A comida ocidental está a matar a China do coração

Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma MUNCHIES.

Conforme crescia e se estabelecia como potência industrial e económica irrefreável, a China acabou por adoptar, para o bem e para o mal, alguns hábitos ocidentais. Além da comum predilecção por iPhones e veículos motorizados, muitos chineses voltaram-se para dietas ao estilo ocidental, dominadas pela fast food e pelos refrigerante. Agora, o país está com um problema de saúde em mãos. E um bem típico do Ocidente: o aumento dos índices de hipertensão, obesidade e enfermidades provocadas por este tipo de alimentação.

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Um estudo recente publicado na revista de cardiologia Journal of the American College of Cardiology concluiu que, na China, estão a aumentar os casos de derrames, ataques cardíacos e outros riscos para a saúde, em grande parte graças à rápida modernização que o país vivenciou nos últimos 30 anos. As pessoas estão a comer mais carne, a beber bebidas mais açucaradas e, por causa da urbanização, fazem menos exercício físico. Somemos a isso o facto de que o tabagismo ainda é extremamente popular na China – com mais de 50 por cento da população masculina fumadora – e temos a receita perfeita para o aumento dos problemas cardíacos. Em 2010, 34 por cento dos adultos chineses já eram hipertensos, contra apenas 8 por cento em 1979.

“As nossas estimativas sugerem que o aumento contínuo dos índices de hipertensão, um estilo de vida cada vez mais sedentário, o crescimento da obesidade e a decadência nas tendências alimentares devem contribuir para o aparecimento de milhões de novos casos de ataques cardíacos e derrames nas próximas duas décadas”, afirma a investigadora de Harvard, Yanping Li, numa recente nota enviada à imprensa.

Entre as quase sete milhões de pessoas com mais de 35 anos que morreram em 2011, os investigadores descobriram que a morte de três milhões, um pouco menos de metade, foi provocada por algum problema relacionado com doenças cardiovasculares. E a situação pode piorar ainda mais. O estudo concluiu que os aumentos mais drásticos de hipertensão e obesidade foram observados entre jovens e moradores de zonas rurais.

Isto não é na China, é na Coreia do Sul, mas vocês percebem o ponto de vista. Foto por Sérgio Felizardo.

“A China está a enfrentar uma epidemia crescente no índice de doenças cardiovasculares e não há sinais de que o cenário possa ser invertido”, afirma, por sua vez, o também investigador de Harvard e autor, Frank Hu. “É imperativo continuar a monitorização de um problema que acarreta consequências sociais e económicas graves”. Hu pediu mesmo a intervenção do governo, sugerindo que uma política pública poderia ajudar a reduzir os índices de hipertensão no país.

Talvez outro estudo, publicado pela Associação Norte-Americana do Coração, possa contribuir para chamar a atenção para a questão. Esta investigação, publicada na revista Circulation, editada pela própria instituição, conclui que a falta de oferta de alimentos frescos está ligada ao aparecimento de sinais de doenças cardíacas precoces. Nos desertos alimentares urbanos dos Estados Unidos, onde é difícil encontrar alimentos frescos, mas abundam as opções de fast food e produtos processados e embalados, comer bem e manter a saúde pode ser um desafio.

“A ausência de lojas que oferecem produtos alimentícios saudáveis, pode ajudar a explicar porque é que as pessoas nesses bairros apresentam mais doenças do coração”, afirma Jeffrey Wing, um dos principais autores do estudo.

Enquanto a China começa a enfrentar uma nova epidemia na saúde pública, uma boa notícia pode ajudar: neste preciso momento, os consumidores chineses não se impressionam tanto com fast food como já se impressionaram no passado e até muito recentemente. Depois de um escândalo que trouxe a público a imensa quantidade de antibióticos injetados nos frangos da KFC (um dos preferidos dos chineses), houve consumidores que até brincaram: “Não vou no médico, vou ao KFC”. Para o bem do coração deles, seria óptimo que estivessem mesmo só a brincar.