Cientificamente, qual é a pior maneira de morrer?

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Cientificamente, qual é a pior maneira de morrer?

Tentamos não pensar muito no assunto, mas é inevitável: todos morreremos um dia.

Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma Motherboard.

Tentamos não pensar muito no assunto, mas é inevitável: todos morreremos um dia. E, mesmo que a morte seja tão antiga como a humanidade, não há consenso científico sobre que tipo de morte é a pior.

Tenho a certeza que já pensaste nisto. Afogamento deve ser horrível. Mas e ser queimado vivo? Pensamos sempre que estas coisas só acontecem aos outros, ou que só aconteciam antigamente, quando os médicos ainda não sabiam que os germes existiam. É um tema que, normalmente, vem à baila quando estás entre amigos no regabofe. Todos se riem e a vida continua.

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Mas estas mortes terríficas têm coisas em comum. E, embora a ciência esteja longe de chegar a um consenso, podemos pôr por ordem as diferentes perspectivas científicas, ler nas entrelinhas e tentar responder à pergunta: qual é a pior maneira de morrer?

Não vais gostar da resposta.


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Antes de chegarmos ao que interessa, é importante entendermos o que são as "maneiras" de morrer. Quando alguém morre, um médico, ou um técnico de saúde, preenche um certificado de óbito, no qual indica três coisas, segundo me disse Kevin Henderson, um especialista forense nova-iorquino: a causa, o mecanismo e a forma como a morte se verificou. Todos estes elementos são importantes, mas vou focar-me nas causas da morte.

"A morte por doença, ou lesão, quer dizer que se produz um problema dentro do corpo, problema este que termina em morte. Por exemplo, um tiro no peito", diz Henderson. Isto é o que nos dá medo. É a diferença entre ter medo do afogamento e ter medo de não conseguir respirar e engolir água (que é aquilo que realmente nos mata). Também pode acontecer, simplesmente, porque não sabes nadar.

Uma das nossas grandes preocupações tem a ver com a dor que, em princípio, vamos sentir nesse momento. A dor define-se, normalmente, como uma "sensação desagradável", mas é bastante subjectiva e pode ser ampliada pelo contexto.

"O contexto é importante quando pensamos na dor", diz Randy Curtis, director do Palliative Care Center of Excellence, da Universidade de Washington. "O nascimento é um bom exemplo. Sentes uma dor incrível, mas sabes que vai passar, sabes porque é que a sofres e sabes que é um momento emocionante. As mulheres podem tolerar muito melhor a dor, dependendo do contexto. A dor de um cancro, por exemplo, é muito diferente, porque te desanima, sabes que pode levar-te ao pior cenário".

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Embora a dor seja subjectiva, também pode ser categorizada objectivamente, o que ajuda no tratamento. Os médicos podem determinar o "tempo" de uma dor: se é aguda (de curto prazo), ou crónica (de longo prazo). "Os dois podem ser horríveis", diz Curtis. Mas a origem também é importante. A dor somática está relacionada com os nervos. É o resultado directo de uma queimadura, ou de uma lesão. Enquanto que a dor neuropática não tem uma origem específica e pode ser causada pelo alcoolismo, o síndrome do membro fantasma, ou a esclerose múltipla.

Poucas pessoas conheciam o poder da dor tão bem como os inquisidores modernos, os mesmos que criaram um método conhecido como a "tortura medieval". Estes castigos popularizaram-se por volta de 1520, depois da reforma da Europa Ocidental, segundo conta Larissa Tracy, professora de literatura medieval na Longwood University de Farmville, Virginia.

"Um método bastante horripilante era ser pendurado, esticado e cortado em quatro, uma técnica reservada aos piores traidores da Inglaterra Moderna".

Estes métodos de tortura não eram usado em todas as situações, enfatiza Tracy. Só nos piores casos: traidores e assassinos. Era tudo bastante doloroso e, regra geral, demoravam muito tempo a matar alguém. Pensemos por exemplo no enforcamento, que era uma das formas mais comuns de pena de morte no final da Idade Média. "Não te enforcavam de uma forma sofisticada. Içavam os criminosos, para que pudessem enforcá-los e isto podia demorar entre seis a 10 minutos", diz Tracy.

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Um método bastante horripilante era ser pendurado, esticado e cortado em quatro, uma técnica reservada aos piores traidores da Inglaterra Moderna. Penduravam o culpado até chegar às portas da morte. Depois era castrado. Em seguida tiravam-lhe os intestinos com um ferro quente espetado na barriga e, por fim, cortavam-lhe a cabeça, esquartejavam-no em quatro partes e expunham-nas publicamente. Nalgumas versões deste método usavam cavalos para desmembrar o corpo, mas Tracy diz que não há muitos relatos que descrevam esta prática.

Outra tortura particularmente atroz era ser esmagado na roda, prática usada com os piores criminosos da Europa e com os escravos que provocavam revoltas nos Estados Unidos. Atavam-nos a uma grande roda de madeira e depois espancavam-nos, para que nenhum osso do seu corpo permanecesse intacto. Alguns relatos contam que as vítimas podiam aguentar vivas durante três dias.

Tracy diz que, actualmente, nos Estados Unidos, utiliza-se a pena de morte de forma muito mais frequente e que estes métodos, aparentemente "misericordiosos", estão longe de o ser. Alguns estudos recentes mostram que a mistura dos produtos químicos que se usam na injecção letal não são necessariamente tão sedativos como se faz crer. Embora a injecção seja, supostamente, um avanço técnico em relação à cadeira eléctrica.

A morte na cadeira eléctrica consiste em aplicar milhões de volts ao corpo humano. O cérebro ferve, aparecem chamas nalgumas partes da pele e quem sofre este procedimento está vivo durante todo o processo. É, obviamente, doloroso, mas não dura mais que uns minutos.

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"As más notícias para nós, os que continuamos vivos, é que as nossas mortes serão, muito provavelmente, longas e horrorosas".

As doenças do coração e o cancro são as maiores causas de morte nos dias de hoje. Quem tem este tipo de complicações vive agora mais tempo que os seus antepassados, mas os anos de vida extra costumam ser bastante mais dolorosos. "As pessoas acham que sabem quando estão perto do fim, mas, para muitos de nós, o final dos dias vai chegar muito devagarinho", diz Joanne Lynn, médica e especialista em cuidados paliativos. "Queremos acreditar que vamos morrer de um ataque de coração durante a noite, mas essa não é a realidade".

À medida que nos aproximamos do final vivemos com este medo de morrer. "O desgaste do corpo é um processo difícil e começamos a ter cada vez mais medo. Temos medo de sofrer de solidão física e emocional. Temos medo de perder o controlo, de ser pobres, de ser dependentes. E, claro, o medo principal da nossa existência: morrer". É normal ter de lidar com estes medos. Para as pessoas que chegam aos 85 ou 90 anos o medo é diferente, porque muitos dos seus amigos já estão mortos. "É angustiante, mas não é inesperado", diz Lynn.

As más notícias para nós, os que continuamos vivos, é que as nossas mortes serão, muito provavelmente, longas e horrorosas. As boas são que estamos muito melhor preparados para suportar a dor. Dependendo do tipo de dor, ou de onde nos dói, os médicos podem ajudar-nos com medicamentos sem esteroides como o Tylenol, ou opiáceos, como a morfina. Nestes casos é super importante fazer uma boa avaliação.

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"Antes de tomar medidas para tratar a dor tentamos entender primeiro qual é a sua causa e vemos se podemos resolver o problema", explica Washington Curtis. Por exemplo, se um cancro formou uma metástase que afecta um osso, a dor pode ser particularmente profunda. "Alguns tipos de cancro são muito receptivos à radiação e a dor pode diminuir bastante. Mas, outros tipos de cancro não o são e, ao aplicar demasiada radiação, podemos provocar feridas e queimaduras que causariam ainda mais dor".

A dor é um dos sintomas que mais debilita o paciente. "Embora as náuseas, os vómitos, o cansaço, a depressão, a ansiedade e falta de ar sejam muito desagradáveis", diz Curtis. São pistas de algo mais profundo, a mãe de todos os medos: que os outros não entendam a dor que sentes e tenhas que suportá-la sozinho.

Os médicos, gente com experiência nesta área, explicam-no muito melhor. "Eu teria medo da dor grave, de não encontrar médicos que me levem a sério, ou de não ter acesso ao tratamento adequado", salienta Curtis. Lynn também se mostra apreensiva acerca deste tema: "Gostava que houvesse um sistema de saúde de confiança, com o qual pudesse contar e onde todos os que façam parte dele saibam responder às minhas perguntas e sejam honestos a respeito do meu estado".

Depois de falar com estes especialistas, fiquei com a impressão de que, cientificamente, a pior forma de morrer é a que nos toca: num hospital, em agonia, à espera da morte. Talvez te dês conta de que chegou o fim. Talvez tenhas um médico que saiba aliviar as tuas dores, ou uma família que respeite a tua vontade. Mas, sejas um criminoso (a quem tiram os intestinos com um ferro quente), ou um cidadão comum com cancro, o teu estado mental pode mudar consideravelmente o teu grau de sofrimento. Tenho a certeza que, no futuro, saberemos entender e tratar melhor a dor, mas as condições psicológicas têm muitas facetas e quase todas estão sob o nosso controlo.