T.I. fala sobre os 15 anos de 'Trap Muzik', disco que fundou o trap
Foto: Zach Wolfe/Divulgação

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Música

T.I. fala sobre os 15 anos de 'Trap Muzik', disco que fundou o trap

O lendário rapper de Atlanta fala sobre o disco de 2003 que ajudou a batizar o trap — e sim, falamos sobre o Gucci Mane também.

Quando Clifford “T.I.” Harris lançou Trap Muzik no verão de 2003, ele quase que instantaneamente batizou um subgênero do hip hop do sul dos EUA. Dito isso, podem sair na porrada aí pra decidir quem criou a sonoridade única do trap no começo dos anos 2000, DJ Toomp ou Shawty Redd. Fato é que desde a virada do milênio, esse som de graves profundos e chimbal agressivo começou a dominar o sul dos EUA e em 15 anos ele atravessaria as fronteiras de Atlanta e cairia no mundo. Logo, ao batizar seu segundo disco de estúdio como Trap Muzik, T.I. criou uma espécie de marca facilmente reconhecível para o trap, ajudando em sua ascensão ao mainstream, dando a toda uma geração de artistas de Atlanta, de onde veio uma enxurrada de gente incrível, de Young Jeezy a Migos, uma plataforma para sair do submundo e cair nas graças do pop.

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A verdadeira força de Trap Muzik reside em sua crítica social. Na faixa "Doing My Job", T.I. força seus ouvintes a sentirem empatia por traficantes de uma maneira nunca antes vista desde Notorious B.I.G.. Quando ele falava que esses caras queriam uma vida boa, que eles também tinham uma família, ficava ali um apelo monstro dirigido à América do Norte branca para que repensasse sua guerra contra as drogas e focasse nos seres humanos envolvidos na comercialização de cocaína. De forma semelhante ao UGK uma década antes, T.I. havia se tornado uma figura heroica para traficantes de drogas.

“Quando eu estava gravando Trap Muzik eu era conhecido pela cidade como o molequinho chato dos três-oitâo”, conta T.I. enquanto falamos ao telefone. “Minha família achava mesmo que eu ia morrer!” e mesmo assim, 15 anos depois do lançamento do disco que o apresentou ao mundo, em 19 de agosto de 2003, T.I. vive um rolê completamente diferente. Na mentoria de gente como Iggy Azalea (credo né, mas ela conseguiu altos prêmios e primeiros lugares por um tempinho) e Travis Scott, além de atuar em filmes como Homem-Formiga e a Vespa e como filantropo, ao lado de ativistas políticos, o cara acabou virando um dos grandes nomes do hip-hop. Conversamos com T.I. sobre os 15 anos de Trap Muzik e porque o disco ainda ressoa em meio aos EUA de Trump e você pode conferir a conversa aqui embaixo.

Noisey: Quão pressionado você se sentiu ao gravar Trap Muzik depois que seu disco de estreia I’m Serious acabou não fazendo tanto barulho assim?
T.I.: Eu queria criar um clássico. Eu sabia que teria que criar música atemporal, que sobreviveria ao teste do tempo. Era hora de mostrar que mesmo que você estivesse participando de atividades criminosas, haviam outras coisas envolvidas ali: você não está só traficando drogas, mas também tem que lidar com seus pais, namorada, um filho que veio cedo demais e ser malvisto pela sociedade, sendo que você é muito mais do que aquilo ali. Um amigo seu pode ter morrido há pouco tempo, e ele nem vivia nas ruas daquele jeito! Trap Muzik meio que cristalizava essa experiência negra em forma de música.

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Com o I’m Serious sinto que caí meio no golpe de uma gravadora [Arista] que tinha casos de sucesso demais. LA Reid tinha nomes como Toni Braxton, Outkast, TLC, Usher e Goodie Mobb ali, então é de se entender que ele acabaria direcionando esforços para essa galera, e eu acabei sendo vítima de uma gravadora que não me entendia.

Como as coisas mudaram ao trocar a Arista pela Atlantic?
Em Trap Muzik tive a liberdade de trazer um reflexo real da minha vivência e do meu ambiente. No primeiro disco eu queria me certificar de que as pessoas sabiam que os doidões de Atlanta não deviam em nada pros rappers de Nova York. Por mais foda que o Outkast fosse, não parecia que eram uns caras das ruas. O trap não tinha o reconhecimento que merecia e eu queria dar um jeito nisso aí; a treta é que no primeiro disco tinham vários estilos diferentes misturados, o que causava toda uma confusão e ninguém sacava direito de onde eu vinha. Mas no final das contas, “Dope Boyz” foi um sucesso inesperado de I’m Serious, o que me deu confiança o suficiente para fazer um disco inteiro sobre de onde eu vim. Eu queria levar a galera pro rolê do trap!

Me conta aí quem era o T.I. dos tempos de Trap Muzik.
Cara, eu ainda pegava pesadaço, ia em cana um mês sim e o outro não. Era um cara muito ativo, assim como todo mundo ao meu redor; meu círculo de amigos era tão rolê que chegou ao ponto de geral saber que a gente era tudo um bando de doido mesmo. Minha vó dizia que eu adorava andar com aquele bando de selvagens! Lembro de uma vez que meu tio me chamou pra colar na casa da minha Tia Lita e de repente todo mundo ali tentou me convencer a fazer um seguro de vida. Minha família acreditava mesmo que eu ia morrer e queriam garantir a grana pra pagar pelo meu funeral.

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Como esse sentimento de urgência acabou entrando com você na cabine de gravação?
Eu simplesmente sabia que essa mensagem deveria existir. Os brancos não sabem o quão próximos estão de estarem na mesma situação que nós; se você tem uma educação péssima e poucas experiências além da sua vizinhança, você aceita o que cair no seu colo. Se é crack, então é aquilo ali que vai te dar grana, como se não houvesse outra escolha! E ninguém tinha parado pra se ligar nisso até então.

Os desgraçados escolhiam o crack como carreira, sem saber que o escândalo Contra levou tantos americanos a terem noção e experiência de como misturar bicarbonato de sódio com água e cocaína pra fazer crack. Eu não conheço nenhum negão que é químico! Não somos nós que vamos cagar um papelote de cocaína, te garanto. Realmente acredito que o propósito [do meu governo] era espalhar armas, drogas e morte pela comunidade para que nós, negros, não pudéssemos existir. Queriam nos preparar para o fracasso e nos trancarem em prisões, num reflexo bizarro da escravatura para que empresas contassem com nossa mão de obra barata. Eram todo um plano para que não fôssemos vistos como seres humanos. Quis fazer o contrário disso com Trap Muzik.

O disco brinca com a ideia de se desdobrar em diversos estilos de vida. Em “Long Live Da Game”, por exemplo, você rima sobre ter um lar do corre e outro pra relaxar — manter esse equilíbrio era complicado?
Olha, ninguém quer morar na boca, você tem que tratar aquilo como um escritório em que você chega, faz seu trampo e, quando sentir que já se arriscou demais, pode voltar pra algum lugar tranquilo e seguro, onde pode pensar com calma a estratégia do dia seguinte. Isso é tudo que um moleque no corre da droga quer fazer, ninguém quer vender quilos de heroína ou crack num só lugar e não conseguir abandonar aquilo, saca? Tem que ter essa dualidade aí. Quando Tony Soprano ia pra casa, ele não era o mesmo mafioso do Bada Bing!

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Você obviamente mostra um lado introspectivo ao longo do disco, mas também fala que quer ser um músico e não um político. O que mudou de 2003 pra cá, agora que vemos você criticando Donald Trump frequentemente?
Ainda me sinto da mesma forma, não quero ser político de jeito nenhum! Quero dar uma força pros caras que melhor se encaixam nesse papel, mas não quero ser um deles. Não tenho escolha a não ser falar sobre o que me incomoda, acho.

Tem muita guitarra, piano e instrumentos de verdade em Trap Muzik, que deixam de lado os graves minimalistas de um UGK pra fazer uns sons cheios de soul como o Kanye West da época do College Dropout. O que você e os produtores do disco buscavam?
Eu queria criar sons novos que ainda assim mantivessem-se fieis aos estilos de vida de quem eu queria representar. Quando fui lá com Kanye e gravamos “Doin’ My Job”, queria fazer um som que representasse o rolê trap todo, mas sem a sonoridade típica dele. Tinha que ser algo mais clássico e que sobrevivesse ao teste do tempo. Já em “Let Me Tell You Something”, falei pra Kanye refazer “I Want to Be Your Man” de Zapp e Roger Troutman do zero, e ele o fez, ficou demais! Eu sabia que o cara era um gênio, mas não sabia o quão longe ele iria no espectro da genialidade de lá até os dias de hoje.

Já com DJ Toomp era meio que uma relação bem mais pessoal. Meu primo Tremell era amigo de infância dele e eu colava no estúdio, o cara botava um som pra rolar enquanto cortavam meu cabelo. Era assim que rolava, só amor mesmo, o que explica nossa química.

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A que você atribui falarem tão bem de Trap Muzik até hoje? É um clássico?
Acho que é o começo de uma era, um retrato preciso dos estilos de vida da época e que o pessoal de posições mais confortáveis na vida não fazia ideia que existia! Ninguém sabia que isso rolava no mundo porque quando viam tráfico de drogas na cara logo pensavam em New Jack City. Se você é traficante, ou é um Nino Brown ou um Scarface. Trap Muzik ajudou as pessoas a sacarem como era algo cotidiano, uma versão humanizada daquilo, com gente que tem famílias de verdade, pais e mães, não só personagens criados para um filme. Nunca conhecemos a mãe de Nino Brown, então nem o vemos como uma pessoa de verdade. Por isso que quando ele morre em New Jack City ninguém liga! Eu queria que Trap Muzik fizesse as pessoas se importarem com traficantes e nos vissem como gente de carne e osso. Sinto que o disco foi mais Os Donos da Rua no sentido de que ia fundo no coração — ao passo em que os álbuns de outros rappers era mais Scarface ou New Jack City.

Rola ainda todo um debate sobre quem criou o trap como o conhecemos hoje. Você e Gucci Mane tão nessa há anos, não?
O cara quer dar uma de macho alfa e dominar a porra toda. Isso não é algo que se resolve só com palavras! Pra dizer que você criou isso, você teria que ter me deitado no soco. E olha, eu acho que ele contribuiu sim pro som e foi importante nesse sentido, Gucci levou o trap pra outro lugar, Young Jeezy também. Mas sem mim não haveria trap… e Gucci sabe disso!

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Matéria originalmente publicada no Noisey UK.

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