Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma Munchies UK.
A cidade de Amarante, no Norte de Portugal, é conhecida pelas paisagens idílicas do Tâmega, pelos seus habitantes profundamente religiosos… e pelos enormes bolos em forma de pénis. Sim. Esta calma localidade, com a sua grandiosa arquitectura religiosa e fortes raízes agrícolas, tem também uma linha tradicional de produtos de pastelaria obscenos.
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Se por lá passares durante as festividades de Junho em honra do padroeiro local, São Gonçalo, não vais conseguir dar dois passos sem que um amarantino com ar de beato se chegue a ti a brandir um falo gigante de pastelaria. E mesmo depois da “febre” das festas baixar e as coisas começarem a voltar ao normal, as montras das pastelarias da cidade continuam a ser um regalo para a vista. Os doces fálicos de Amarante [também conhecidos como “Colhões de S. Gonçalo“] tornaram-se tão famosos que, hoje em dia, são confeccionados durante todo o ano.
Os saboroso bolos em forma de pila e respectivos testículos, com uma cobertura de glacé branco (como se já não fossem suficientemente explícitos) são por vezes recheados de creme, só para marcar mesmo a posição. Com a fama destes vistoso bolos a competir agora taco a taco com a beleza rural da região, os visitantes podem deleitar-se com os seus doces falos e um café pingado em qualquer época do ano.
Em Janeiro, por exemplo, o negócio das pastelarias aumenta exponencialmente, já que a tradição das celebrações religiosas “obriga” a que famílias e amigos ofereçam estas pilas como forma de celebrar a “fertilidade e a bonança” no ano novo.
De qualquer forma, é nas Festas de São Gonçalo, realizadas no primeiro fim-de-semana de Junho, que a coisa tem o seu ponto alto. Os putos agarram-se ao algodão doce, a população dança ao ritmo da música típica destes eventos e há bandeirolas de papel em formato de pénis a esvoaçar ao vento. Mulheres vestidas com batas ao xadrez e rostos sérios oferecem-me bolos-pénis de todos os feitios e tamanhos, de maravilhas fálicas de 30 cm a saquinhos de plástico cheios de pequenas pilas doces, que não resisto a guardar como recordação.
Mas, como é que esta cidade, de certa maneira tão tradicional, se tornou obcecada com esta doçaria temática? E o que é que São Gonçalo tem a ver com a história? Seria ele possuidor de uma avantajada anatomia?
As origens são turvas, no entanto, diz-se que São Gonçalo, um padre do século XIII que vivia na localidade, era efectivamente dotado de um “certo dom” e, por outro lado, é muito possível que a pastelaria marota seja um resquício de uma era pré-católica, que se imiscuiu em rituais religiosos mais modernos.
Sonia Files, do Turismo de Amarante, explica: “O ritual de oferecer os bolos de São Gonçalo terá origem na época romana, ou mesmo até em sociedades pré e proto-históricas. São rituais que continuam hoje em dia, representados na oferta de bolos fálicos e figos secos a 10 de Janeiro e nas festas de Junho em honra do Santo”.
De acordo com Filipe Soares, da Padaria Pardal (uma das várias pastelarias de Amarante que vendem estas confecções de causar inveja a muita gente, durante todo o ano), os pouco santos doces chegaram a ser proibidos no tempo da ditadura [de Salazar], por serem considerados obscenos. Os habitantes locais, no entanto, continuaram a fazê-los em segredo. O regresso em força deu-se nos anos 1970, depois do 25 de Abril e da implementação do regime democrático, sendo hoje mais abundantes que nunca.
De facto, a tendência da pastelaria fálica parece estar a espalhar-se para outras regiões. Um amigo que recentemente foi viver para Aveiro, enviou-me fotos de pão em formato de pénis, orgulhosamente exposto na montra de uma padaria familiar local. Uma homenagem às pilas doces dos seus vizinhos nortenhos?
Gonçalo Azevedo, um lisboeta cuja família é oriunda do norte de Portugal, cresceu com a tradição da oferta de bolos fálicos. “Oferecer pastelaria em formato de pénis pode parecer um costume estranho, mas, na realidade, é um gesto que não tem nada de ofensivo e qualquer pessoa que tenha crescido no Norte tem consciência destes bolos fálicos desde pequeno”, conta-me. E acrescenta: “Há várias localidades na região Norte que agora também confeccionam e vendem estes bolos,. Tornou-se uma cena importante”.
Todavia, e ao mesmo tempo que enfatiza que não recebeu o seu nome em honra do santo padroeiro de Amarante, Gonçalo salienta: “Julgo que não seria boa ideia andar por Lisboa a oferecer bolos em forma de pénis a jovens raparigas, mas em Amarante é perfeitamente normal e aceite com um espírito festivo. Os franceses têm as suas rosas vermelhas, mas os portugueses têm os seus doces fálicos e tenho a certeza que a tradição está para durar”.
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