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Pessoas estão bebendo ayahuasca para tratar doenças físicas

A droga psicodélica pode mudar a percepção da dor?
Foto: Jaime Razuri / Getty Images

Abigail, uma fiscal ambiental de 39 anos do Texas, nos EUA, tentou quase todo tratamento possível para sua cistite intersticial – uma condição caracterizada por dor na bexiga e vontade frequente de urinar – quando cruzou com um podcast de uma mulher que tinha tratado sua incurável doença do tecido conjuntivo com ayahuasca, uma bebida alucinógena feita com o cipó amazônico Benisteriopsis caapi. Depois que tentativas com acupuntura e até procedimentos invasivos como instilação intravesical fizeram pouco por Abigail, ela encontrou esperança na história dessa mulher e se inscreveu num retiro de ayahuasca de nove dias.

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Durante suas duas primeiras cerimônias com ayahuasca – onde as pessoas bebem a substância e xamãs cantam – Abigail não sentiu nenhuma diferença em sua bexiga, mas sentiu muitas emoções que reprimia desde a infância. Aí, depois da terceira e última cerimônia, a dor na sua bexiga sumiu pela primeira vez em seis anos. Ela continuou saudável por dois dias depois de voltar para casa, mas a dor voltou. Só que, agora, ela vê isso como um sinal de que tem mais emoções em que trabalhar.

De maneira similar, Michael Straus, um hoteleiro de 51 anos da Califórnia, me contou que depois de participar de sua primeira cerimônia de ayahuasca, sua psoríase de placa – uma doença que cobre o corpo dele com lesões vermelhas – tinha sumido completamente.

Zoe Helene, que oferece bolsas de “feminismo psicodélico” para mulheres experimentarem retiros de ayahuasca tradicionais na amazônia peruana por meio de sua empresa Cosmic Sister, e Chris Kilham, autor de The Ayahuasca Test Pilots Handbook, que pesquisou medicina com plantas em 45 países, disseram que testemunharam muitas curas transformacionais em espaços de ayahuasca.

Muitas pessoas descrevem sentir como se a ayahuasca estivesse escaneando seus corpos em busca de áreas que precisam de ajuda durante as cerimônias, diz Helene. Na verdade, em cerimônias tradicionais, os xamãs bebem a ayahuasca sob a crença de que isso vai ajudá-los a ver que partes dos corpos dos participantes precisam ser curadas, explica Kilham. Ele descobriu que pessoas com condições com várias causas (que muitas vezes são difíceis de apontar), como transtornos do sono, dor nas costas e fadiga crônica, se beneficiam da ayahuasca.

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Enquanto o mecanismo básico por trás dos benefícios para a saúde mental da ayahuasca é parcialmente conhecido, os cientistas ainda estão começando a examinar como essas curas físicas são possíveis.

Uma explicação é que muitos dos problemas físicos vêm de problemas emocionais que as pessoas abordam com a ayahuasca. L. J. Standish, pesquisador e professor da Escola de Medicina Neuropática da Bastyr University em Kenmore, Washington, aponta que certas questões de saúde têm correlação com traumas de infância. Uma pesquisa com 13.494 adultos americanos, por exemplo, descobriu que o número de eventos negativos na infância de alguém – incluindo abuso sexual, violência doméstica e vício em drogas e álcool na família – estava ligado a suas chances de desenvolver câncer, doenças cardiovasculares, doenças pulmonares, fraturas no esqueleto e doenças renais.

Então a aparente habilidade da ayahuasca de curar fisicamente seria um testemunho da conexão entre mente e corpo? “Cura emocional pode ter efeitos no resto do corpo”, explica Standish. “Ouço relatos similares de todo mundo: como suas dores pareceram diminuir, como seus sintomas crônicos mudaram, e que eles se sente livres dos efeitos do trauma.”

É possível que a ayahuasca resete a atividade padrão do cérebro, o que pode quebrar padrões que levam à percepção da dor, explica James Giordano, professor de neurologia e bioquímica do Centro Médico da Universidade Georgetown. Por essa razão, a ayahuasca pode ser particularmente eficaz para transtornos de dor centralizados, que envolvem dores crônicas causadas por mudanças em funções ou estruturas do cérebro ou células de medula espinhal.

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“Sabemos que há transtornos somatoformes [formas de doenças mentais que causam outros sintomas no corpo, incluindo dores]”, ele diz. “Há mudanças que ocorrem emocionalmente que mudam a atividade da rede nodal do cérebro e que podem produzir um efeito fisiológico muito profundo. Pode ser que, sob influência da ayahuasca, o sistema de rede neural central é evocado, e essas mudanças fisiológicas podem ser modificadas, mesmo que por um breve período de tempo.”

Ecoando isso, Abigail acredita que a ayahuasca curou sua bexiga trabalhando com as emoções que ela estava estocando nela. “As questões emocionais eram e são o problema”, ela diz. “Antes do retiro, eu sabia que isso era o problema, mas nunca tinha conseguido abordá-las.” Straus se sente da mesma maneira. Ele explica: “A condição, para mim pelo menos, tinha raízes emocionais muito específicas”.

A ayahuasca também pode afetar diretamente partes do corpo fora do cérebro. Standish aponta que células do sistema imunológico chamadas células T têm receptores de serotonina, um dos neurotransmissores onde a ayahuasca age. Esse efeito no sistema imunológico pode explicar porque a ayahuasca parece reduzir inflamação para algumas pessoas com condições como cistite intersticial ou psoríase de placa.

Outros descobriram que, em suas experiências, a ayahuasca pode diminuir ou até eliminar dependências físicas. Ryan McCormick, um executivo de 40 anos de Nova York, diz que a substância fez seu corpo parar de desejar nicotina, o que o levou a parar de fumar. Standish acredita que isso pode acontecer porque o vício é resultado de deficiências de serotonina, que a ayahuasca repõe, então as pessoas não sentem mais a dependência de outras drogas nesse ponto.

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Apesar de a ayahuasca poder ter efeitos diretos no corpo, Giordano diz que também é possível que a droga mude a relação das pessoas com sua dor. “Pode ser que o que acontece como consequência de uma viagem de ayahuasca é que o indivíduo se sente com uma visão mais iluminada, então agora vê isso como uma oportunidade para crescer”, ele explicou.

Isso não quer dizer que quanto mais ayahuasca você beber, melhor é sua saúde. Algumas pessoas não parecem ter seus problemas de saúde aliviados depois de beber ayahuasca, e há riscos de overdose, incluindo síndrome de serotonina, viagens estendidas e flashbacks. E apesar de haver evidências e teorias plausíveis sobre como a ayahuasca pode facilitar cura física, não há nenhum estudo até agora sobre seus efeitos em lesões e doenças. Ainda assim, essa área de estudo é “certamente atraente e em alguns casos promissora”, me disse Giordano. “Isso deveria garantir pelo menos mais exploração e investigação.”

O que os cientistas estão descobrindo sobre a ligação entre corpo e mente, na verdade reflete o que as culturas que utilizam ayahuasca sempre acreditaram: que, como Standish aponta, o corpo e a mente são uma coisa só. Helene concorda: “Os humanos gostam de colocar as coisas separadas em caixas, mas a natureza não funciona assim”.

“O que acontece no nosso cérebro afeta tudo que acontece no nosso corpo”, diz Kilham. “Se a atividade do seu cérebro está harmonizada, seu corpo físico também estará melhor no geral.”

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