Por dentro dos grupos pró-Bolsonaro e Haddad
Todas as imagens são reprodução do WhatsApp.

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Entretenimento

Por dentro dos grupos pró-Bolsonaro e Haddad

Uma imersão virtual no universo dicotômico de seus eleitores.

As eleições de 2018 mexeram com nossos brios – independente de que lado estejamos. Nesse delírio coletivo, as redes sociais ganharam fôlego aumentando o abismo que nos separava de retomar o mínimo de controle. Segundo pesquisa do DataFolha, 44% dos brasileiros se informam sobre política por meio do WhatsApp – a deep web que, até então, não deixa rastros e que age sem a menor regulação de distribuição de informações e sem nenhuma checagem. Uma outra pesquisa feita pela Agência Lupa mostrou que apenas quatro das 50 imagens que mais estão rodando em centenas de grupos checados são verdadeiras.

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O WhatsApp, aliás, tem sido alvo de escândalos nessa corrida presidencial. Everton Rodrigues, da página Falando Verdades, foi bloqueado pelo próprio app após denunciar lista suja de grupos pró-Bolsonaro administrados por números dos Estados Unidos que disseminam fake news. Vale lembrar que Bolsonaro tem como conselheiro de campanha Stevie Bannon, estrategista de Donald Trump na Casa Branca. Na semana passada, um novo escândalo: o caixa 2 da campanha do militar foi descortinado pela jornalista Patrícia Campos Mello. Chegou ao Trending Topics brasileiro, sem a mesma reverberação na grande mídia.

Mas o quê, afinal, acontece dentro desses grupos? Quem está por trás deles e quais são as estratégias utilizadas por quem os lidera?

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Estive, durante a primeira semana do segundo turno, infiltrada dentro de seis grupos pró-capitão, utilizando dois comportamentos distintos: em três, apenas observei a movimentação, sem interagir; nos outros dois, participei ativamente, questionando e tentando abrir oportunidades de diálogo com os eleitores do PSL. Também estive em grupos pró-Haddad para entender os dois lados da moeda. A vivência, por vezes desgastante que uma presença online constante acarreta, trouxe à tona alguns achados que podem jogar luz à experiência virtual na qual estamos inseridos.

Um mergulho nos grupos de Jair Bolsonaro

Capitão Bolsonaro 17, Esperança Bolsonaro, Muda Brasil JB Presidente, Bolsonaro Nacional, Esse é o meu Brasil JB e Direita Bolsonaro grupo23. Seis grupos de apoio irrestrito a Jair Bolsonaro e a seu plano de governo. Em todos, lotação máxima: 256 pessoas, em maioria homens. Entre os grupos, um padrão: pouco diálogo, muita mensagem encaminhada – com destaque fortíssimo para as montagens. Não há tempo ou espaço para as trocas no um a um. É uma avalanche de compartilhamentos, 24 horas por dia. As únicas conversas geradas eram iniciadas pelos próprios infiltrados que, se passando por bolsonaristas, rebatiam de forma discreta as fake news, apresentando novas fontes aos casos. Ao menor sinal de divergência eram chamados de petistas, execrados e prontamente banidos dos grupos.

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Por duas vezes, tentei, em vão, tirar dúvidas sobre o plano de governo. Numa delas, insisti na pergunta e fui ignorada. Na outra, recebi a resposta “é fake”, sem mais explicações.

Perseguição a petistas e boicote de artistas apoiadores de Haddad também entram na conta de incitações constantes, como na reprodução abaixo, em que um usuário pede o boicote à "lacradora" Claudia Leitte.

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Outra prática corriqueira dentro desses coletivos é a instauração do terror. As técnicas são, basicamente, duas: compartilhamento de links para serem lidos e reencaminhados urgentemente sob o pretexto de que trazem escândalos que precisam ser divulgados antes que sejam censurados; e incitação de possíveis cenários caóticos baseados em notícias falsas – como fraude nas eleições. Neste último caso, o mote é sempre o mesmo: a retomada, considerada legítima e necessária, do poder, caso Bolsonaro não seja eleito.

Antipetismo e Lulismo são, de longe, os assuntos mais comentados. Escárnio e piadas de cunho homofóbico também ganham vez.

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E se entre os eleitores de Bolsonaro a moral é preocupação constante, quando invadem grupos pró-Haddad, tal discurso desmorona. Entre os compartilhamentos nos “grupos inimigos”, muita pornografia, sexismo e violência.

Apesar da pulverização regional desses grupos, os padrões observados acima seguem replicados. “É interessante notar que sempre aparecem núcleos que passam a repostar a mesma coisa. Eles tentam organizar, setorizar, mas o conteúdo é o mesmo. Não existe regionalização de fato porque não há discussão. Não se falam de temas locais”, diz João*, pós-graduando em marketing político e que segue infiltrado em grupos pró-Bolsonaro – um deles nomeado de “Comandante Ustra”, conhecido ex-chefe do DOI-CODI do II Exército, um dos órgãos atuantes na repressão política, durante o período da ditadura militar no Brasil.

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“Há grupos que reúnem administradores de outros grupos para a distribuição inicial dos conteúdos. Consegui entrar em um desses. Eles dão sempre a entender que existem superiores que passam inicialmente os conteúdos – o que faz todo o sentido, já que qualquer notícia que recebo em um grupo em poucos segundos já está em todos os demais”, completa Isaac Varzim, produtor cultural, também infiltrado.

Do outro lado da trincheira

A diferença dos grupos observados dedicados à eleição de Fernando Haddad já começa nos nomes – descolam-se, em sua maioria, do candidato para se aproximar a uma frente ampla pela defesa da democracia, sem partidarismos: Não petistas contra o Bolso, Economia e segundo turno, Argumentos Pq Haddad, Análise de conteúdo Bozo, Artivistas antifascistas, Grupão Digital #HaddadSIM. Neles, algumas regras são seguidas à risca: se um participante posta algo sem fonte, é logo questionado. Caso não tenha ou seja detectada fake news, a mensagem é deletada. Outro fator interessante é o número de integrantes: no máximo, 100 pessoas por grupo e um público formado quase que igualitariamente por homens e mulheres – embora sejam elas as mais ativas na comunicação.

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Entre o conteúdo, observa-se bem menos compartilhamentos e mais construção de ideias através de diálogos. Os objetivos principais dos coletivos são construção de argumentos para convencimento de votantes nulos, bolsonaristas e indecisos; produção de conteúdo independente pró-Haddad e criação de rede de informação e acolhimento sobre casos de violência.

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Para além desses, há uma série de grupos regionais para panfletagem e de grupos específicos de minorias que, preocupadas com um possível cerceamento de direitos e com a escalada da violência, reúnem-se como redes de apoio e resistência. É o caso do Autocuidado e Ativismo, nascido da demanda de mulheres que começaram a sentir a saúde mental se exaurir em meio ao cenário caótico instaurado. Nestes grupos, as demandas são mais direcionadas. Também trocam informações sobre a campanha e argumentos de convencimento, mas em paralelo seguem nutrindo um espaço seguro para depoimentos pessoais e acolhida.

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Vale observar que os encontros estão migrando do universo digital para o offline: seja para panfletar, seja para aprofundar a discussão, os grupos pró-Haddad têm se reunido presencialmente por todos os cantos do país. Além disso, demonstram interesse em continuar na resistência, caso os resultados do próximo domingo lancem Jair Bolsonaro à presidência da república.

E, por mais que pareça impossível, há sim chão comum entre os dois lados: o medo. “É uma constante tóxica. Fala-se de um novo ataque a Jair Bolsonaro, de golpe militar. O medo é a estratégia principal. Quando questionávamos a atuação da Cambridge Analytica nas eleições brasileiras, havia a dúvida de como seria essa atuação aqui, sendo que a grande fonte de fake news é o Whatsapp, e não o Facebook. Houve uma organização da deep web que a transformou numa cidade com ruas, avenidas, prefeitura e delegacia. Quanto mais tivermos acesso ao que está realmente acontecendo, mais podemos nos livrar dessa ansiedade e pensar com lucidez”, explica Varzim.

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Além dos muros

O que fica claro é que os grupos, de alguma forma, mimetizam o próprio tom de seus candidatos: no caso de Bolsonaro, combativo, escuso e, por vezes, violento; do lado daqueles que dizem lutar pela democracia, um espaço mais amplo de discussões, trocas e apoio. Com uma corrida presidencial que a cada dia ganha novas nuances e informações, as redes responsivas vão se adaptando instantaneamente a demandas e acontecimentos externos. É o que aconteceu, por exemplo, imediatamente depois do vazamento do escândalo do caixa 2: “No dia seguinte ao escândalo, os grupos morreram. Parece que realmente desligaram as máquinas”, diz Varzim.

Fica difícil prever as consequências de seu uso deliberado nessas eleições. Talvez ainda demoremos muito para rastrear todas as decorrências dessa esquizofrenia organizada. De bate pronto, o fato de que estamos vivendo um dos momentos mais frágeis da nossa democracia. É lá, nos porões da deep web, às escuras, que estamos tomando a decisão política mais importante dos próximos quatro anos. Temos, agora, poucos dias para entender qual papel gostaremos de interpretar nesse teatro. Ainda há tempo.

*O nome foi alterado a pedido do entrevistado.

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