Para alguém com uma câmera, toda e qualquer cena que aconteça na Feira de São Joaquim, em Salvador, é bonita: desde os galos e galinhas que são vendidos vivos para rituais religiosos até os montes de farinha, pimenta, cerâmica e camarões expostos para a clientela. Fotógrafos profissionais, amadores e turistas já passaram por ali para clicar o espaço rudimentar repleto de produtos típicos, cores e contrastes. Acostumada com esse cenário desde a infância, a fotógrafa soteropolitana Caroline Lima, 26, explorou outro ponto de vista: os fundos da feira livre, que ficam bem próximos ao mar. Foi assim que os trabalhadores braçais chamaram sua atenção. "Até então, eu nunca tinha parado para observá-los de verdade. Eles sempre estiveram ali, mas ainda não tinha passado pela minha cabeça fazer essas fotos", relata.
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Apesar da formação em arquitetura e urbanismo, Caroline tem se dedicado à fotografia nos últimos anos. Antes de deixar Salvador para uma temporada em São Paulo, onde está atualmente, quis explorar algum canto que sintetizasse bem a Bahia. Logo pensou na feira, onde ia com a avó ainda na infância fazer compras e saborear quebra-queixo, um doce de consistência dura feito com coco. "Há muita ancestralidade naquele lugar. É importante poder documentar isso em processos."
Depois de circular pelo local e se deparar com os sujeitos descamisados trabalhando debaixo do sol a pino na parte dos fundos, veio um questionamento. "Aos poucos, comecei a reparar na beleza daquele trabalho, das cores e texturas, do suor que escorria naqueles corpos. Fiquei pensando também o quanto eles são invisíveis ou não."O dia estava abafado. Ela observou os rapazes por um tempo, até que se aproximou e perguntou se poderia fotografá-los. Quando ouviu o "sim", aproveitou a luz vigorosa do sol do meio-dia e começou a fazer os cliques.
A foto do homem de boné com o céu ao fundo [abaixo] é sua preferida. "Demorei pra conseguir me conectar com ele", relembra. "A estética dele é maravilhosa, e representa boa parte dos caras que vejo em Salvador, mas que muitas vezes são mal vistos por terem um dito 'estereótipo do negro bandido', onde ele nunca é encarado de maneira positiva." O azul do céu, para ela, é típico de Salvador não só durante o verão, mas o ano inteiro. "Aquele cordão de ouro, o boné, a cicatriz e aquela pele brilhando e contrastando com o fundo também é muito Bahia."
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Os trabalhadores passam o dia descarregando produtos que chegam na feira. Quando não estão fazendo isso, carregam as compras dos clientes pra ganhar um troco. "Sempre no corre", enfatizaram para a mulher que os fotografava.
"A maioria deles não entendia muito por que eu estava interessada ou via beleza naquilo tudo", explica Caroline, que passou a mostrar as fotos para eles ainda na câmera. Alguns riam, chamavam os amigos. Outros não ligavam.Para ela, acostumada a verter suas lentes para construções, para a rua e para a estética do corpo negro, a Feira de São Joaquim denota a efervescência caótica da cidade baixa em Salvador, além de ser inspiração e referência para muita gente. "É muito importante frisar a resistência dessas pessoas da feira, principalmente pelos processos políticos e dos novos padrões de intervenções urbanas que vemos atualmente, onde toda a autenticidade e memória desses lugares são completamente desprezados", sugere.
"Existe algo vinculado no corpo, na expressão, na ginga dessas pessoas que eu fotografei. Existem vários tipos de forças e belezas nessas fotos. Tudo isso representa a essência da Feira de São Joaquim."Saque outras belezas no site da Caroline Lima e também no Instagram.Siga a VICE Brasil no Facebook , Twitter e Instagram.