Nas ocupas do RS, estudantes relatam agressões, ameaças e infiltração da PM

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Educação Ocupada

Nas ocupas do RS, estudantes relatam agressões, ameaças e infiltração da PM

"As mobilizações estudantis não serão tratadas como caso de polícia, e sim como uma pauta da área da Educação", afirma a Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul.

Na terça-feira, 31 de maio, A. tinha passado um tempo na ocupação de sua escola, no bairro Cristo Redentor, em Porto Alegre, e estava em casa. Era final da tarde, os pais dela preocupados com coisas-que-pais-se-preocupam-quando-filhos-participam-de-ocupações combinaram que ela estivesse em casa depois de certo horário. Perto das 16h, a estudante de 15 anos foi chamada em frente à casa por três homens que nunca tinha visto antes. Segundo ela, eles teriam entre 20 e 35 anos e sabiam seu nome. Os três estranhos queriam apenas entregar um recado: "É melhor parar com essa coisa de ocupação porque tu nunca sabe quem tu pode encontrar na rua".

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A estudante — que mora a cerca de 4km de distância da escola — estava sozinha em casa. Assim que eles entraram no carro, ela correu para dentro. A. decidiu não contar para os pais o que aconteceu. "Me assustou, mas pensei o que eu vou fazer? Não anotei placa, nem nada na hora. Seria mais um motivo para eles [os pais] me proibirem de ir para a ocupação", diz ela. Assim, ela também não registrou ocorrência do fato.

No início da semana passada, episódios de agressões contra estudantes das ocupações de escolas públicas estaduais do Rio Grande do Sul viraram um dos assuntos principais das redes sociais. Em várias escolas de Porto Alegre foram registrados relatos de estudantes que dizem ter sido agredidos por outros estudantes e por policiais, vídeos de pessoas entrando à força nas ocupações e relatos de ameaças por telefone. Um vídeo gravado em uma escola de Caxias do Sul, que mostra um pai contrário às ocupações ameaçando estudantes e professores dentro da escola, com uma corrente em uma das mãos e uma barra de ferro na outra, viralizou.

O homem — pai de uma estudante de séries iniciais — entrou na escola junto com um grupo de alunos. Quando o estudante P.B., 17 anos, perguntou o que ele queria, o homem respondeu com uma cabeçada. Aos gritos, ele contou que estava desempregado e que a ocupação estava "acabando com sua vida" porque não tinha onde deixar a filha. P. levou ainda três golpes de corrente nos braços, tentando acalmar o homem. A barra de ferro ele já havia trazido de casa, a corrente agarrou no próprio portão da escola.

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A agressão foi registrada no celular pela professora Eliane Cardoso. Ela e uma colega estavam conversando no portão, quando viram um homem discutindo com o aluno. Enquanto a colega acionava a Brigada Militar — a polícia militar gaúcha — Eliane puxou o celular e começou a gravar. O homem não gostou. "Ele tomou o celular da minha mão e eu avisei que o B.O. (boletim de ocorrência) seria por roubo. Daí ele se assustou e me devolveu, mandando eu apagar o vídeo. Mas tinha mais gente gravando", conta.

Segundo os estudantes e a professora, o pai contrário às ocupações permaneceu no local por 45 minutos. A Brigada Militar foi chamada, mas disse não ter viaturas suficientes e só chegou ao local mais de uma hora depois. O estudante agredido registrou ocorrência, fez exame de corpo de delito e prestou depoimento três dias depois.

Na Delegacia Especial da Criança e do Adolescente, aconteceu algo estranho, segundo P.B. "Quando fiz o B.O. não falaram muita coisa. Me falaram quando prestei o depoimento. Antes de eu falar, falaram que ocupar é errado, que deveria deixar todos entrar na escola e ter aula normalmente e seguir a vida. Disseram que a gente poderia protestar, mas na calçada, segurando cartazes. Como se o governador fosse dar bola ou ligar se fosse assim."

Caso de polícia

Na segunda nota que soltou sobre as ocupações no Rio Grande do Sul, a secretaria estadual de Educação colocou como segundo ponto que "as mobilizações estudantis não serão tratadas como caso de polícia, e sim como uma pauta da área da Educação". Porém, segundo estudantes de dentro das ocupações, não é o que está acontecendo. Há relatos de policiais infiltrados e constrangimento de estudantes em diversas escolas.

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No Colégio Estadual Coronel Emílio Massot, a primeira escola ocupada no RS, quatro estudantes contam terem sido agredidos por policiais militares no meio da tarde do dia 26 de maio. Segundo os alunos, eles estavam a caminho do supermercado, quando uma viatura da BM os abordou e pediu que encostassem contra o muro. "Eles não pediram documentos, não pediram nada, só disseram: isso é para vocês aprenderem a baixar a cabeça para policial quando virem na rua", conta M.A., que diz ter sido agredido a socos e tapas pelos policiais. Segundo ele, as agressões foram contra os dois estudantes maiores de idade, porque são os que mais aparecem em entrevistas sobre as ocupações.

Os alunos contam que não tiveram tempo de ver a identificação dos policiais e decidiram não prestar queixas. O estudante que levou seis socos, procurou atendimento em um hospital e deixou a autoria da agressão registrada em sua ficha médica. "Eles não queriam [registrar] por receio de sofrer retaliações, porque são jovens da periferia que sabem como a Brigada age com eles no dia a dia", conta a professora Neiva Lazzaroto, vice-diretora no Colégio Massot, que chegou ao local logo após o ocorrido. A decisão foi tomada em uma assembleia entre os alunos.

Célia Regina Ferreira, mãe de uma aluna de 17 anos — que não dorme na ocupação desde o dia da agressão contra os colegas — lembra que estava na primeira noite da ocupação, quando policiais militares chegaram à porta do colégio no meio da noite: "Eles diziam, ou vocês vêm aqui na frente ou vamos colocar o pé". Segundo ela, os policiais disseram ter recebido denúncias sobre pessoas que haviam pulado muro e fizeram perguntas.

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Num grupo de WhatsApp com representantes de várias ocupações, alunos também falam sobre a presença de policiais militares disfarçados — os chamados P2 — nas escolas. "Existe P2 que entra nas escolas e diz que é para doar [mantimentos e produtos de limpeza], depois que entra mostra a farda, mostra que é policial e fica ali para intimidar. Acontece isso nas escolas. Entram para dar uma olhada, ver quantas pessoas têm. Quando a polícia chega aqui, eles sempre sabem nossos nomes", conta Ana Paula, 18 anos, estudante do Colégio Protásio Alves.

Ana Paula também foi vítima de agressões que repercutiram nas redes. Na semana retrasada, um grupo de estudantes contra a ocupação quebrou cadeado e entrou na escola, com apoio de professores que não aderiram à greve. Uma página em apoio à desocupação da escola foi criada na mesma noite.

O advogado Jefferson Alves, membro do grupo que presta assistência às ocupações e acompanhou o caso dos alunos do Colégio Massot, afirma que há diversos relatos sobre violência contra os estudantes nas ocupas. "Nós temos trabalhado para que façam denúncia formal junto aos órgãos competentes, mas tem esse clima de terror nas escolas. A dificuldade de convencê-los é muito grande. Em compensação, temos relatos do mesmo tipo de ação na Ocupação Lanceiros Negros [ocupação de moradia, no centro de Porto Alegre], onde isso é padrão. Então não é de surpreender que a mesma ação esteja sendo adotada nas ocupações", afirma.

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O Ministério Público e a Defensoria Pública também têm acompanhado o movimento das ocupas, mas sem registros formais, não possuem casos de agressão em investigação no momento.

Ultimato e desocupa

A Secretaria Estadual de Educação diz desconhecer qualquer trabalho da inteligência da Brigada Militar dentro das escolas. Enquanto os estudantes das escolas estaduais falavam em ocupar, a pasta passava por uma dança de cadeiras. No início de maio, o pedido de demissão do secretário Carlos Eduardo Vieira da Cunha (PDT) foi rejeitado pelo governador, que mandou ele tirar férias e refletir sobre a decisão. Quando as ocupas começaram, o secretário estava longe do estado. Vinte dias depois, Vieira retornou, fez algumas visitas e uma reunião geral com os estudantes, mas no dia seguinte saiu do governo e anunciou sua candidatura à prefeitura de Porto Alegre.

Na última segunda-feira, o secretário-adjunto, Luís Alcoba de Freitas, foi empossado pelo governador. Em entrevista à VICE, Alcoba disse que os casos de agressões estão relacionados aos "ânimos acirrados" depois de quatro semanas de ocupações. "A tentativa é de que seja feita essa conciliação. Mas se houver conhecimento no sentido de que haja probabilidade de haver qualquer dano de integridade tanto dos prédios, quanto à integridade física das pessoas, aí nós temos que efetivamente chamar os órgãos de segurança", afirmou.

Alcoba disse que esteve em reunião com o governador e o secretário de segurança pública, na segunda (06), para tratar o tema. "Não podemos deixar que nossas escolas virem um campo de guerra entre os que são a favor e os que são contrários. Por isso, a iniciativa de propor uma série de iniciativas para sensibilizar os estudantes", disse.

Em coletiva de imprensa, no mesmo dia, ele anunciou a apresentação de uma proposta aos estudantes, onde atende algumas das reivindicações Luís Alcoba de Freitas — como reformas emergenciais com verba do Banco Mundial — e que daria o prazo de 48 horas para a desocupação. Segundo ele, sem acordo, o governo deve buscar saída junto ao poder Judiciário, nos moldes do que foi feito no Rio de Janeiro. O governo calcula que 120 escolas estejam ocupadas no estado, enquanto o grupo Ocupa Tudo RS fala em 170.

Até o fechamento desta matéria, a Secretaria de Segurança Pública não havia retornado às perguntas enviadas pela VICE. O secretário Wantuir Jacini estaria em agenda em Brasília.

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