Cinco artistas brasileiros LGBTQ falam sobre identidade, censura e sobrevivência
Rosa Luz, autorretrato.

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Cinco artistas brasileiros LGBTQ falam sobre identidade, censura e sobrevivência

Enquanto a cena criativa brasileira continua enfrentando grupos políticos conservadores, falamos com cinco artistas queer lutando por mudança.

Com as eleições se aproximando, o Brasil encara uma pressão sem precedentes de grupos conservadores e evangélicos, reforçando uma onda violenta de racismo, homofobia e transfobia. A comunidade artística não é exceção, com várias exposições e manifestações recentemente sendo sujeitas a censura e ataques.

Em setembro passado, a exposição de arte Queermuseu foi fechada abruptamente um mês antes do agendado, depois de uma campanha de manifestantes de direita. A exposição, realizada no centro cultural do Banco Santander em Porto Alegre, apresentava mais de 260 trabalhos de artistas brasileiros conhecidos, incluindo a falecida Lygia Clark, e nomes emergentes como Daniel Lie e Cibelle Cavalli Bastos.

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Semanas depois, outra polêmica começou depois que um vídeo de uma performance do coreógrafo brasileiro Wagner Schwartz viralizou nas redes sociais. Na filmagem, Schwartz está deitado no chão, inerte e nu, durante uma apresentação no Museu de Arte Moderna de São Paulo, enquanto o público — incluindo uma menina de 4 anos, acompanhada da mãe — é convidado a interagir com seu corpo. Nos dois casos, ativistas evangélicos e de direita acusaram as obras de promover pedofilia, blasfêmia e bestialismo, e os curadores foram convocados para um inquérito no senado.

“Estamos encarando uma ascensão do conservadorismo e políticas obscuras”, nos disse a curadora e crítica de arte Paula Alzugaray na SP-Arte, uma feira de artes onde ela estava participando de um painel sobre políticas de gênero. “É por isso que acho que trabalhar com esses artistas é tão importante.” A feira começou alguns dias depois que o ex-presidente Lula foi preso por acusações de corrupção (uma prisão vista como golpe por muitos de seus simpatizantes).

Sem surpresa, artistas e ativistas queer do país estão contra-atacando. O Queermuseu será montado de novo em junho no Parque Lage no Rio, depois de uma campanha de financiamento coletivo que levantou mais de R$1 milhão (dinheiro que será usado na produção da exposição e em programas educativos). Enquanto isso, iniciativas artísticas e políticas continuam a se desenvolver com fervor e visibilidade.

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Falamos com algumas das vozes por trás do movimento por diversidade, liberdade de expressão e resistência. Aqui vai o que elas tinham a dizer.

Photography Felipe Augusto

Rosa Luz: artista, rapper, YouTuber e ativista trans
“É muito difícil ser LGBTQ no Brasil. Há muito preconceito com nossos corpos e com como nos comportamos. O Brasil tem a maior taxa de homicídio de transgêneros do mundo. Não temos espaços suficientes para nos expressar, e para ter esses lugares precisamos lutar; não é fácil. Muitas vezes simplesmente perdemos as forças. Cerca de 90% das mulheres trans e travestis estão na prostituição agora. Não há outras opções. Quando revelo que sou transgênero, não consigo mais trabalho. Para mim, meu canal no YouTube foi a última opção antes da prostituição, e está funcionando, mas sou uma exceção. Os políticos não representam minha comunidade: eles não representam as pessoas negras, as pessoas trans do gueto. Não acredito neles, e não acho que nada vai mudar. Eu gostaria de ter um presidente negro. Uma presidente negra.”

@rosadobarraco

Photography Juan Palma Dias

Ariel Nobre: artista, ativista trans e consultor de diversidade
“Sinto como se estivéssemos vivendo numa guerra. Os conservadores estão tentando recriar o ambiente dos anos 70 e 80, durante a ditadura militar. Mas somos outra sociedade agora, e não percebemos isso. A elite não aceita que pessoas negras estejam frequentando a universidade, que artistas transgênero estejam nos museus, que os pobres tenham mais acesso. Eles não aceitam que podemos falar por nós mesmos. Tenho minha própria empresa de consultoria, e trabalho com pessoas poderosas. Temos algumas vitórias em campos diferentes. Dois meses atrás, o Supremo decidiu que as pessoas transgênero agora podem ser reconhecidas de acordo com seu gênero autodeterminado, sem necessidade de cirurgia. É incrível, e lutamos por isso, mas ainda há outros direitos civis pelos quais precisamos lutar.”

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Photography Pedro Guilherme Ferreira

Cibelle Cavalli Bastos: artista e teórica
“O cerne do problema é a masculinidade tóxica na socialização de todos e isso ser mantido pelo sistema patriarcal, que os conservadores temem perder. Essa masculinidade tóxica carrega muita violência, por uma falta de capacidade emocional para lidar com mudança, ou qualquer coisa que vá contra os conhecimentos atuais dessas pessoas. Enquanto nós [da comunidade queer] progredimos, a direita está ficando desesperada, porque tudo que eles conhecem está desmoronando, e eles nos culpam. Eles estão tomando medidas extremas para manter seu privilégio, mesmo para seu próprio detrimento e detrimento do planeta. Temos um ditado aqui no Brasil: 'Não Passarão'. Estou cansada de homens cis racistas, machistas, transfóbicos, homofóbicos e classistas no poder, vivendo e agindo sem olhar para si mesmos. É uma bosta. Não podemos mais aceitar isso, e acho que muitos artistas sentem o mesmo, ou não estaríamos fazendo o mundo que estamos fazendo agora.”

@aevtarperform

Foto: Tiago Cadete

Daniel Lie: artista
“Sempre vivemos num tipo de distopia. O Brasil, um país que se originou do genocídio de povos indígenas pelos colonizadores europeus, do desprezo dos corpos femininos com o machismo, que escravizou populações africanas, foi o último país a abolir a escravidão (mais de 50% da população brasileira é negra). É uma sociedade profundamente patriarcal e colonizada, então não é surpresa para mim que o Brasil tenha a maior taxa de homicídio de transgêneros. Para os artistas, propor qualquer coisa fora das normas culturais e fora dos padrões artísticos é sempre um risco. Temos visto um aumento das atitudes fascistas, e a arte sendo atacada como num flashback da ditadura, que até 1985 gerou muita violência e censura. Mas não ter vergonha da nossa existência queer e acreditar no poder da imaginação para criar realidades alternativas é como nosso grito de liberdade.”

@dacostalie

Coletivo MEXA: grupo ativista queer e social
“Ficamos com raiva, mas não podemos sair daqui. Queremos experimentar completamente o aqui e o agora — não porque temos esperanças — mas porque a única coisa que parece possível no momento é nos unir. Nesse 'futuro imperfeito' eterno do Brasil, a discriminação e a violência não estão do lado de um partido político específico. Todos os direitos podem ser rifados em nome da governabilidade. Na direita e na esquerda. As coisas explodem como polêmicas, mas as estruturas políticas são quase sempre as mesmas. Vivemos a fragilidade desse momento e queremos propor iniciativas para entender nosso poder dentro dessa fragilidade.”

[@coletivoMEXA ](https://www.facebook.com/ColetivoMEXA/)Matéria originalmente publicada na i-D US.
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