Tudo que aprendi no curso de tarô
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Relato

Tudo que aprendi no curso de tarô

Esquece aquela imagem da cartomante de saias longas e esvoaçantes e lenço com moedas douradas em volta do cabelo.

Durante cinco meses desse ano, uma vez por semana, duas horas por aula, fui aluna de um curso que me iniciou no aprendizado das 78 cartas do tarô de Marselha.

Desde a minha adolescência sentia curiosidade em relação às práticas esotéricas. Com uns trocados, comprava as previsões astrológicas para o ano de 1993, revistas sobre cristais e seus poderes de cura e, com um pouco de medo, o baralho cigano. Uma publicação tosca em papel de baixa qualidade com cartas para recortar e textos básicos sobre como interpretá-las. Eu "lia" essas cartas trancada no quarto pouco à vontade, caso minha família de católicos não praticantes visse.

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Depois de um tempo, perdi o interesse. Até conhecer o I Ching me encantar por um novo oráculo. Mas a real é que o I Ching é bem difícil de interpretar. Talvez as metáforas podem ser melhor entendidas com muitos anos de prática.

Foto: Erika Morais

O meu interesse em especial no tarô de Marselha já existia nessa mesma época de curiosa leitora superficial de Jung. O interesse ressurgiu quando comprei O Caminho do Tarô, do tarólogo, cineasta, poeta, gênio louco, o chileno Alejandro Jodorowsky. A leitura do livro me levou até as cartas e as cartas até o curso.

Primeira coisa: esquece aquela imagem icônica da cartomante de saias longas e esvoaçantes e lenço com moedas douradas em volta do cabelo. Aqui falamos de sala de aula, ar-condicionado, carpete, apostilas e alunos de diversas formações.

O curso que acontece todo semestre é basicamente dividido em três partes, os estudos dos arcanos maiores e menores — que são, respectivamente, as 22 cartas que representam diretrizes mais amplas e 56 cartas com naipes, números e figuras da corte, que detalham e enriquecem a compreensão — intercalados com aulas de tiragens e interpretação. Durante todo o curso também é falado sobre ética e profissionalização dos tarólogos.

Nas primeiras aulas, vemos como tarô está enraizado na nossa sociedade. Presente nos mitos antigos, passa por conexão íntima com a psicologia, e o seu caminho se cruza com a cultura pop. Cada vez que a professora citava Hermes Trismegisto, mentalmente eu só conseguia cantar na citação de Jorge Ben.

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Sobre a origem do tarô, mais suposições do que certezas. Há teorias de que passam pelo surgimento no Egito, Índia, Persa até chegar na Europa de meados do século XIV.

"Se 'o passado dita o futuro', o tarô é um ótimo instrumento de investigação do que já foi."

O contato com meus colegas de sala de aula me mostrou que a maior parte das pessoas procura o tarô para saber basicamente sobre amor e trabalho. "Esse relacionamento vai dar certo? ", "Vou conseguir mudar de emprego? ", "Meu colega de trabalho está apaixonado por mim?". E quem faz o curso, na maioria das vezes quer ter essas respostas para si, para amigos ou para ganhar algum dinheiro.

Eu não estava tão preocupada com esse tipo de resposta. Dos principais usos do tarô — a previsão e o aconselhamento —, estive a maior parte do tempo focada no segundo. O que muitos chamam de "função terapêutica" era o que me atraia mais. Se "o passado dita o futuro", o tarô é um ótimo instrumento de investigação do que já foi.

Uma das coisas mais legais que aprendi no curso foi justamente a quebra de um tabu que afasta muita gente que tem curiosidade sobre o oráculo: o "medo" do que as cartas vão dizer. É verdade a máxima que diz que "as cartas não mentem", mas o tarô, enquanto conselheiro, pode te ajudar a mudar um caminho, ainda que cada um seja responsável por suas decisões.

E assim comecei a famosa jornada do Louco. O arcano sem número, o que caminha por toda a trajetória dos outros 21 arcanos maiores, d'O Mago, ao Mundo. Os arcanos maiores são conhecidos de todos nós: A Morte, O Diabo, A Roda da fortuna, A Temperança, já carregam significados arquetípicos por si só. É claro que há muito mais complexidade por traz de cada lâmina, os números, os elementos, as cores e a combinação com outras cartas em uma leitura precisam de um olhar experiente e da sensibilidade do tarólogo.

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A sensibilidade aqui não deve ser confundida com premonição. O tarólogo pode até ser um sensitivo, mas na maioria das vezes é um estudioso que interpreta as cartas. Como a maioria de nós não é adivinho, temos que conversar com o consulente. Uma leitura pode ter diversas interpretações, então, somente no diálogo chegamos em um acordo sobre o melhor caminho de leitura seguir. Nem tudo nessa vida é Sol, Estrela e Mundo. Assim como nem todo Enforcado, Diabo ou Torre carrega necessariamente mau agouro. Por mais que a gente saiba da "má fama" desses arcanos, há sempre boas lições para apresentar. Cabe ao tarólogo investigar se A Morte é um fim ou um recomeço. Uma transformação certamente é, mas em qual contexto?

Foto: Erika Morais

Depois de estudarmos os 22 arcanos maiores, seguimos para os menores que, por possuir a estrutura básica do baralho de jogos, já me era familiar. Aprendi na minha família de católicos não praticantes o que cada símbolo das cartas significava nos jogos: ouro, paus, copas e espadas. Associá-las aos elementos terra, fogo, água e ar foi o primeiro passo, seguido de conhecimentos básicos de numerologia. As figuras da corte completam o intenso estudo das 78 cartas do tarô de Marselha.

Durante as aulas de tiragem conhecemos algumas das formas mais difundidas, mas aqui fica claro: não se prendam ao método. Ele é importante, mas não existe "certo" ou "errado". Se a mão é a direita, ou a esquerda, se as cartas são embaralhadas de um jeito ou de outro. Contanto que a decisão seja previamente definida. Só não vale mudar a função da posição da carta depois de o jogo tirado.

Qualquer pessoa pode interpretar as cartas, desde que se prepare e há também os autodidatas. Mas o curso te dá a vantagem de, além de ouvir os relatos de alguém com mais experiência, no caso da professora Luiza Papaleo, com mais de 20 anos de leituras, trocar impressões com outras pessoas que estão em um nível parecido de conhecimento que o seu.

Uma coisa que a Luiza repetia muita em aula: "se não gosta de gente, se não tem curiosidade sobre o ser humano, não faz sentido ser tarólogo". Não estamos em tempos fáceis para curtir o ser humano, eu sei, mas se começar por gostar de você mesmo e quiser se investigar, já é um primeiro passo.

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