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Música

Fui dar um olá ao Grutera

E descobri que, afinal, já foi metaleiro.

Chama-se Guilherme Efe e veio da Nazaré ao Porto para estudar Economia. A primeira coisa que sabia deste Grutera (e na altura nem lhe conhecia o nome artístico) foi que sabia tocar na perfeição a “Ocean” do John Butler. Graças à colega da minha casa que, logo nas primeiras semanas em que me instalei no Porto, me mostrou o vídeo dessa cover no Youtube. Coincidência das coincidências, agora que estou prestes a voltar para a minha terrinha, voltei a ouvir falar dele. Afinal, o rapaz do Youtube tem um belíssimo álbum, Palavras Gastas, e consta até na Colectânea Novos Talentos Fnac deste ano. Nunca se deve desperdiçar uma boa partida do destino e, como tal, decidi visitá-lo.  Em sua casa, na sala, pude ver as duas guitarras acústicas, devidamente instaladas no suporte, e num curioso metrónomo que repousava no armário da televisão e do gira-discos. Nesse momento, a minha memória voou até a um passado já distante. Percebi, então, que sinto umas saudades terríveis do seu estalido compassado que tão bem marca o tempo, assim como do pêndulo hipnotizador que costumava seguir, religiosamente, com os olhos.  Eu ainda tinha as canções do Palavras Gastas na cabeça. Mais do que isso, ainda tinha as imagens que me remetiam para aldeia da minha infância, no concelho de Vila Flor. Aliás, basta ouvir e ver o vídeo de “Pedra Mole”, o tema de avanço, para perceber o que estou a dizer. As associações a Norberto Lobo e a Filho da Mãe acabam por não ser justas, tendo em conta que as composições de Guilherme Efe já existiam antes de o próprio se cruzar com a obra destes dois. Aliás, tal como o próprio admitiu, aquilo que faz “relaciona-se com a música mais pesada que ouvia”. Foi por aí que tudo começou e são essas as suas “bases musicais” até porque, “o metal não é só distorção, também há dedilhados e partes mais limpas”. VICE: Olá Guilherme.
Guilherme: Olá, bem-vinda. O que é que estás a ouvir? Ah, John Butler. [Reparo na capa do CD em cima de um gira-discos. É do álbum Grand National. Vamos começar exactamente por aí. É muito fácil dizer que a tua música se assemelha à de Norberto Lobo, Filho da Mãe ou John Butler. Deve ser, contudo, mais do que isso porque as composições já estavam feitas antes de os conheceres. 
As semelhanças com Norberto Lobo e Filho Da Mãe prendem-se, para mim, apenas no facto de ser um tipo a tocar guitarra. Quanto ao estilo, não tem nada a ver uma coisa com a outra. Pelo menos é o que acho e o que as pessoas têm dito. A verdade é que não os conhecia antes de compor os temas e, quanto às influências para este álbum, não posso dizer em concreto onde as fui buscar. Quando componho não penso se tem a ver com alguma banda em específico ou não. Mas acho que, indirectamente, o que faço relaciona-se com a música mais pesada que ouvia. Foi por aí que tudo começou e são essas as minhas bases musicais. O metal não é só distorção, também há dedilhados e partes mais limpas. A tua relação com a música começou com a guitarra acústica. O facto de estares habituado ao metal deu-te mais traquejo para tocar na guitarra clássica? Nos dedilhados mais acelerados, talvez?
Exacto. Ouço muito Opeth, por exemplo: uma banda que faz uso desses dedilhados. A música do Norberto Lobo interpreto-a como sendo mais alegre. Encaro a minha música de forma mais densa. Densa no sentido de ser mais melancólica. Não é tão extrovertida como a música do Norberto, por exemplo. Sim, isso tem a ver com as influências mais pesadas.

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Pensa nas tuas antigas bandas metal, como os Irenic, por exemplo. O público para quem tocas e os espaços em que actuas são diferentes agora.
O pessoal do metal toca no circuito underground, para públicos de festivais ou para quem segue aquele estilo religiosamente. Há um companheirismo entre nós porque, no fundo, trata-se de um nicho. As pessoas dão-se todas umas com as outras, mesmo que estejam em diferentes zonas do país. Isso, agora, mudou. Toco em salas diferentes e tenho mais espaços para tocar. No meu caso, como o projecto é super portátil — sou eu e duas guitarras — posso tocar em vários sítios onde algumas bandas não teriam espaço. Posso estar em auditórios, por exemplo, funciona muito bem. Quanto ao público, sim, é diferente. A relação acaba por ser um pouco mais distante. Também há um nível de profissionalismo maior, agora. Há coisas boas de um lado e coisas más do outro. A relação que tens com a música é hoje diferente? 
É igual. As pessoas perguntam-me qual a razão que me fez mudar mas, ainda há dias, confessei não achar que tenha mudado assim tanto. Alterou-se o instrumento mas a densidade ou o peso que dou às músicas é o mesmo. Se calhar, ainda é maior agora do que era antes. Tem apenas uma sonoridade diferente, é só isso. Não há distorção, baterias, voz nem guitarras eléctricas. A minha composição, no entanto, recai sempre no mesmo sentimento. Não te sei explicar porquê. Não tens de preferir. A música também tem a ver com o esbater barreiras.
Exacto, não sei se prefiro uma coisa ou outra. Gosto das coisas boas e más que cada lado tem. Mas sim, acaba por ser diferente. Completamente diferente. O facto da guitarra acústica ter estado presente desde cedo ajudou-te neste regresso?
Não sei. Não te sei explicar nem gosto de inventar sobre isso. Não faço ideia. Quando era puto nem ligava muito à música sequer. Acho que comecei a gostar quando peguei na guitarra pela primeira vez.

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Quando foi?
Aos 14 anos. Tinha um amigo que também tocava e apresentou-me a bandas como Led Zepplin e Metallica: aquilo que ouvia na altura. Sempre tive curiosidade em saber como aquelas músicas se tocavam e, por isso mesmo, tentava transpor para guitarra acústica o que era feito com a guitarra eléctrica. O desafio foi grande, sim, porque é mais difícil tocar esse estilo numa guitarra clássica. Como quis passar da guitarra acústica para a guitarra eléctrica, nunca pensei que poderia vir a regressar ao mesmo instrumento. O que ouvia também tinha dedilhados, partes mais bonitas e menos pesadas, mas as bandas a que prestava mais atenção caracterizavam-se pelo uso da guitarra eléctrica, pela distorção e pelo peso. Não sei o porquê, acho que foi por acaso que voltei a pegar na guitarra acústica. Agora estás a tirar o mestrado em Economia, certo?
Em Gestão, sim. Estou a tirar o mestrado em Gestão. [Risos] É uma boa altura para apostares nessa área.
Não, nem por isso. [risos] Quanto aos sound bites na introdução do disco, procuravas oferecer ao álbum uma consciência política?
Não queria mostrar nada partidário nem dada disso. Tem a ver com o título, basicamente. É uma introdução ao motivo pelo qual o álbum se chama Palavras Gastas. De um modo geral, pretendo demonstrar que as pessoas estão fartas de ouvir os mesmos clichés sem ninguém fazer nada. Não é um disco revolucionário nem quero que seja, é só a minha percepção dessa ideia. Isso acontece na política como também na música. Estamos saturados daqueles temas de amor em que só se ouve baby para aqui e baby para ali. Chega-se a um ponto em que todos dizem a mesma coisa. Foi por isso mesmo que dei esse nome ao álbum e decidi utilizar aqueles discursos. É uma autêntica palhaçada o que ali está. Submeti-os por uma questão de coerência com o nome do CD.

O Palavras Gastas é, essencialmente um disco instrumental, à excepção do tema “Pedra Mole”. Não te sentes à vontade para escrever?
Não, não sei escrever letras. Até tenho algum jeito para escrever prosa mas letras e poemas não. Quem escreveu o poema de “Pedra Mole” não fui eu, foi o Tiago Simão — o produtor do CD.

Foste tu que intitulaste as músicas?
Sim. Todos os títulos têm uma explicação. Já tens um novo projecto na calha, certo?
Certo. E vai ter letras?
Vai ter poemas certamente, mais do que o Palavras Gastas. Estamos a pensar se pomos alguém a cantar esses poemas, tal como se fez com a “Pedra Mole”, no Passos Manuel. A Inês Amorim participou e tem interesse em participar mais vezes. Também temos interesse em que ela participe. Não estamos fechados a isso. E cantar o Grutera, não?
Não, não. Não é a minha praia. Achas que as coisas estão a acontecer muito depressa ou nem por isso?
Sim, acho que sim. Não foi nada pensado. Tocava guitarra porque gostava e mostrei as músicas a um amigo. Tive a feliz ou a infeliz ideia de as mostrar, depende da perspectiva, e achou que deveriam ser levadas mais a sério. Foi a partir daí que tudo aconteceu. Só tenho a agradecer a todos os amigos que participaram no projecto porque a base foi essa: os amigos de amigos de amigos que participaram. Acho, por isso, que está a acontecer um bocado depressa, mas não sei se é demais ou não.  Até agora não senti dificuldade nenhuma, é certo, mas não estava a contar que tudo isto acontecesse. Ainda bem, nunca pensei que esta experiência fosse tão positiva. Não me posso queixar de nada e estou super-grato às pessoas que ouvem Grutera e às que me convidam para tocar. Entrar na colectânea da Fnac foi também uma surpresa. É tudo obra da Covilhete da Mão, é por culpa deles que estou lá. Isso contribuiu para acelerar ainda mais as coisas.  Ainda é recente mas algumas pessoas já falaram comigo porque me conheceram através da colectânea, isso é bom. Se calhar não me conheceriam se não fosse por aí. Que vantagens é que isso pode ter?
Não penso muito nisso mas, provavelmente, serve para provar que alguém reconheceu a qualidade do projecto. Dessa forma, é mais fácil as pessoas darem-me uma oportunidade e ouvirem o disco. Com tantas bandas que existem em Portugal, com tantos artistas e bons, é difícil chamares a atenção das pessoas. Pedires a alguém para ouvir e ouvir mesmo. Há tantas coisas e a oferta é tanta que não chegam a ouvir: Esquecem-se ou não têm tempo. Desta forma as pessoas compram o CD e, sem querer, vão lá ter. Se gostarem, se assim o entenderem, podem procurar o meu trabalho ou não. Ainda não senti que fosse uma alavanca mas é sempre uma mais-valia. Surpreende-te o facto de haver tantas pessoas que gostam de ouvir música instrumental?
Surpreendeu-me, sim, mas não foi por minha causa. Surpreendeu-me porque existe o Noberto Lobo, o Filho da Mãe e os Dead Combo. Eu gostava, mas não sabia que havia tanta gente a ouvir. Uma vez li uma reportagem em que falavam o Norberto, o Frankie Chavez e o Filho da Mãe. Tinha já alguns temas escritos e pensei, “também posso fazer isto”. Pensei que não fazia sentido gravar porque seriam só guitarristas a ouvir ou os amigos. Com o Spotify, o Youtube e a internet, no geral, as pessoas alargaram os horizontes musicais. As fronteiras abriram-se, o que deitou por terra a ideia convencional de teres de cantar. Isso é óptimo. Além disso, somos um país de guitarristas, desde o fado à música clássica. Obrigado Guilherme.