Jornal fake news Bolsonaro
Foto do jornal via Flickr. Foto de Jair Bolsonaro: divulgação. Montagem: VICE Brasil.

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Eleições 2018

Os riscos que Jair Bolsonaro pode representar à imprensa

Ao deslegitimar o jornalismo, o presidenciável ameaça a liberdade de imprensa e dá respaldo a agressões a repórteres.

No início de setembro, publiquei uma matéria sobre Eduardo Bolsonaro que teve grande repercussão. O texto, que admito ter escrito com boa dose de ironia, discutia o passado do agora deputado federal mais votado da história do Brasil como um jovem rolezeiro do Rio de Janeiro que, ao longo de 15 anos, se tornou um reaça de terninho. A matéria chegou longe e, no dia seguinte, quando abri minha caixa de e-mails, percebi o quanto: meia dúzia de eleitores de Eduardo e de seu pai vieram me ofender pelo texto.

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Uma das mensagens, intitulada “Passaporte para a Venezuela”, dizia: “Aceite o Presidente Bolsonaro em 2019! Está infeliz com o Brasil mete o pé mas não fique enchendo com matéria de baixo nível”. Outra era mais pessoal: “Que vergonha. Péssima jornalista!”

Fiquei surpresa com os e-mails, mas percebi rapidamente que eu estava longe de ser a única jornalista a receber retaliações por reportagens sobre a família Bolsonaro. A repórter Amanda Lima, funcionária da Rádio Missioneira, da pequena cidade de São Luiz Gonzaga, no interior do Rio Grande do Sul, sofreu com situação parecida na última semana. Depois de ter feito reportagem sobre uma carreata em apoio a Bolsonaro no município, chegou aos ouvidos de um dos superiores de Amanda que ela teria “tentado sabotar” a manifestação. A acusação teria partido do presidente local do PSL, partido de Bolsonaro, que a repórter não quis identificar por nome.

“Ele disse que tinha imagens minhas na polícia, onde — na cabeça dele — fui pedir ao comando que não autorizasse a carreata. Não fui ao local e, de toda forma, essas imagens não poderiam ser divulgadas e enviadas sem autorização”, fala Amanda. “Quando fui falar com ele [pelo WhatsApp] novamente, após não tê-lo encontrado na sede do partido, ele disse que foi um engano. Acontece que ele ficou sabendo que se enganou, mas mesmo assim seguiu na história e não informou a mim ou ao meu chefe que era mentira. Enquanto isso, a cidade toda sabia do boato.”

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A aversão de Jair Bolsonaro e seus aliados à imprensa não é notícia nova. Em julho, durante o programa Roda Viva, o presidenciável afirmou ser vítima das tão temidas “fake news” quando perguntado sobre uma reportagem do jornal suíço Tribune de Genéve que o acusou de racista, misógino e homofóbico. No domingo (7), quando passou a concorrer pela presidência no segundo turno das eleições junto a Fernando Haddad (PT), não compareceu à coletiva de imprensa montada num hotel na Barra da Tijuca, preferindo fazer um pronunciamento em sua página do Facebook, em que prometeu acabar com “todo o ativismo” no Brasil.

O caso das ameaças a Amanda, junto a outros 136 similares, aparece na lista de agressões a comunicadores em contextos político, partidário e eleitoral acontecidos neste ano, compilados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). De acordo com a lista, pelo menos 30 dos casos teriam partido de apoiadores de Bolsonaro ou foram feitos em reação a reportagens sobre o candidato. O levantamento de agressões e ameaças a jornalistas vem sendo feito desde as Jornadas de Junho de 2013, mas teve alguns picos desde então, segundo o presidente da associação Daniel Bramatti. Alguns deles foram o impeachment de 2016 e a prisão do ex-presidente Lula no início do ano.

“Não gostaria de manifestar alguma preocupação específica com relação a candidato A ou B, mas estamos preocupados com qualquer tipo de discurso que deslegitima a imprensa e seus profissionais”, fala Bramatti à VICE. “Encaramos com muita preocupação quando algum político acusa a imprensa de estar trabalhando para espalhar informações falsas, ou de estar favorecendo X ou Y.”

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A esses propósitos, Bolsonaro faz sua parte. Em novembro de 2017, o deputado criticou a jornalista d'O Globo Miriam Leitão por uma coluna publicada no jornal. “Míriam Leitão diz que Bolsonaro não sabe nada sobre economia. Esta faz juz ao sobrenome!”, publicou no Twitter. “Miriam Leitão, a marxista de ontem, continua a mesma. Se eu chegar lá vai querer lamber minhas botas, como fez com todos que chegaram ao Poder. Seu lugar é no chiqueiro da História”, dizia outro tuíte.

Em setembro deste ano, em época de corrida presidencial, o candidato pediu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um direito de resposta e a exclusão de reportagens publicadas pela Folha de S. Paulo que denunciavam uma funcionária fantasma do gabinete de Bolsonaro, que mantinha uma barraca de açaí que funcionava durante seu expediente. O TSE negou o pedido. Já no domingo de eleições, Bolsonaro e seus familiares espalharam pelas redes sociais notícias falsas sobre manipulação da urna eleitoral. Mesmo com a Justiça Eleitoral e a imprensa afirmando que se tratavam de montagens e denúncias vazias, os políticos mantiveram a posição de que eram vítimas de conspiração. A estratégia é simples: botar em descrédito a instância jurídica eleitoral e os veículos de comunicação.


Assista ao nosso documentário 'O Mito de Bolsonaro':


A descrença na imprensa como instituição, no entanto, não é exclusividade dos eleitores de Bolsonaro. Segundo dados coletados pelo ICJBrasil (Índice de Confiança na Justiça) em 24 de outubro de 2017, a confiabilidade nas Emissoras de TV (-9%) e Imprensa Escrita (-5%) no Brasil caíram em comparação ao relatório de 2016. Bramatti destaca três principais razões para isso: a crise do modelo de negócios da imprensa tradicional, que encolhe redações em vez de inflá-las; a horizontalidade da internet, que abriu a possibilidade de qualquer pessoa ser um publicador em potencial; e governos autoritários ao redor do mundo que elegem a imprensa como alvo, como por exemplo o de Donald Trump nos Estados Unidos.

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“[Trump faz] acusações que não são baseadas em dados reais e que têm objetivo político: o de enfraquecer certos setores da imprensa, que não são os setores que concordam com tudo o que ele faz”, diz. “Um governante autoritário pode minar a imprensa e fazer com que ela perca influência dentro de um regime com aparências democráticas, mesmo que ele não promova mudanças na legislação que proíbam a circulação de determinado conteúdo.”

Para Leandro Demori, editor-chefe do The Intercept Brasil, é isso o que Jair Bolsonaro tenta fazer mesmo antes de ser oficialmente eleito. “O Bolsonaro capitaliza toda essa descrença [na imprensa] e a usa como uma arma de guerra política. O discurso é praticamente de incentivo à agressão desses profissionais. Não partindo dele diretamente, mas de seus eleitores e cabos eleitorais”, fala. “Quando já existe esse intuito de agredir o jornalista por discordar do que a pessoa publica ou somente pelo fato dela ser jornalista, essas pessoas vão se sentir mais livres para o fazerem porque terão seu líder máximo eleito como presidente da nação. Parece óbvio que esse discurso vai ser mais naturalizado.”

Demori destaca que há medidas que podem ser tomadas por vias democráticas para ameaçar sufocar a liberdade de imprensa, como o pedido de exclusão de reportagens ao TSE de Bolsonaro e a Ação Direta de Inconstitucionalidade feita pela Associação Nacional de Jornais (ANJ) no STF em 2016, com o pedido de classificar sites jornalísticos de origem internacional como “imprensa estrangeira”, de modo a restringir sua atuação no país.

Além da declarada aversão à imprensa, Bolsonaro teve sua aparição nela diminuída pela impossibilidade de participar de debates devido ao ataque com faca que sofreu durante a campanha — ausência essa que, talvez, tenha o favorecido no fim.

“Todas as vezes em que [Bolsonaro] é confrontado ele se embanana, se enrola na própria língua. É um cara absolutamente despreparado. É muito compreensível que um despreparado como ele tenha medo da imprensa”, fala Demori. “Existe boa e má imprensa, imprensa honesta e desonesta, mas o grosso da imprensa ainda é bom, honesto e correto. Se erra, erra sem querer. Bolsonaro e seus seguidores querem passar a impressão para a população de que a imprensa erra de propósito, de que ela produz notícias falsas de propósito. Isso mostra todo o medo que ele tem do escrutínio da imprensa.”

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