A Cage Fight é mais segura do que um estádio de futebol



Matosinhos recebeu, no passado domingo à tarde, o terceiro challenge da Cage Fighters, um daqueles desportos que ainda passa meio despercebido à maioria das pessoas, mas que já movimenta uma dedicada legião de fãs que fizeram questão de estar presentes no pavilhão de desportos da cidade para vibrar com 13 incríveis lutas.

Para quem ainda não conhece, a Mixed Martial Arts (ou MMA) evoluiu do Vale Tudo com a introdução de algumas regras de higiene, como unhas cortadas e limadas, mas também regras de segurança bem claras, como a proibição de puxar os cabelos, cuspir o protector dental ou morder. Os combates acontecem dentro de uma jaula onde estão apenas os lutadores e um árbitro pronto a intervir em caso de abuso. Outra grande diferença do Vale Tudo é o uso de diferentes artes marciais que quase parecem competir entre si para descobrir qual delas tem a pila maior e é capaz de levar os atletas à vitória.

Como noutras modalidades, os lutadores começam por fazer pesagens no dia anterior ao desafio, o que confirma que estão prontos para combater na sua categoria. Esta fase imprime ainda grande espectáculo com o primeiro frente-a-frente entre os desportistas que, depois de se pesarem, mostram às câmaras os músculos e a confiança toda de quem vai no dia seguinte para a jaula.





Mas como o Cage Fight é mais do que porrada, os lutadores começam a picar-se bem antes do grande dia graças à divulgação dos vídeos de apresentação de cada lutador em que aparecem, numa espécie de cena de intimidação de quem nos vai lixar a boca, a mandar murros em sacos de boxe, em lutas de treino ou ainda a provar que saltar à corda não é só para meninas. Como nos explicou a fotógrafa oficial da MMA Portugal, Elisabete Morais, estes vídeos são também uma das grandes armas para chamar mais público e por isso aparecem sempre com gráficos bem ao género do Mortal Kombat, como que a querer cativar os espectadores mais duros ou os geeks que sentem falta dos grandes jogos de luta e querem reviver histórias tipo Fight Club. Há que lembrar que todos os lutadores têm histórias de vida e fazem tudo por tudo para treinarem e estarem sempre prontos para a alta competição, chegando a ser, como disse a Elisabete, quase um paralelo com o imaginário das novelas que, afirma, todos nós gostamos.





Sem saber muito bem ao que íamos, eu e a Rita, a miúda que teve coragem de vir comigo tirar fotos, estávamos meio perdidos quando chegámos a Matosinhos, sem saber ao certo onde era o pavilhão onde tudo ia acontecer, por isso decidimos seguir uns dez gajos que tínhamos a certeza de que iam para o mesmo sítio. E lá chegámos, depois de passarmos por baixo de uns viadutos bem suburbanos. A entrada do pavilhão tinha já umas centenas de pessoas, homens, mulheres e até crianças, à espera que as portas abrissem. Lá dentro, a arena já estava preparada e só se esperava que o espectáculo começasse. A Elisabete, entretanto, aproveitou para dar umas dicas à Rita e avisou-a que, para ter o melhor spot e a melhor foto, também os fotógrafos andam aos empurrões e fazem olhares ameaçadores uns aos outros enquanto andam à volta da jaula a dar cambalhotas e a rastejar, já que o mais certo é ouvirem umas bocas se taparem a vista a algum adepto.





Para dizer a verdade, estávamos os dois meio assustados com os músculos e as cabeças rapadas que víamos — comparando com eles, não passo de um boneco loiro e a minha colega não tem mais de metro e meio de altura. À primeira vista, o ambiente é tenso, como é normal antes de uma competição, mas depois de olharmos com atenção, percebemos que afinal é bastante amigável e desportivo. Sem saber o que esperar decidimos sentar-nos, até que apareceu o apresentador para dar início à sequência de lutas. Com os holofotes a apontar para ele, todo pipi, com fato e laço ao pescoço, com um ar sorridente de quem não vai sujar as mãos, fez as devidas saudações e um longo discurso de agradecimentos até que lhe saiu um pujante “let’s make some noise!”, com a convicção de quem está a conduzir uma orquestra de fãs ao rubro com as goelas prontas a gritar bem alto.

Como nos anteriores desafios de Cage Fight em Portugal, também este era uma competição entre Norte e Sul. Em alusão, ou não, a outro desporto, a entrada dos lutadores nortenhos no pavilhão era feita com luzes azuis a iluminar o percurso dos balneários até à cage, enquanto que o vermelho estava reservado para a outra equipa, sempre ao som de um grande hip-hop ao estilo gangster misturado com uma dose generosa de apoteose. O espectáculo não pode parar e, momentos antes de os lutadores entrarem na jaula, há uma espécie de ritual em que cada lutador tira a camisola, descalça-se, abraça os colegas e treinadores e aparece um gajo que lhe passa vaselina na cara para que os golpes que vai sofrer escorreguem de forma a não ficar com as luvas do adversário coladas à cara.





Os primeiros quatro combates foram amadores, mas de amador pouco pareciam ter com embrulhadas técnicas de grappling, corpo a corpo, e poderosos pontapés capazes de levar a maioria de nós a lamber o tatami e a lá ficar esticados num verdadeiro KO técnico. Estes quatro combates que iniciaram o desafio foram bem prova do poder destes homens que mostram ter trabalhado bem para se confrontarem na cage com técnicas apuradas e estratégias definidas para os três minutos de cada um dos três rounds. E já que se fala nos vários rounds há que mencionar outra das grandes atracções deste Cage Fight: a menina que punha bem ao alto a placa com o número do round seguinte enquanto dava uma volta à jaula. Mas enganam-se se acham que ela se sentia a maior, a Mariana contou-nos que estava ali só para “dar um bocadinho de incentivo aos meninos” e bem se notava a animação da plateia nesses momentos — é que o pessoal só se levantava quando um lutador caía ou quando ela abria o round seguinte.

Depois foram as nove lutas profissionais, três rondas de cinco minutos cada, que levaram a plateia a sentir toda a adrenalina, com grandes nomes do Cage Fight em Portugal, como Falco e Lança que protagonizaram a luta da noite com o primeiro a pôr o segundo no chão, mas a ser depois derrubado com uns bons golpes para a vitória, que só pararam com a intervenção do árbitro. Mas também outros lutadores deram show e Manel Kape, mais conhecido por Prodígio, foi um deles — já nos vídeos de apresentação tinha mostrado a vontade de ganhar com um KO e acabou por sair vencedor com um takedown seguido de uns golpes a Marcos Santos, o Facas. Estes dois lutadores foram ainda imagem do grande respeito que existe entre os atletas ao darem um abraço no final da luta. Que queridos.





Entre fãs com músculos maiores do que nós, raparigas de biquíni, lutadores que dão hammerfists (uma espécie de murro rápido que não quero saber o quanto dói), há grandes atletas que tal como os de outras modalidades mais mainstream treinam e se dedicam todos os dias para estarem sempre em boa condição e darem o melhor espetáculo possível, como deixou bem claro o Simão Rodrigues, que viu a sua luta contra Carlos Gandarela cancelada por erro técnico, mas que não quis deixar de posar para a câmara da nossa fotógrafa. Há ainda que lembrar todo o trabalho prévio dos treinadores, mas também enquanto os seus discípulos estão a dar e a levar porrada, são eles que mais incentivo dão e que usam a palavra “trabalho” com a maior convicção que ouvi nos últimos tempos.

No fim, a Rita, depois de dar tantas cambalhotas à volta da jaula, acabou por sair tão suada quanto os lutadores, como a Elisabete havia previsto. Já eu, saí dali a achar que ver gajos à porrada ao vivo é bem mais fixe do que ver os vídeos na net que, na verdade, pouco mostram do que realmente se passa além de passarem zero adrenalina. E não há que ficar assustado, a segurança é bem melhor do que na maioria dos jogos de futebol. Venham mais Cage Fights, estaremos lá batidos.


Fotografia por Rita Marinho