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Como Era Ser um Guarda da Prisão Sing Sing nos Anos 90

O escritor Ted Conover diz como pouca coisa mudou no sistema carcerário dos EUA desde que trabalhou na prisão Sing Sing 15 anos atrás.

Ted Conover como guarda em 1997. Fotos por Jennifer Klein.

Li Newjack: Guarding Sing Sing, em que Ted Conover conta seu período como guarda de prisão, pela primeira vez quando eu estava entrando na seara do jornalismo. Fui instantaneamente fisgado para quão longe ele levava a ideia de narrativa imersiva. Isso era mais que se incorporar ao Exército ou se juntar aos Hell's Angels – em 1997, esse cara realmente arrumou um emprego em Sing Sing para escrever sobre o sistema da prisão de dentro, tudo isso enquanto mantinha o projeto em segredo para quase todo mundo, exceto sua família e o editor. Esse é seu livro mais conhecido de uma lista impressionante de histórias, que incluem viajar com mendigos (Rolling Nowhere), se incorporar a imigrantes mexicanos sem documentos (Coyotes) e trabalhar para os ricos de Aspen como taxista e garçom (Whiteout: Lost In Aspen).

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Entrar em Sing Sing não foi tarefa fácil – Conover teve de passar por um processo de treinamento militar que incluía respirar muito gás lacrimogêneo –, e ele ainda passou mais de dez meses trabalhando lá. Como ele escreve em Newjack: Guarding Sing Sing: "Eu era como minha amiga que trabalhava num posto de gasolina. Mesmo depois que ela voltava para casa e tomava banho, você ainda conseguia sentir o cheiro de gasolina nas mãos dela. A prisão entrou na minha pele, embaixo dela. Se você ficar muito tempo ali, um pouco disso acaba entrando na sua alma".

Nos 15 anos desde a publicação de Newjack, Conover continuou escrevendo sobre prisões, indo recentemente a Guantánamo (sua segunda visita) a fim de cobrir o confinamento solitário. A VICE falou com Conover sobre o que o fez embarcar nesse projeto, como a experiência o afetou e como ele vê o estado atual do encarceramento nos EUA.

VICE: Li Newjack logo que o livro saiu e fiquei impressionado com a história em si e com o fato de você ter conseguido fazer isso. Você pode falar um pouco sobre por que quis escrever essa história?
Ted Conover: Me interessei pelo assunto quando mudei do Colorado para Nova York e notei todas as manchetes sobre o número recorde de pessoas presas – tive a sensação de que esse era um território não mapeado. A Guerra às Drogas criou algo inesperado, essa classe gigante de pessoas presas. E eu pensei: "Como posso contribuir com a discussão e, talvez, a solução?". Então, saí procurando os melhores livros sobre prisões, e todos eram escritos por prisioneiros: Mumia Abu Jamal, George Jackson, Eldridge Cleaver e o cara que Norman Mailer ajudou a libertar, Jack Henry Abbott. Prisioneiros inteligentes tinham escrito os melhores livros sobre prisão. E pensei: "Posso me tornar prisioneiro em algum sentido significativo?". Mas eu não via um jeito de fingir isso. Você comete um crime e vai à prisão – ou não. Comecei a pensar quanto os guardas deviam saber sobre as prisões, porém, como eles nunca escreveram sobre isso ou ninguém se interessou pela história deles, não havia livros. Primeiro, pensei em escrever sobre uma família de um guarda de prisão, filhos, filhas, tios e tias. Entretanto, o Estado não me deixou trabalhar com familiares dos guardas, nem mesmo os guardas, de maneira significativa. Eles me permitiriam uma única visita a uma determinada prisão – mesmo sendo um trabalho para a New Yorker. E pensei que isso não era bom o suficiente e também que não era certo: isso não era a CIA ou algum segredo de Estado. Não havia justificativa para manter o público de fora. Nova York é o segundo maior empregador atrás da corporação Verizon; ou seja, por que não podíamos saber o que estava acontecendo lá? Logo, achei justificado me inscrever para um emprego como guarda sem declarar minhas verdadeiras intenções. Além disso, eu seria pago para essa pesquisa porque realmente estaria trabalhando – e isso vinha com plano de saúde e outros benefícios. A parte difícil era esperar tempo suficiente para ser contratado. E, quando eu estivesse no emprego, a parte difícil seria aguentar isso e saber que eu provavelmente precisaria ficar um ano para ter algo significativo, para realmente chegar a outro nível em termos de [ter a capacidade de] escrever algo com a autoridade de quem viveu isso.

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De tudo que você viu, que foi muita coisa, o que ficou na sua memória?
É uma boa pergunta. Há dezenas de coisas. A coisa que veio à minha mente agora foi a imagem de um prisioneiro com problemas mentais sentado na cama, se balançando pra frente e pra trás. Eu e meu colega dizíamos: "Esse cara não deveria estar aqui, certo?". Na linguagem da prisão, ele é um inseto. Ele nem está presente mentalmente. Por que ele tem de ficar aqui, se balançando numa cela o dia inteiro? Era em momentos assim que a prisão parecia profundamente errada.

Por outro lado, teve o dia em que o Online Inmate Lookup entrou no ar. Digitei os números de alguns prisioneiros que eu tinha conhecido, incluindo um cara branco de meia-idade que parecia um contador. Imaginei que ele tinha sido pego em algum esquema financeiro bizarro – foi isso que ele me disse, pelo menos. Só que procurei o número dele, e ele estava preso por sodomia em terceiro grau, que é abuso sexual de alguém menor de – não lembro direito – 13 ou 14 anos. Ele era um pedófilo terrível.

Você tem relações nas duas direções. Você vê pessoas que fizeram as piores coisas e pessoas de quem tem pena. E você precisa conciliar isso como ser humano, porque seu trabalho é tratá-los do mesmo jeito, o que, devo dizer, é difícil depois de você descobrir os crimes das pessoas. [Ao descobrir], você responde de maneira diferente.

E para uma terceira e última imagem daquele ano: uma noite, meses depois que saí do emprego, eu estava na cama assistindo à TV, por volta da meia-noite. Eu tinha conhecido este prisioneiro chamado Habib em Sing Sing, que foi transferido para a ala geriátrica de outra prisão. Era a terceira condenação dele, e ele tinha se convertido ao Islã pelo caminho. Ele me falou que era inocente. Disse que tinha sido condenado por estupro quando tinha 60 anos. Como guarda, você aprende a pensar "Tá bom"; muita gente vai te dizer que é inocente. Mas ele tinha me dito que o advogado dele ia libertá-lo; e, na TV, apareceu o Habib, seu advogado e Barry Scheck, do Innocence Project, saindo da Prisão Greenhaven. Ele tinha sido libertado com base em provas de DNA. Estava ali bem na minha frente: um cara, que eu tinha ajudado a punir, era inocente. Perdi o fôlego. Fiquei impressionado que ele estivesse dizendo a verdade. E você não consegue pensar em si do mesmo jeito porque não ouviu alguém que estava falando a verdade. É uma experiência muito intensa – e, eu diria, bastante assustadora. Não sou uma pessoa grande fisicamente, e eu meio que tinha medo todos os dias e não mostrava isso. E, como você sabe pelo livro, depois que saí, comecei a ter pesadelos muito reais sobre aquele medo; assim, pude reconhecer isso, embora levasse um bom tempo para resolver essa questão. Essas são algumas coisas que ficaram comigo.

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O livro saiu 15 anos atrás. No aniversário do lançamento, você pensou de novo naquela época?
Sabe, acho que não foi com The Jungle, de Upton Sinclair, o jornalista com uma agenda reformista, sabe? Aquele livro é meio que o melhor cenário possível em termos de mudanças acontecendo. Foi quando inspeções de carne federais começaram por causa das revelações horríveis de The Jungle. Mas… não. Por alguma razão, [talvez] o sistema prisional americano está tão profundamente enraizado na nossa cultura, é algo tão capitalizado e tão parte do sistema de justiça criminal, que não consigo apontar reformas específicas que meu livro gerou. Muitos livros sobre prisão saem todos os anos, porque as pessoas educadas (editores e leitores) sabem que temos um grande problema; portanto, eles querem falar sobre isso e imaginar como podemos resolver. No entanto, atualmente, isso parece intratável. Os últimos meses realmente sugerem que há uma oportunidade surgindo para mudar o jeito que as coisas são, sabe? Toda a conscientização sobre o caráter racial do encarceramento nos EUA, o Black Lives Matter e o livro de Michelle Alexander, The New Jim Crow, realmente abriram os olhos das pessoas para esse lado. Só que o conserto não é algo simples.

Como você vê isso se desenvolver em termos de prisões e encarceramento? Isso está chamando atenção para essas questões? Como você comentou, o sistema de prisão é tão imenso que parece não haver como sair disso; apesar dessa situação, agora poderia ser o momento?
Sim, realmente acho que é o momento de fazer isso. Quer dizer, acho que uma tese ainda mais forte que a de Michelle Alexander é que a prisão é uma discriminação contra os pobres e a questão racial do encarceramento nos EUA reflete nossa sociedade mais amplamente como uma subclasse em crise perpétua e com várias maneiras em que as pessoas nessa classe podem acabar com problemas. Talvez por ter trabalhado numa prisão com uma história tão longa, eu passei muito tempo lendo sobre o período no século 19 no qual os irlandeses eram desproporcionalmente presos nas cadeias de Nova York, por exemplo. E talvez houvesse um preconceito nacional contra eles, mas outro jeito de olhar para isso é que eles eram pobres. E pessoas pobres cometem mais crimes, geralmente contra si próprias. A ideia de que nossas prisões são uma conspiração que busca uma demografia específica, não sei se acredito nisso. Mas que essa demografia em particular é desproporcionalmente encarcerada – é indiscutível.

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Sim, embora questões de pobreza, educação e acesso a serviços, que afetam essas populações especificamente, não conheçam fronteiras raciais. As questões que você viu quando trabalhou lá mudaram hoje ou continuam do mesmo jeito?
Não acho que mudaram muito. Dependemos, por exemplo, do confinamento solitário numa extensão macabra. Digo, muito além de qualquer outra nação, somos profundamente comprometidos com a segurança máxima, até o ponto de encerramento virtual em cubos de metal. O que fizemos construindo prisões de segurança máxima na maioria dos estados. Uma coisa que nunca previ é que Newjack me daria essa qualificação para escrever sobre a Guerra ao Terror, mas, logo depois do 11 de Setembro, ficou claro que um dos grandes resultados do ataque às Torres Gêmeas foi a maneira como lidamos com as pessoas que capturamos. Abu Ghraib, no Iraque, é um exemplo, porém o maior exemplo é Guantánamo.

Um ano depois que os primeiros prisioneiros afegãos foram mandados até lá, visitei a prisão para a revista New York Times; além disso, voltei para lá no ano passado para a Vanity Fair, dessa vez a fim de escrever sobre confinamento solitário, pois achamos que essa é a melhor maneira de prender pessoas realmente más. E, com Guantánamo, tornamos isso ainda pior, removendo qualquer processo ao redor disso. Em Sing Sing, se um cara cuspia num guarda, esfaqueava outro prisioneiro ou era pego com um monte de heroína, ele era levado para a caixa por um período determinado: talvez 90 dias, talvez 24 meses – essa seria uma sentença muito longa. Mas outros estados têm versões extremas disso: Louisiana, Califórnia e Texas mantêm pessoas na solitária indefinidamente. Isso tem sido desafiado no tribunal, e, nesta semana, acho, a Califórnia concordou em mudar algumas de suas práticas sobre confinamento indefinido na caixa. No entanto, acho que essa parte só piorou desde que trabalhei como guarda. Novamente, estamos num momento cultural em que as pessoas estão um pouco mais conscientes disso. Se sentir mal sobre isso é um problema quando você trabalha na prisão, porque todo mundo assume, como você sabe pelo livro, que você carregue um estigma por trabalhar ali. Isso torna o trabalho mais difícil – pensar que o resto do mundo te acha brutal. Então, melhorar o sistema ajudaria todos de muitas maneiras.

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Algumas pessoas argumentam que os EUA estão se afastando do sistema de cadeias maiores e confinamento solitário, enquanto o Canadá abraçou isso totalmente. Só que isso é verdade? Os EUA estão questionando o sistema?
Acho que sim, parcialmente porque isso é muito caro. Custa muito dinheiro fazer tudo para um prisioneiro – e, quando estão na solitária, eles não podem fazer muito por si mesmos. O trabalho é muito caro, os prédios são muito caros para construir e gerenciar. E parece que os governos locais não têm todo esse dinheiro para jogar fora hoje em dia. Ou seja, essa é uma pressão para fazer a maré mudar um pouco. E outra é que, mesmo enquanto a taxa de encarceramento tinha atingido um pico em 2008, gosto de pensar que isso marca o balanço do pêndulo, mesmo que lentamente, para outra direção. Em direção a um envolvimento maior com os transgressores: menos trancar a porta e jogar a chave fora, menos tratamento punitivo, especialmente com criminosos envolvidos com drogas. Parece que há um consenso de que passamos do limite com sentenças obrigatórias, e o resultado é esse sistema incrivelmente injusto. Espero estar certo quando digo que acho que essas coisas estão começando a ir à outra direção. E espero que o Canadá trilhe esse caminho mais rápido do que nós.

Outra parte disso é a questão das doenças mentais e como isso se desenvolve quando se trata de confinamento solitário.
Certo. Isso é uma receita para dissolução mental, para prejudicar as pessoas emocional e espiritualmente. É um jeito de quebrar essas pessoas, isso não cura ninguém. Se há uma cura acontecendo em encarceramento de longo prazo, é que as pessoas saem mais velhas e com menos vontade de lutar. Mas só porque ficaram mais velhas, não por algo que a prisão fez por elas. Como norte-americanos, deveríamos ser aqueles ainda sonhando com ideias originais de como organizar nossa sociedade. Por isso é tão chocante para mim que estejamos tão atrás de outros países industrializados quando se trata de encarceramento.

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Tem alguma coisa que você faria diferentemente? Você abordaria isso de outra maneira se tivesse de fazer tudo de novo?
Eu tenho de fazer isso de novo?

Sim, tenho esta ideia para uma série da VICE: Ted volta à prisão.
[risos] Não tenho muitos arrependimentos sobre essa experiência. Acho que fiz isso do jeito certo. Achei que isso seria difícil, porém fiquei por dois anos. Também achei que iria escrever um livro mais profundo e mais impactante. Na verdade, essa foi uma reclamação que ouvi de vários guardas mais velhos de Sing Sing quando publiquei o livro: "É um livro bom, embora você seja só um novato; então, por que as pessoas deveriam te ouvir?". Acho que a perspectiva de novato é uma das razões para o livro funcionar, pois isso não parece normal para mim – tudo parecia estranho e fodido. É um equilíbrio: imaginar se você está fazendo as coisas do jeito certo. Entretanto, não tenho nenhum arrependimento sobre isso. Isso me derrubou de certas maneiras, mais fisicamente que espiritualmente, mas acho que o resultado valeu a pena.

Sei pelo epílogo do seu livro que, quando ele foi lançado, autoridades do alto escalão ficaram putas por você ter conseguido acesso. E, ainda assim, guardas e prisioneiros apreciaram que você tenha contado a verdade. Como a reação ao livro mudou com os anos?
Ainda sou abordado toda semana (pelo menos) por pessoas que leram o livro pela primeira vez, e essas pessoas são parentes de prisioneiros ou pessoas que cumpriram pena. Elas dizem "Obrigado por esse livro. Isso me ajudou a entender pelo que meu marido passou". Ou "Obrigado por esse livro, porque parece que cumprir pena na Austrália é muito parecido com cumprir pena nos EUA". Ou um professor de escola pública dizendo que você não acreditaria como isso lembra a vida dele, o que é muito preocupante de se ouvir. Mas, principalmente, são esses leitores ou pessoas que tiveram de ler o livro para a escola: [elas são] as pessoas que realmente gostaram da escrita e que querem fazer contato. Houve alguns espasmos de raiva, especialmente no Estado de Nova York, quando o livro saiu, e [também houve raiva] de alguns profissionais correcionais que não concordaram com a maneira como descrevi algumas coisas. No entanto, agora ouço principalmente coisas boas. E ouço que o livro ainda é relevante, o que me deixa feliz e triste ao mesmo tempo.

Esta entrevista foi editada para lhe dar maior clareza.

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Tradução: Marina Schnoor

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