudantis do Rio", diz. Além das faculdades, o Museu de Arte Moderna era um lugar em que não era difícil trombar com ele.

Caetano Veloso. Foto: Ricardo Beliel

"Eu, como todo jovem que começa a fotografar, não tinha um vínculo com coisa alguma. Tinha uma vida errante, viajava muito. Comecei a ganhar algum dinheiro, não muito, fotografando os artistas com que eu tinha contato ou convivia." Um rolê com Gilberto Gil, Baby ou um retrato para divulgar um show do Caetano Veloso eram os frilas do garoto nos anos 60.

Índios Mapuche, Chile. Foto: Ricardo Beliel

Assim que a ditadura militar arrebenta com o ambiente estudantil e vários de seus amigos e professores são presos no Rio de Janeiro, uma fuga sabática para a Argentina foi arranjada. Chegando lá, um pré-golpe esperava nas ruas.

"Trabalhei na colheita de uva à beira da Cordilheira dos Andes, conheci muitos chilenos que tinham atravessado a montanha antes ou logo depois do golpe e viviam clandestinos na Argentina. Eles não tinham contato com seus parentes; então, eu me ofereci para ir ao Chile contactar as familias deles. Fui pra lá com os endereços memorizados, pois eu não podia ter nada escrito. Estava em um processo de descoberta da vida e do meu espaço no mundo. Ainda era principiante na fotografia. Fotografar artistas era muito legal, mas não me exigia muita coragem."

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Baile de travestis no Cine São José, carnaval carioca dos anos 70. Foto: Ricardo Beliel

De volta ao Brasil e completamente envolvido com as experiências vividas no Chile, ele somou a isso o conhecimento em artes visuais: assim, o fotojornalismo entra de vez nas ideias. "Tudo convergia para o fotojornalismo, onde eu podia me expressar esteticamente e politicamente." Uma forcinha do pai, que era um jornalista influente, colocou o jovem de cabelos compridos e cavanhaque como novo fotógrafo do jornal O Globo.

"Naquela época, 76, não havia sistema de estágio; então, as redações não tinham pessoas jovens, a maioria das pessoas tinha mais de 30 anos. Eu era tipo um mascote da redação, cabeludo. Todos andavam de terno e gravata."

Crianças com bateias nas cabeças, Serra Pelada. Foto: Ricardo Beliel

Nessa época, o Nelson Rodrigues trabalhava no jornal. Ao sair de O Globoe ir para a revista Manchete, ele trombou com Clarice Lispector, Rubem Braga, João Saldanha e mais um monte de escritores e intelectuais.

"Quando ouço críticas aos meios de comunicação, eu concordo, mas faço uma diferença: antes, era diferente o ser jornalista do jornalismo. O jornalismo das grandes empresas sempre foi o jornalismo do sistema, sempre fizeram o jogo, pois têm interesses, contas publicitárias. Mas os jornalistas tinham um sentimento de utilidade pública, o jornalista tinha esse compromisso social. Os jornalistas foram muito importantes no processo de redemocratização do Brasil; não digo os jornais e as revistas, esses estavam comprometidos. Vejo uma grande esperança na internet: grupos novos de pessoas, de jornalistas, fazendo coisas fora da grande mídia, infelizmente ainda com pouco apoio financeiro e com dificuldade de sobrevivência. Mas a grande mídia sempre foi escrota, né?"

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Supostos guerrilheiros presos durante um ataque a uma base do Exército Brasileiro na fronteira com a Colômbia, Rio Traíra, 1990. Foto: Ricardo Beliel

Ricardo se aproveitou do que a revista podia oferecer e construiu uma documentação única de questões nacionais e internacionais. Na época, os meios impressos ainda eram uma grande fonte de informação - as grandes reportagens que hoje são produzidas para a televisão eram feitas em fotografia.

Em 1990, guerrilheiros colombianos das FARCs atacaram um posto do Exército Brasileiro às margens do Rio Traíra. Quatro soldados brasileiros morreram e vários ficaram feridos. No Rio de Janeiro, um fax com uma autorização do então Ministro da Guerra foi desenrolado, e Beliel partiu em uma jornada enorme (que envolveu uma negociação cinematográfica com um comandante das Forças Armadas à beira da pista de pouso) para conseguir transporte até o local do ataque e a uma prisão no porão do Forte Apache brasileiro.

"Assim que ele nos colocou lá (no porão), começou um tiroteio; depois disso, ouvimos muitos gritos de tortura, gritos de pavor e tiros, muitos tiros próximos da gente. No outro dia, o major nos tirou de lá e disse que iríamos voltar, pois ali era uma área de muito risco.

"Ouvimos pela manhã que eles tinham prendido alguns guerrilheiros. Como ouvimos aqueles gritos, eu usei uma malícia com ele. Falei: 'Vocês foram atacados por guerrilheiros internacionais em uma fronteira, vocês prenderam alguns deles, e o Congresso está para votar o orçamento que vai melhorar a vida de vocês; se vocês me impedirem de documentar isso, vai ser um suicídio'."

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O major então determinou que um soldado levasse o fotógrafo aos "guerrilheiros".

Garimpeiros torturados. Foto: Ricardo Beliel

"Eles não eram guerrilheiros, eles eram garimpeiros. Os soldados com ímpeto de vingança entraram na floresta e os pegaram, e eu tenho certeza de que, se eu não tivesse fotografado, eles seriam mortos."

Essas fotos renderam uma grande discussão social na época e o prêmio Interpress Photo da Organização Internacional de Jornalistas.

Expedição de contato com índios isolados da tribo Korubo no Amazonas, 1996. Foto: Ricardo Beliel

Em 1996, ele acompanhou a expedição do sertanista Sydney Possuelo, que contatou pela primeira vez os índios Korubo no Amazonas; além disso, documentou a Serra Pelada, a construção da Transamazônica e diversas manifestações culturais.

Serra Pelada. Foto: Ricardo Beliel

Trabalho escravo na construção da Transamazônica. Foto: Ricardo Beliel

Piaçabuçú Alagoas. Foto: Ricardo Beliel

O fotógrafo pendurou as chuteiras nas Jornadas de Junho de 2013. Na linha de frente, debaixo de muita bala de borracha, gás lacrimogênio e fogo.

Passe Livre, Rio de Janeiro, 2013. Foto: Ricardo Beliel

Por fim, faço uma pergunta quase pessoal ao Ricardo: o que você acha do fotojornalismo brasileiro em 2015 e o que você diria para um jovem fotojornalista no começo da carreira?

"É um conselho difícil; se eu fosse ser sincero, eu ia dizer para não ser (fotojornalista), mas tem coisas que estão no nosso sangue. E, se é inevitável, é importante criar consciência da sua importância como indivíduo e do seu trabalho autoral, saber que você não é um parafuso na engrenagem. Fale através de seu trabalho.

"No Brasil, sempre existiram grandes fotojornalistas, e hoje tem um geração nova que admiro muito, principalmente em São Paulo. Trabalhos maravilhosos. Agora, por exemplo, nas manifestações de 2013, vi trabalhos fabulosos de pessoas que eu não conhecia. Vejo que há uma renovação com uma qualidade e um vigor maravilhosos, mas não vejo no Brasil espaço para receber, abrigar e difundir o trabalho dessas pessoas.

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"Na grande mídia, não vejo nada que me toque. A mídia é passiva diante dos interesses empresariais. Hoje, existem muito mais jornalistas trabalhando com assessoria de imprensa do que em jornal.

O que vira notícia hoje são planos criados em assessorias de imprensa de empresas, partidos políticos, gravadoras de disco, de pseudo-celebridades."

Moradora de Santa Teresa, Rio de Janeiro. foto: Ricardo Beliel

A exposição Janelas Abertas do outro lado do tempo rola na Casa Amarela, que fica na Rua Hermenegildo de Barros, 163 , Santa Teresa , Rio de Janeiro. Tel.: 2558-7538.
Horário de funcionamento: 14 às 20 horas. Até 12 de julho de 2015.

E, se o Rio de Janeiro ficou longe pra ti, saca só mais algumas fotos:

Xingu. Foto: Ricardo Beliel

Crianças em Angola brincando com uma bicicleta com as rodas feitas de minas desativadas. Foto: Ricardo Beliel

Guerra civil em Angola. Foto: Ricardo Beliel

Índia Arara alimentando papagaio. Foto: Ricardo Beliel

Pelé. Foto: Ricardo Beliel

Xingu. Foto: Ricardo Beliel

Los Angeles. Foto: Ricardo Beliel

Peru. Foto: Ricardo Beliel