FYI.

This story is over 5 years old.

turismo

Como um balneário feito pra família virou um paraíso hedonista

Conversamos com o etnógrafo que traçou a evolução da região de Magaluf até se transformar em um resort regado a festas de cocaína e bares com competições de sexo oral.
Max Daly
London, GB
MS
Traduzido por Marina Schnoor
Turistas claramente curtindo muito em Magaluf, na ilha espanhola de Maiorca. Foto: Jamie Lee Curtis Taete.

Entre todos os destinos de férias paradisíacos com uma reputação de se encherem de turistas britânicos mamados, Magaluf e a ilha espanhola de Maiorca se destacam. Graças ao status de um dos balneários mais populares para jovens de Glasgow até à cidade mais ao sul do Reino Unido encherem a cara, vomitarem e transarem o verão inteiro, “Maga” nunca está muito longe das primeiras páginas dos tabloides.

Publicidade

Em 2014, o infame vídeo “Garota do boquete de Magaluf" viralizou, espalhando um choque global com o estado da farra da juventude britânica. A ofensiva subsequente contra os pubs, nudez e embriaguez pública na principal avenida de Magaluf desapareceu desde então. Neste verão, o lugar novamente está espalhando suas histórias de fogo e enxofre, e os jornais adoram. Os tabloides salivam com a “fama terrível” do balneário, com infinitas fotos de garotas seminuas bêbadas; vídeos de brigas de rua gravados em celulares; e uma filmagem de uma jovem britânica de biquíni apanhando de seguranças de um hotel.

Os adolescentes são avisados sobre os perigos de pegar a “gonorreia de Maga”, de dar mole para pornógrafos estrangeiros escrotos que ficam só esperando para filmar garotas bêbadas, e até um certo “gigante africano que abraça suas vítimas até elas desmaiarem”. Há lendas sobre um tipo “mortal” de crack que rola por lá, gangues que vendem metanfetamina e batizam drinques, e dois representantes ingleses de turismo foram presos recentemente por fazerem parte do cartel de tráfico de cocaína que vendia drogas pros turistas.

Claro, tudo isso provavelmente funciona mais com propaganda do que como alerta pros jovens ingleses à procura de uma bela escapada hedonista. Mas além disso, o que faz as pessoas voltarem todo ano, e em alguns casos até arranjarem um emprego lá?

O etnógrafo e criminologista Daniel Briggs, um londrino que hoje mora em Madri, vem documentando os veranistas britânicos no exterior há anos, inicialmente em San Antonio e Ibiza, e este verão, com o colega Anthony Ellis da Universidade de Salford, em Magaluf. Como resultado, ele ganhou um acesso sem precedentes e aprofundado aos sistemas internos da indústria. Por isso decidi bater um papo com ele.

Publicidade

Foto: Daniel Briggs.

VICE: Por que você começou a pesquisar sobre os ingleses no exterior?
Daniel Briggs: Lembro de ler um artigo de jornal dez anos atrás sobre como os turistas jovens da classe trabalhadora britânica estavam envergonhando a classe média. Eles basicamente estavam tirando sarro das pessoas de status social inferior, torcendo o nariz para os veranistas da classe trabalhadora. Eles pegavam DSTs, se machucavam em brigas, eram encontrados mortos boiando em piscinas. Não parecia nada divertido, então eu queria descobrir por que essas pessoas continuavam indo para esses lugares.

Você passou muito tempo num projeto anterior visitando bocas de crack. Sua pesquisa sobre os balneários da Espanha segue a mesma metodologia gonzo?
De certa maneira. Muito da pesquisa existente sobre turistas ingleses no exterior consiste de entrevistas feitas em aeroportos, perguntando quanto as pessoas beberam e quantas vezes fizeram sexo nas férias. O que é muito falho, porque as pessoas podem não se lembrar. Achei que seria muito melhor ir até lá e ver com meus próprios olhos, fazer o que os turistas fazem: beber, ir aos clubes e acordar na praia.

Então, como parte da pesquisa, você passou uma semana se tornando um nativo de Magaluf?
Um colega e eu fomos até lá na primeira semana de agosto. Passamos a maior parte do tempo em Punta Ballena, uma avenida comercial conhecida como “strip”, onde se centra a maior parte da vida noturna de Magaluf. Gravamos o que vimos e as conversas que tivemos, e entrevistamos 150 turistas britânicos para uma pesquisa sobre suas atitudes, intenções e no que eles se envolviam. Também perguntamos quanto eles estavam gastando e como a indústria do turismo funciona ali.

Publicidade

Foto: Daniel Briggs.

O que as entrevistas com os turistas britânicos mostraram?
A maioria deles é inglês, escocês e jovem. Dois terços tinham de 17 a 20 anos e para muitos aquela era as primeiras férias em que eles viajavam sem a família. Menos de um em dez deles estavam interessados em “ver os pontos turísticos” de Maiorca. Eles me disseram que ir para Magaluf era uma questão de tirar proveito das oportunidades e participar do que o lugar tinha para oferecer. Um em quatro admitiu que ia usar drogas ilegais. Um em seis tinha se metido em briga, e a mesma proporção estava envolvida em acidentes, de pequenas quedas a hospitalizações. O motivo para estar ali eram os bares, clubes e a bebida barata; se comprometer, e comprometer seu dinheiro, com o balneário de Magaluf.

Quanto em média é gasto nessas viagens?
Nossa estimativa é que de abril a julho deste ano, turistas britânicos de 16 a 30 anos gastaram £78,6 milhões [uns R$ 390 milhões na cotação atual] na região principal de de Magaluf. Isso dá £625 mil [uns R$ 3 milhões] por noite gastos quase que inteiramente na avenida comercial. É esse gasto intenso que dita como Magaluf opera.

Uma grande presença na avenida são os PRs, pessoas contratadas pelos bares e clubes para atrair turistas com ofertas de bebida barata. Qual o papel deles?
Os representantes de turismo e os PRs são meio que minicelebridades na cidade. Ser um PR em Magaluf é ter um status social mais alto que os turistas. Trabalhar nas férias lá é vendido por algumas agências particulares no Reino Unido como um jeito de viver o sonho. As agências dizem que você pode trabalhar, se divertir e ganhar drinques grátis ao mesmo tempo, o que deve parecer muito interessante para gente jovem entediada com sua vida em casa, onde o mercado de trabalho local não oferece muita coisa. Então esse trabalho se torna muito importante para eles.

Publicidade

Foto: Daniel Briggs.

Mas sua pesquisa descobriu que muitas vezes as coisas não são tão para as pessoas trabalhando em Magaluf, apesar do que as fotos no Instagram delas mostram.
Os PRs são vistos como gado. Eles aceitam alegremente esse trabalho por uma cama e €20 por noite – tendo sorte, dependendo de quão “famosos” eles são. Alguns que conheci trabalhavam em circunstâncias opressivas, tendo que dividir acomodações ilegalmente com outros PRs em lugares gerenciados por pessoas que, em alguns casos, tiram os passaportes deles para que eles sejam obrigados a ficar. Eles não são registrados pelas autoridades, então acabam presos lá.

Você tem um grupo pequeno de PRs que vêm através de agências: eles são registrados oficialmente e geralmente usam lenços rosas no pescoço. Mas o problema é que na alta temporada, os bares e clubes se arriscam a serem multados para empregar PRs ilegalmente. Na superfície os PRs estão se divertindo, mas quando você pergunta se eles gostam do que fazem, essa visão desmorona rapidamente. Muitos deles disseram que não gostam, que isso esgota toda a energia e saúde deles. A realidade de trabalhar como PR pode ser realmente miserável. Isso também pode te causar problemas.

Tipo o quê?
A cultura das drogas anda de mãos dadas com alguns elementos da indústria do PR aqui. Os PRs têm mais chances de usarem e venderem drogas que os turistas normais. Como ganham pouco, eles geralmente procuram uma renda extra. Eles vendem ingressos para festas em barcos, ou cocaína por fora. É um jeito rápido de subir na indústria. Mas muitos deles começam a consumir o que estão vendendo. Querendo sempre ganhar e gastar mais e viver todas as oportunidades, eles acabam presos nesse estilo de vida. A ideologia da boa vida se torna uma atração tão grande que a vida cinza deles em casa acaba esquecida, então eles continuam lá. Para alguns isso acaba virando um problema com as drogas. Eles podem se endividar e ter que contrabandear drogas, que acredito que foi o que aconteceu com a dupla Peru Two quando elas trabalhavam em Ibiza.

Publicidade

Foto: Daniel Briggs.

Existe uma corrente criminosa em Magaluf?
Muitos dos incidentes no balneário não são registrados; há uma grande taxa de crimes escondida. Fotografei um monte de sangue numa parede uma noite, e no dia seguinte ela tinha sido lavada. Foi um pequeno símbolo da violência que acontece lá toda noite. Há um medo em dar queixa de um crime – a polícia não está interessada, não te leva a sério e a presença policial é quase nula na região de qualquer maneira. Uns 25 policiais são responsáveis por lidar com milhares de pessoas no balneário. Fora a presença policial minúscula, vários crimes são permitidos: uso e venda de drogas, prostituição, roubo e violência. A corrupção é muito onipresente na ilha. Na verdade, o chefe de polícia local foi suspenso por acusações de corrupção e extorsão ligadas aos clubes da avenida.

Quem comanda o tráfico de drogas em Magaluf?
A polícia e os turistas culpam injustamente os imigrantes africanos pelos roubos e pelo tráfico. Mas grande parte da venda de drogas é feita por britânicos. O tráfico lá não é organizado; não há uma hierarquia com um chefão sentado no topo da pirâmide. Você tem os ingleses – que vão até lá intencionalmente para vender drogas e que já têm boas conexões na ilha – que estão num escalão mais alto. Depois você tem empreendedores individuais que vêm de carro do Reino Unido com droga escondida, ou escondem drogas em si e pegam um avião.

Por que Magaluf se tornou tão popular entre os jovens britânicos em primeiro lugar?
O balneário se tornou mais voltado para os jovens em 2007, por causa do clima econômico da época. As famílias gastavam menos porque estavam presas a um orçamento. Os jovens de férias fazem o contrário. A região precisava de uma nova estratégia de marketing para atingir os turistas que podiam sustentá-lo: os jovens. As empresas de turismo derrubaram os preços das viagens nos feriados, estimularam o mercado ao redor da cena jovem e aumentaram o número dos pacotes "all-inclusive" dos hotéis.

Isso fez várias coisas. Desestimulou famílias e dissuadiu turistas internacionais, e a cultura do turismo se chocou com a cultura da classe trabalhadora jovem britânica, que gira em torno de atividades noturnas como beber e usar drogas. Isso também colocou pressão nos negócios que já existiam aqui, como lojas turísticas e restaurantes espanhóis, que fecharam já que todos os gastos dos turistas se concentravam em bares e clubes. Os novos negócios começaram a oferecer exatamente o que os turistas britânicos queriam: pacotes de bebidas e café da manhã barato. Então o espaço se reinventou para atender a demanda dos jovens turistas britânicos. Recentemente, o lugar recebeu ainda mais impulso com o desinteresse em outros destinos turísticos por causa do terrorismo e instabilidade política. Turquia, Egito e Tunísia não são mais opções para muita gente.

Mas agora, numa tentativa de atrair um grupo diferente, as autoridades de Magaluf estão investindo em opções de nível mais alto, incluindo a abertura do primeiro hotel cinco estrelas do balneário. Isso vai desestimular o público normal de britânicos?
Não. As autoridades acham que vão resolver isso construindo hotéis chiques e aumentando o preço do álcool. Mas como ficou provado em San Antonio, isso atrai a mesma categoria de turistas, apenas gastando mais porque querem pagar o que há em oferta. O motivo para voltar sempre está ligado à necessidade atual de manter um status social ideológico, e ser visto constantemente participando de atividades ou em lugares que refletem uma boa vida.

Matéria originalmente publicada na VICE UK.

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube.