Vida e morte do He-Man do Nordeste
Nascido no Paraguai, o He-Man do Nordeste cresceu em Alagoas. Montagem: Marcelo Daniel

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Vida e morte do He-Man do Nordeste

O gigante loiro percorreu estados nordestinos na década de 90 chamando multidões para a porrada no seu circo.

As ruas de Crato, no Ceará, estão cheias. Muitas crianças correm atrás de uma atração circense sobre-humana. Alto, com longos cabelos loiros escorridos e pesando quase 100 kg, o He-Man do Nordeste atravessa a cidade em ritmo acelerado. Para os desavisados, a imagem até parece uma versão tupiniquim do lendário Technovicking!.

Dono de um físico descomunal, o He-Man para de repente e começa a fazer flexões sobre os paralelepípedos. Um sujeito magrelo e curioso aproveita o intervalo do gigante e segura seus calcanhares, tentando ajudá-lo no exercício — a bondade não foi bem recebida: ainda do chão, o herói o encara e, em segundos, o rapaz desiste do gesto solidário rapidamente.

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"Nunca achei um lutador para ter a resistência física e o potencial igual a mim", afirma, ainda trotando, o lutador ao repórter ofegante que tenta acompanhá-lo.

Essa farra tinha por objetivo convidar toda a população para o espetáculo no Circo do He-Man que, naquela noite, quebraria um recorde. Em um ringue armado entre arquibancadas superlotadas, o destemido protagonista do show enfrentaria, de mãos limpas, 35 lutadores. Era 1996.

Esse era o mote da carreira de Lenine Alves Baptista, que não nasceu no Castelo de Grayskull, mas no Paraguai. Foi naturalizado brasileiro e cresceu em Alagoas. Das poucas informações disponíveis em sites e blogs a respeito da sua biografia, consta que é filho de uma índia paraguaia com um cigano de origem soviética, o que explicaria tanto seu nome quanto sua cabeleira loura.

Com o circo, percorria cidades e estados de toda região Nordeste desafiando homens para a porrada. Aproveitando o sucesso da série infantil nos anos 1980 e 1990, Lenine encarnou a persona do Príncipe Adam e, além da indumentária de bárbaro, às vezes carregava até a espada do herói.

Reportagem clássica do 'Aqui Agora' que revelou o personagem a todo o Brasil

Responsável por "descobrir" em suas curiosas reportagens nomes como o cantor Falcão e o humorista e atual deputado federal Tiririca, o jornalista de Juazeiro do Norte (CE), Roberto Bulhões, foi quem vendeu a pauta sobre o comentado duelo em meados de 1996, ao extinto noticiário Aqui Agora, na versão do jornalístico exibida no SBT entre 1991 e 1997.

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"Soube desse tal circo do He-Man no Crato e logo dei a ideia de fazer essa matéria sobre a luta contra os 35 homens", conta o jornalista, que falou com a VICE por telefone, direto de seu canal on-line, a TV Padre Cícero.

"Ele não dava a porrada no rosto, pra machucar, mas batia com a mão aberta no povo e não era combinado não: cada tapão doía até em mim", recorda-se Bulhões, que gravou a narração da pancadaria em tempo real. Foi ele que, em seu texto, uniu a região do país ao personagem, que ali virou He-Man do Nordeste.

Repórter Roberto Bulhões: mais de três décadas de carreira e descobertas como o He-Man, Falcão e Tiririca. Foto: Divulgação

Blogueiros da região ouvidos pela reportagem contam que produziram posts sobre o tema devido à grande influência que o personagem folclórico teve na infância e adolescência de toda uma geração das cidades por onde passava.

"O circo é o maior espetáculo da terra", afirma o jornalista Bulhões que conta que a repercussão dos VTs alavancou a figura do lutador a nível nacional. "Ele ganhou dinheiro sim, mas não muito, o suficiente para se sustentar", lembra. Repórter e lutador ficaram amigos após as pautas. Às vezes se encontravam na rodoviária de Juazeiro do Norte. "Ele passava por ali para pegar um ônibus até a cidade de Ouricuri, onde morava sua ex-mulher e filhos", lembra o jornalista que o viu pela última vez em 1997.

Aliás, foi em Ouricuri, cidade do sertão pernambucano, onde apenas um dia após o natal de 2008, no dia 26 de dezembro, a saga do He-Man do Nordeste teria um fim trágico.

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He-Man do Nordeste atravessa a cidade de Crato convidando populares para seu desafio

Em contato com a polícia do município, que tem cerca de 70 mil habitantes, a VICE conseguiu confirmar a informação de que, durante uma visita à cidade, em um desentendimento com seu ex-sogro, o He-Man recebeu vários tiros — inclusive na cabeça.

Populares até hoje comentam que, tamanha era a resistência física de Lenine que, mesmo após baleado, ele conseguiu correr da cena do crime. Foi levado ainda consciente para o um hospital local e morreria dias depois, já transferido para uma unidade médica em Petrolina (PE), no dia 8 de janeiro de 2009.

Anos após sua morte, foi a internet que eternizou sua história, seja na reprodução viral dos vídeos de suas reportagens no Aqui Agora, em lutas gravadas por populares das arquibancadas, seus desafiadores treinamentos físicos e entrevistas em diversas fases de sua vida. Entre tapas, pescoções, chutes e caretas, nos ringues circenses passou praticamente imbatível. Foi preciso que apelassem à pólvora para que fosse possível levar ao chão o destemido He-Man do Nordeste.

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