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Música

Phase: o “shoegaze” reclama 15 anos do vosso tempo

Estiveram de molho durante 15 anos, mas voltaram para um concerto no final de 2015 e os fãs ficaram a aguar por mais.

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Phase ao vivo no Beat Club, em Leiria, no concerto de regresso. Fotografia de Sofia Lamachão.

Segunda metade dos anos 90 em Portugal, Jorge Sampaio era o Presidente da República, António Guterres sucedia a Cavaco Silva como primeiro-ministro, em França, Jaques Chirac sucedia a Mitterrand na presidência, em Inglaterra o primeiro-ministro Tony Blair abria, alegadamente, novas correntes ideológicas, como a terceira via.

Nos bares de cariz mais alternativo, dEUS, Pixies e Sonic Youth eram aquela trilogia que não falhava, mas também Prodigy, Chemical Brothers, Propellerheads, ou aquele instrumental dos Blasted Mechanism, o "Atom Bride Theme". Kruder & Dorfmeister, Air, ou Cassius, eram rotulados de "novas tendências" e há, hoje em dia, muito fã de Belle & Sebastian que ainda não os conhecia na altura. O Nick Drake estava a ser repescado para entrar na moda e o Sixto Rodriguez era uma velha glória perfeitamente desconhecida.

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Os Phase, uma banda de Leiria, tiveram quase tudo e, se calhar, como diz o outro, quase tudo foi demais. Começaram em meados dos anos 1990 e, no virar do século, assinaram pela multinacional Polygram, que, por essa altura, mudou o nome para Universal. Praticavam uma sonoridade a que se convencionou chamar, nomeadamente no Reino Unido, "shoegaze" e, em bandas como Ride, Slowdive, My Bloody Valentine, ou Spacemen 3, os Phase encontraram um porto de abrigo.

Existiram e cresceram durante a segunda metade da década de 90, fizeram concertos no circuito underground como toda a gente, tocaram com um baixo emprestado e comprado na Feira da Ladra, participaram em compilações, gravaram uma maquete no formato cassete… e o resto foi história.

Foram fisgados para a ribalta, porque eram realmente interessantes e bastante competentes para a idade, e não tardaram muito a acompanhar os então consagrados Silence 4 na estrada. Mas a realidade pode ser tramada, os managers e as editoras também, e assim, para uma cambada de putos, aquilo passou tudo muito a correr e o fim de festa foi feito sem pompa e quase nenhuma circunstância.

"Fifty Two Minutes of Your Time", foi gravado à grande em Inglaterra e editado em 2000, com a participação especial de Rachel Goswell (Slowdive/Mojave 3) no tema "Hey Girl" e de David Fonceca, no tema "City", sendo que o então vocalista dos Silence 4 também ficou encarregue de fazer as fotos da banda. Para produzir o disco foi escolhido Darren Allison, nome ligado aos Spiritualized, uma referência para o quarteto leiriense.

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O disco resultou numa sonoridade algo híbrida, naquela equação por vezes impossível em que os da pop acharam demasiado alternativo e estes, por sua vez, acharam demasiado pop. Ao vivo eram uma máquina muito bem oleada e, sobretudo, muito mais potente do que no disco. Um prenúncio dos excelentes músicos que viriam a tornar-se. O pós-Phase levou os seus elementos a tocar em bandas e com artistas tão diferentes entre si, como David Fonseca, João Afonso, Sean Riley & The Slowriders, The Allstar Project, Born a Lion, Lazyman, A Last Day On Earth, Dr. Majick ou Plastictoy.

No regresso, gravaram um vídeo com um tema inédito no fim do Verão de 2014, mas só o mostraram no ano seguinte, pouco antes de se reunirem para o concerto que deram no Natal de 2015, em Leiria.

Paulo Pereira, teclista que acompanha David Fonseca desde o tempo dos Silence 4, no dia do regresso aos palcos dos Phase, em Leiria, a 26 de Dezembro último, esteve presente no sound check e partilhou com a VICE: "Passados 15 anos, ainda me lembro das músicas todas de cor. É incrível. Marcaram mesmo uma fase".

Para o produtor cultural Carlos Matos, "os Phase fazem parte da primeira vaga de explosão da música em Leiria". "Tenho boas recordações. Gostava e gosto muito deles, não só da música, mas também como pessoas, com as quais tenho mantido uma relação profissional e de amizade ao longo destes anos todos", salienta.

Hugo Ferreira, fundador da Omnichord Records, editora que tem lançado diversos projectos da Região Centro, diz sem hesitar: "Os Phase são os maiores! ". "Eu acordei para a música por causa do meu professor de matemática do 7º ano. Ele era estagiário e fazia um programa de rádio. Estou a falar do Fausto da Silva [autor do programa Santos da Casa na Rádio Universidade de Coimbra] e que anos mais tarde - já estava eu na universidade em Coimbra - foi a primeira pessoa a editar os Phase numa compilação intitulada "4x4". Foi o meu primeiro contacto com a banda. Depois veio toda a exposição com a Universal, mas aquilo acabou por sair um bocado furado. Sempre achei que os Phase foram a primeira grande aventura alternativa de Leiria, os Silence 4 eram mais contidos", relembra.

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"City", ao vivo no Beat Club, com David Fonseca, gentilmente cedido por Filipa Caçador.

Quanto à banda, em conversa com a VICE, minutos antes de entrarem em palco, o sentimento era unânime: tinha passado muito tempo e nem eles repararam que se tinham passado todos aqueles anos num ápice. "Este foi o momento certo", diz o baterista Filipe Rocha. "Não vamos fazer uma cópia do que era dantes, nem nós quisemos fazer exactamente igual. Há coisas que já não fazem sentido e o que nós queremos agora é, simplesmente, que a banda e as pessoas se divirtam", revela o músico, que é um dos Slowriders de Sean Riley e toca ainda nos The Allstar Project.

O concerto de regresso aos palcos aconteceu num ambiente clássico, estavam todos lá. O próprio David Fonseca, que cantou um tema, pessoas que estiveram ligadas à editora, roadies, management, ex-namoradas, e também aquela malta que já não se via há sei lá quanto tempo e que desapareceu por uma série de razões: casamentos, filhos, empregos noutras paragens, ou, simplesmente, a viverem o recato de uma vida adulta, onde todos aqueles excessos são agora um mito. Que não, que nunca fumaram um charro na vida, que não bebiam assim tanto, que nunca foram para a cama com este ou aquela. O passado lava sempre mais branco.

Assim, a reunião foi tipicamente em ambiente de baile de finalistas. Uma bonita festa, pá. As canções dos Phase sobreviveram ao tempo e essa pode ter sido a grande prova de fogo destes rapazes. Com muita gente ainda a saber as letras do princípio ao fim, algo se passou naquela noite de regresso.

A legitimação de um pedaço de história musical contemporânea levou um carimbo de aprovação, 15 anos depois da edição do disco. A fazer lembrar aquele cliché de "a história os julgará", os Phase passaram pelo crivo do tempo, foram julgados por uma série de jurados e absolvidos por unanimidade. Que bom seria não se ter de esperar outros 15 anos para ter novidades.