Matéria originalmente publicada no Waypoint.
Eu estava tão ansioso pelo lançamento de Call of Duty 4: Modern Warfare – principalmente por causa deste trailer – que fiz uma viagem de ônibus de uma hora da minha cidade do interior para buscar o jogo em uma “loja secreta”. O dono tinha topado em me vender uma cópia um dia antes do lançamento oficial do jogo no Reino Unido, em 9 de novembro de 2007.
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É difícil entender o hype de Call of Duty hoje em dia – e é fácil ser cínico sobre os lançamentos anuais da franquia – mas naquela época o título era muito mais emocionante. Modern Warfare marcou um grande salto para a série: ela saiu da recriação da Segunda Guerra Mundial dos dois jogos anteriores para um cenário moderno reimaginado, e também os gamers de PC puderam se realistar – o título anterior, o terceiro jogo da franquia, tinha sido exclusivo para console.
Modern Warfare era um jogo explosivo cheio de piadas sobre a enorme escala da guerra no século 21, mas a jogabilidade era precisa e a ação tensa – mais como uma partida acirrada de paintball do que um campo de batalha aberto. Essa sensação, combinada com a representação forte do Reino Unido nos ranques profissionais de Call of Duty 1 e 2, levou ao surgimento de uma cena competitiva quase que imediatamente.
“COD4 não era assim tão competitivo logo de cara, então tivemos que hackear um mod em cerca de 12 horas.” – Rob Black
Modern Warfare não era realmente competitivo no lançamento, mas tinha alguém para ajudar nesse processo, para que o jogo fosse incluído na consciência dos eSports no Reino Unido e além. Rob Black, que agora trabalha na ESL, jogou COD1 e COD2 profissionalmente, antes de organizar diversas competições – incluindo o primeiro torneio de COD4 do mundo.
“ COD4 não era assim tão competitivo logo de cara”, Black conta. “Então tivemos que hackear um mod em cerca de 12 horas, depois que o jogo foi lançado. Tirei o jogo da caixa e 12 horas depois estava organizando o torneio.” O torneio em questão aconteceu no evento competitivo Insomnia 32, realizado em novembro de 2007 no Jóquei Clube de Newbury, com $6 mil de prêmios cedidos pelos distribuidores da Activision.
Black acabou com um mod que permitia apenas uma pequena seleção de mapas – Crash, Blacklot, District, Strike e Vacant – e limitava os perks para três opções pré-selecionadas. Mas ele não podia limitar as armas, o que era um problema. “Você podia escolher qualquer arma, e rapidamente percebemos que algumas não funcionavam direito no lançamento.”
O torneio Insomnia 32 foi um grande sucesso, mas destacou a necessidade de um mod competitivo para Modern Warfare, algo que permitisse aos administradores e organizadores dos eventos impor suas próprias regras balanceadas sobre a base do jogo. Originalmente, isso tomou a forma de um programa chamado PAM, ou Project Ares Mod, que manipulava alguns dos aspectos mais controversos do COD4 para os jogadores competitivos. O mod melhorou o “hitreg” (hit registration) sniper, a proteção spawn, se livrou de várias armas e abandonou os hit markers, assim os jogadores não podiam apenas disparar nas paredes (um processo conhecido como “wallbanging”) pra conseguir markers de qualquer jeito.
Mark Pinney, o jogador profissional conhecido como Phantasy, começou a jogar COD4 logo no lançamento, e um mês depois já estava jogando só no PAM. “O PAM não estava tão longe assim da base”, ele diz. “Acho que a única diferença que o PAM realmente criou foi remover todos os killstreaks e perks – bom, a maioria dos perks. Ele manteve a mira com ponto vermelho e parecia relativamente similar ao jogo básico.”
O PAM era ótimo, mas como admin de um torneio, Black foi uma das pessoas que pensaram no Promod, a modificação que se tornaria sinônimo de COD4 competitivo. “O desenvolvedor do PAM tinha meio que sumido”, diz Black, “então comecei a falar com outra pessoa que costumava administrar torneios comigo, conhecido pelo nick Kleineman, sobre como o PAM não estava mais fazendo o que era preciso. Começamos a escrever ideias, encontramos um programador e começamos a trabalhar na ideia.”
“Quando o Promod apareceu, ele removeu basicamente tudo. Ele tinha poucas armas e um mapa de muros, só.” – Mark “Phantasy” Pinney
Black estava em contato com vários times grandes, e recebeu bastante feedback sobre o que eles achavam que deveria mudar para equilibrar o jogo. Logo, o Promod estava sendo usado por vários torneios do mundo – se você já treinou para Call of Duty competitivo, há uma boa chance de ter usado o Promod.
“Quando o Promod apareceu, ele removeu basicamente tudo”, disse Pinney, “ele tirou todas as coisas visuais, então o jogo parecia bem limpo. Ele não tinha pontos vermelhos, não tinha nada – eram poucas armas e um mapa de muros, só.”
O Promod anunciou uma era de ouro para o Call of Duty competitivo, e com torneios se espalhando pelo mundo, o jogo ganhou um lugar na programação de vários eventos renomados. Os torneios Promod provaram ser um sucesso como os do Counter-Strike Source da Valve, com jogos atraindo premiações parecidas – apesar da grande rivalidade entre os dois grupos. Os jogos tinham suas similaridades, mas onde Counter-Strike recompensava posicionamento cuidadoso e mortes clínicas, Call of Duty era um pouco mais gratificante, permitindo que o jogador avançasse pelo jogo para explorar rotas e flanquear o inimigo.
Enquanto o Promod se tornava onipresente, Pinney estava jogando Call of Duty no mais alto nível – com um mouse de 20 reais. “Eu tinha só 16 anos”, ele diz, rindo. “Eu ainda morava com os meus pais, eu estava entrando na faculdade. Eu usava o mesmo mouse que tinha desde sempre, que veio com o meu primeiro PC. Aí, quando fomos para o Insomnia, todo mundo ficou puto porque eu estava vencendo torneios com meu mouse ridículo. Depois passei para um mouse Zowie, mas isso não mudou muita coisa pra mim.”
Enquanto Pinney enfrentava os maiores jogadores da cena, Lauren Scott, hoje comentarista da ESL, estava entrando na arena competitiva. “Comecei com um line-up apenas feminino, o Good Infused, em 2009”, ela lembra. “O time era péssimo, então acabei saindo e passei por alguns times antes de voltar para o Good Infused, dessa vez como SMG (um jogador multifacetado que usa uma submetralhadora) de apoio.
“Naquela época você tinha SMGs mais agressivos, e outros mais passivos para apoiar esses em todos os outros ângulos”, continua Scott. “Aí você tinha dois fuzis e o scope. Esse era seu line-up genérico na época. Minha habilidade nunca foi mira natural, agressividade ou coisas assim. Eu ficava lá sentada por horas, assistindo as demos dos outros jogadores, aprendendo suas nuances: como eles jogavam, qual era sua rota, qual o timing deles no ataque. Um jeito mais nerd de fazer as coisas. Depois você entrava no servidor e treinava por horas.”
“Trabalhar como comentarista veio por atrás disso”, disse Scott. “A oportunidade surgiu quando eu não tinha tempo para fazer todas as coisas que precisava para me manter competitivamente relevante, porque, sabe, ‘Você tem que arrumar um trabalho de verdade e deixar de ser um zero à esquerda, Lauren’, foi basicamente o que me disseram, várias vezes. Uma carreira nos eSports não era viável na época. Não era tipo: ‘Olha, mãe, estou ganhando centenas de milhares de dólares, e tem milhões de pessoas nos assistindo por stream’.”
O streaming ainda estava na infância quando Modern Warfare foi lançado, e o YouTube ainda estava se firmando, tendo sido comprado pouco tempo antes pelo Google. Como resultado, apesar da cena de Call of Duty estar num novo pico, apenas algumas centenas assistiam as partidas transmitidas online. Clipes mostrando os melhores momentos de determinado jogador surgiam ocasionalmente, mas essa não era uma plataforma forte para os profissionais se mostrarem na época.
“Eram apenas algumas pessoas interessadas”, diz Scott. “Não havia uma plataforma para mostrar uma consistência de conteúdo. Os clipes de jogadores apareciam de mês em mês e todo mundo adorava, porque queriam ver o que jogadores como Paradox ou Diablo estava fazendo.”
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Videogame competitivo, os eSports como conhecemos hoje, estava num estado inicial de como o mainstream o reconhece agora. Os torneios aconteciam há bastante tempo – pessoalmente, lembro de jogar um torneio de Counter Strike por volta de 2000, mas não havia o conteúdo ou a base de fãs para apoiar os grandes prêmios que vemos hoje.
“Em 2007 e 2008, ainda estávamos usando IRC para falar uns com os outros”, diz Black. “Não dava realmente para ver alguém jogar a menos que fosse num torneio e a CoD TV estivesse presente, transmitindo. Era muito mais difícil saber quão bons eram os outros jogadores, e se envolver em assistir os jogos.
“O efeito Twitch é basicamente a maior coisa que aconteceu na cena”, continua Black. “O fato das pessoas poderem colocar tanto conteúdo dá aos jogadores uma plataforma muito maior para se expor.”
“Havia tantas personalidades grande no COD4 que nunca tiveram uma plataforma para realmente se promover”, diz Scott. “Você via esse cara num evento, ou num clipe ou numa demo. Hoje em dia, tudo é muito mais acessível, e por isso os eSports são tão maiores. Você pode assistir o stream dos jogadores no Twitch. Você pode ver o que eles andam fazendo. Hoje eles têm até sua própria marca de mouse. Tudo é muito mais acessível.”
“A Activision não apoia a comunidade do PC, vamos admitir.” – Lauren Scott
A própria Activision não fez exatamente o máximo pelo COD4 em termos de estabelecer o título entre os grandes nomes dos eSports. A empresa é conhecida por transformar qualquer franquia de sucesso que conseguem num interação anual até queimar totalmente a ideia – Tony Hawk’s Pro Skater estava entre os primeiros, e o cadáver do Guitar Hero ainda estava quente quando Modern Warfare explodiu. Mas apoiar um único jogo por anos não se encaixava no modelo de negócio da Activision, do jeito como gigantes dos eSports como a Valve e a Blizzard fazem. Para Pinney, essa foi a causa direta da “decadência” do COD4 competitivo: “os distribuidores estavam lançando mais jogos para PC, então não estavam realmente dando apoio para o COD4.” Logo, os torneios só aconteciam quando a própria comunidade os organizavam, com jogadores financiando os prêmios com a taxa de inscrição.
Modern Warfare estava disponível para PC – uma plataforma em que muitos profissionais desenvolveram suas habilidades – mas a Activision não dava realmente apoio aos jogadores que escolhiam não tomar a rota dos consoles. Uma falta distinta de dedicação dos servidores e das ferramentas de mod alienavam aqueles tentando arranjar competições no PC.
“A Activision não apoia a comunidade do PC, vamos admitir”, diz Scott. “Há uma grande disparidade entre a base de jogadores do console e do PC. A cena do console tem uma comunidade competitiva, onde a Activision realmente se envolve. Eles organizam grandes finais. Há premiação em dinheiro, etc.”
Apesar de um punhado de jogadores ainda estarem usando o Promod na Índia, Croácia e alguns outros países, a maior parte da cena desapareceu, focando em jogos novos como Overwatch, Counter Strike: Global Offensive e vários MOBAs.
O sentimento de vários profissionais que começaram na época de Call of Duty 4 é que a cena surgiu um pouco cedo demais – que os jogadores e equipes talentosos que deram vida ao Modern Warfare como sucesso competitivo perderam o bonde do eSports por pouco. Não que o jogo não tenha tido um impacto, já que Scott, Black e Pinney fizeram carreira no mundo dos videogames: os dois primeiros na ESL e Phantasy como jogador profissional de Overwatch que recentemente representou a Inglaterra na Copa do Mundo do jogo.
Mas e o novo Call of Duty 4: Modern Warfare Remastered? No começo eu tinha esperanças de que a versão revisada do antigo clássico pudesse ressuscitar o Promod, mas nem se falou em apoio de mod no lançamento – o que basicamente mata qualquer chance da volta do Promod.
Para Black, foi uma baita decepção: “Isso basicamente mata o sonho de uma comunidade competitiva no PC para o jogo, de ter qualquer tipo de relevância nos eSports.” A Activision prometeu servidores dedicados para o Remastered, mas os antigos profissionais que se aperfeiçoaram no jogo original, no PC, dificilmente vão visitar o título só por orgulho pessoal.