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A solução para ataque de reviews negativos ignora antigos problemas do Steam

Novas mudanças podem incentivar as 'review bombs' e destacam a relutância da Valve em contratar humanos para lidar com problemas humanos.

Matéria originalmente publicada no Waypoint.

Apesar de sua influência na indústria de games para PC, a Valve não é uma empresa conhecida por agir por reflexo, mesmo sob pressão. Eles preferem agir de maneira lenta, discreta e muitas vezes frustrante. Sem sair do personagem, a empresa anunciou semana passada uma mudança nas reviews dos usuários no Steam, em resposta ao conceito agora popular de "ataque de reviews negativos". Em vez de abordar os problemas da plataforma em moderar usuários tóxicos, a solução da Valve é baseada em dar mais dados, permitindo que as ataque de reviews existam, e fiquem belamente destacadas num gráfico.

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O Steam é um serviço incrivelmente útil que uso todo dia, mas como empresa, a Valve já deixou sua filosofia clara: 1) Achar que mais dados pode solucionar problemas humanos e 2) Achar que os consumidores são tão atentos que vão procurar o contexto se tivessem mais dados.

Consolidação de mercado tem muitas consequências, incluindo garantir aos consumidores a chance de usar essas plataformas como arma. Uma das táticas mais usadas é expressar descontentamento com o que o criador do jogo faz ou diz fora da plataforma escrevendo reviews negativas, as "ataques de reviews". Concentrando uma explosão de reviews negativas de uma vez, isso permite derrubar a nota geral do jogo. Se tem sucesso, uma bomba de reviews pode fazer alguém que topa com o jogo não comprar o título por causa da nota geral. Isso é comum em lojas como a Amazon e o Steam, e recentemente o portal da Valve foi vítima de dois incidentes que chamaram a atenção.

Quando o ex-roteirista de Half-Life Marc Laidlaw divulgou secretamente um resumo do que o Half-Life 2: Episódio 3 poderia ter sido, fãs descontentes atacaram Dota 2 com reviews negativos. E quando a desenvolvedora de Firewatch, a Campo Santo, exigiu que PewDiePie tirasse o vídeo de seu jogo do ar em resposta ao YouTuber ter usado gíria racista no ar, Firewatch começou a receber milhares de críticas negativas de jogadores repentinamente infelizes com o jogo que compraram.

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(No Steam, você só pode analisar um jogo que comprou e jogou por 20 minutos, mas é possível comprar, jogar por 20 minutos, escrever uma review negativa e pedir seu dinheiro de volta.)

"Decidimos não desafiar as maneiras como jogadores podem analisar os jogos", disse o designer de produtos da Valve Alden Kroll, "e em vez disso focar em como compradores em potencial podem explorar os dados de review".

A solução da Valve é um novo conjunto de dados para os usuários analisarem, um gráfico que rastreia o histórico dos reviewss de um jogo. Aos olhos da Valve, isso permitiria que compradores visualizassem se uma pontuação negativa é uma anomalia (um ataque reviews) ou se indica mesmo a qualidade do jogo.

"Como comprador em potencial", disse Kroll, "é fácil notar distorções temporárias nos reviews, investigar por que a distorção aconteceu, e decidir se isso é algo com que você se importa. Essa abordagem tem a vantagem de nunca impedir que alguém submeta um review, mas exige um pouco mais de esforço dos compradores em potencial".

O que o gráfico não faz, infelizmente, é explicar por que o ataque de reviews aconteceu. Para isso, a Valve espera que os usuários façam sua lição de casa e pesquisem o que causou o pico numa direção ou outra. (A Valve afirma que seus dados fazem os ataques desaparecerem, com as notas dos usuários se revertendo à forma original.)

Veja o gráfico de Firewatch, por exemplo:

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Primeiro, o gráfico não aparece na página do jogo no Steam por padrão. Você precisa clicar em "mostrar gráfico", o que significa que a maioria das pessoas nem vai ver.

Segundo, a ideia de que um usuário do Steam vai tirar um tempo do seu dia para bancar o repórter amador e descobrir o mistério por trás de um pico de reviews negativos é horrivelmente ingênua. Mesmo como repórter profissional, muitas vezes confio na média de reviews do Steam para me ajudar a entender se um jogo vale a pena conferir ou não. Ataques dependem da preguiça casual para serem eficientes; quando um ataque acontece, vários usuários vão olhar rapidamente para a nota média e desistir de comprar um jogo.

Como donos de plataforma, o trabalho da Valve é tornar seus serviços mais úteis.

Mesmo que qualquer busca no Google por Firewatch mostre várias matérias sobre o que aconteceu nas últimas semanas, não tem nada no Steam em si que aponta nessa direção. Algo quebrou o equilíbrio do jogo, introduzindo problemas de taxa de quadros? Um conteúdo disponibilizado recentemente é confuso? O Steam poderia acrescentar alguma utilidade ao gráfico dando links de matérias, fornecendo contexto.

A reação de desenvolvedores com quem falei até agora não tem sido positiva.

"Parece que eles querem fugir da responsabilidade", disse o gerente da comunidade Double Fine James Spafford no Twitter, "isso coloca o ônus de descobrir se um grupo está spammeando ou não sobre o novo consumidor. Eles basicamente estão dizendo 'Temos todos esses dados e podemos detectar ataques, toma pra você!' Lavando suas mãos sobre a questão e indo embora".

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Talvez o mais preocupante é como a visualização dos sucessos ou fracassos desses haters pode ser um incentivo para outros se envolverem em atividades similares. A remoção de ataques pode não impedir esses grupos de tentarem de novo, mas tornar essas atividades parte do histórico acrescenta uma legitimidade que não estaria aí se eles simplesmente apagassem tentativas tóxicas de influenciar os reviews.

'Firewatch' foi universalmente elogiado por críticos e jogadores. Recentemente suas análises no Steam se tornaram "mistas" como parte de uma campanha contra a desenvolvedora.

"Não entendi direito como dar mais exposição a ataques negativos, um registro permanente delas, e gameficar isso com um gráfico, pode consertar as coisas", acrescentou o designer do No Goblin ( 100 ft. Robot Golf) Dan Teasdale no Twitter. "Depois de ver isso na loja, parece ainda pior. Colocar uma grande faixa dizendo 'OLHA SÓ ESSE ATAQUE DE REVIEWS!' não pode ser positivo."

"Essa ferramenta provavelmente só vai ajudar os caras que fazem ataques a entender quão eficiente ou não são suas críticas", disse o editor da PC Gamer Evan Lahti no Twitter. "É um feedback melhor. Pense em jogadores usando as estatísticas como 'prova' – para o bem ou para o mal, vamos ver esses gráficos recortados e compartilhados como munição."

Na postagem de Kroll sobre a decisão da Valve, ele explicou por que eles se decidiram a não remover os reviews inteiramente ("A exigência de um resumo de algum tipo provavelmente vai continuar ali, mesmo se os jogadores sabem que não está sempre correto"), fechar temporariamente os envios de reviews ("Não gostamos da maneira como isso acaba restringindo a capacidade dos jogadores de terem suas opiniões ouvidas"), ou mudar o tempo em que uma média de reviews é calculada ("Fazer isso provavelmente resultaria em mais flutuações para todos os jogos, não só para os que foram atacados").

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Talvez a conclusão da Valve seja razoável, mas falha em abordar uma crítica antiga sobre a plataforma no geral: a percepção equivocada da Valve de que tudo se resolve com dados.

A Valve é uma empresa privada, e portanto não revela quanto lucra, mas estimasse que os lucros anuais do Steam estejam perto de um $1 bilhão. Apesar dessa soma enorme, a Valve continua gerenciando o Steam como boteco de esquina, sem recursos para fornecer qualidade de vida em seus servidores para desenvolvedores e usuários. A solução para os ataques não é um gráfico, é uma equipe de moderadores prestando atenção nos fluxos de reviews de usuários, abordando cada caso individualmente.

Escrevendo sobre Artifact , o novo jogo de troca de cartas da Valve baseado em Dota 2, o jornalista Will Partin resumiu a tradição da empresa de se distanciar das consequências de seus produtos e jogar o fardo sobre os usuários:

Sem ir muito longe no jargão acadêmico, a Valve é um exemplo do chamado " capitalismo de plataforma ". Em vez de desenvolver produtos, empresas trabalhando assim criam espaços onde diferentes tipos de trocas podem ser feitas, e depois tiram uma porcentagem dessas trocas. O Steam é um grande exemplo disso.

Apesar de ter começado meramente como uma ferramenta para manter os próprios jogos da Valve atualizados, ele rapidamente se expandiu para um serviço focado principalmente em distribuição e em facilitar o comércio entre os usuários. Como Gabe Newell explicou em 2013: "nosso trabalho é maximizar a produtividade dos usuários em criar bens e serviços digitais. Os mercados vão determinar qual o valor marginal de cada uma dessas atividades".

O gráfico não é inútil, mas é uma solução meia-boca para um problema que destaca questões maiores encaradas pelo Steam, enquanto a plataforma continua a crescer. São questões que a Valve fez pouco para abordar nos últimos anos, e esse último "conserto" só torna essa falta de conexão mais evidente.

Talvez fosse mais fácil contratar pessoas para dizer quando os usuários estão sendo cuzões, não?

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