Parece loucura tentar apontar o momento exato em que o rosto e o corpo da Kim Kardashian se tornaram onipresentes no mundo, assim como o logo do McDonalds ou uma latinha de Coca.
Não foi em 2007, quando a sex tape que ela fez com Ray J (porque ela estava com “tesão e deu vontade”) vazou. Referindo-se ao vídeo, a Wikipédia a descreve eufemisticamente como “nascida em 1980” mas “ativa a partir de 2007”. Ativa mesmo. Não foi em outubro do mesmo ano, quando Keeping Up with the Kardashians estreou, ou quando ela posou para a Playboy e disse que fez isso “com classe” por causa de sua “bunda grande”.
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Não foi na época em que ela apareceu brevemente em Super-Heróis: A Liga da Injustiça (2008), do seu comercial para o Carl’s Jr. (2010), ou quando sua estátua de cera foi revelada no Madame Tussauds (2010). Mas no final de 2010, Kim era a terceira estrela de reality show mais rica de Hollywood, e no ano seguinte Keeping Up with the Kardashians foi renovado para mais duas temporadas, supostamente por $50 milhões. Acho que a história começou por volta da época que ela apareceu andando de moto nua com o Kanye West no clipe de “Bound 2”.
Mas a resposta certa parece ser o ano em que Kim Kardashian entrou no Instagram e, como todos os artistas sonham em fazer, encontrou seu meio. Desde então ela criou um jogo para celular, uma linha de roupas e uma linha de produtos de beleza incrivelmente popular, além de endossar publicamente espartilhos, branqueadores de dente e pirulitos de dieta um tanto imorais. Hoje ela vale aproximadamente $350 milhões, e ainda assim seu melhor produto é e sempre vai ser Kim Kardashian: seu rosto e corpo, consistentes o suficiente para ser um logo, e lentamente evoluindo para que a cada ano pareçam mais e mais perfeitos, menos como os nossos. “Queremos que tenha algo mais com a Kim Kardashian, alguma razão ou contexto, alguma grande explicação que nos diga o que é viver na nossa era”, Brian Moylan escreveu para a Time em 2014, depois que a capa Break the Internet para a PAPER fez exatamente o que prometia, “mas não tem”, ele concluía. “A bunda da Kim Kardashian é apenas uma promessa vazia.”
Mas o desejo sexual muitas vezes não é baseado em promessas vazias?
Um ano depois que a matéria da Time foi publicada, Kim Kardashian lançou um livro com suas melhores selfies, que ela intitulou – provando que é esperta como uma raposa – Selfish.
Com tudo isso em mente, é razoável pensar que Kim Kardashian quer, acima de qualquer coisa, a livre circulação de sua imagem. Ela é seu próprio marketing, seu bem e investimento mais valiosos: não há produtos Kardashian sem a Kim, e não há endosso do estilo de vida Kardashian mais convincente que sua figura orgulhosamente falsa e consumidora de tempo. (Se, como a Wikipédia diz, Kim está “ativa” desde 2007, quer dizer ela passou mais de uma década mudando e refinando o rosto e o corpo – ou seja, aquele exato formato que imaginamos quando alguém diz “Kim Kardashian –, fazendo dela um trabalho em progresso com um período de gestação mais longo que Ulisses do James Joyce.)
Quando, em 2017, os paparazzi começaram a reclamar que a família Kardashian usava fotos feitas por paparazzi só que sem pagá-los, as estrelas de reality show compreensivelmente ficaram abaladas como o desdobramento da situação. Quando os mesmos paparazzi foram atrás dos fãs da Kim, derrubando sites feitos por esses fãs, ela ficou puta. Pode ser que ela tenha ficado furiosa porque ama muito seus fãs; mas também, sem dúvida, ficou puto porque queriam deletar o que era até então a grande publicidade, a distribuição aberta… dela.
“Odiei como as agências de paparazzi derrubaram todas as contas de fãs!”, ela tuitou no final de agosto daquele ano. “Ugh, temos que pensar em alguma coisa! Talvez começar nossa própria agência? E deixar os fãs postarem o que eles quiserem!!!!! Vamos fazer um brainstorm, gente!”
A Kim é, independente do que você pensa dela, uma mulher de negócios brilhante, com uma baita mente para fazer dinheiro. Seis meses depois, ela encontrou um jeito genial de lidar com o embargo de suas imagens espontâneas. “Aliás”, ela compartilhou semana passada, “já que as agências de paparazzi não deixam os fãs repostarem, todas as minhas fotos agora vão ser tiradas pelo meu próprio fotógrafo e vocês podem repostar sempre que quiserem. Se eu postar algo de uma agência, vou tagueá-la e tenho permissão. Então, essas, por favor, vocês não repostem!”
Kim Kardashian, admiradora de longa data da Elizabeth Taylor, sem dúvida viu os paralelos entre sua decisão de empregar um fotógrafo pessoal e Taylor contratando Gianni Bozzacchi para o mesmo trabalho no final dos anos 60. Como Kardashian, o que Taylor queria era controle, um jeito de cristalizar sua imagem aos olhos do público com suas especificações exatas. Diferente de Kim Kardashian, Taylor não tinha que lidar com o Instagram, Twitter ou o Daily Mail. Mas diferente da Kim, ela não era só uma mulher bonita com uma linha de perfumes, mas uma grande atriz. A aparência dela era parte da imagem, sim, mas não era a coisa toda, e não era tão insanamente disseminada nem dissecada a cada minuto como a imagem de uma mulher moderna com uma sex tape e um reality de 13 temporadas.
É difícil saber qual parte dessa história tão 2019 é mais estranha: mulheres extremamente públicas sendo processadas por reproduzir suas próprias imagens, ou a ideia de que os fãs de Kim Kardashian viram a decisão dela de trabalhar com seu próprio fotógrafo como altruísta, motivada por amor.
Eu argumentaria que Kardashian não precisava ser motivada por amor, quando ela tem um império para comandar, e quando o corpo e o rosto dela são a moeda. Mais do que a Gigi Hadid, que vem sendo processada por paparazzi por usar ilegalmente sua própria imagem no Instagram, a marca de Kim é totalmente sinônimo do estilo pessoal dela, sua silhueta, e sua habilidade de simplesmente ser a Kim no olhar do público. O trabalho mais lucrativo dela ainda é, apesar dos perfumes, produtos de beleza e jogos para celular, existir para ser vista; ela é, apesar de ter lançado sua própria coleção de Kimojis, praticamente um emoji que ganhou vida. (Pode ser o emoji de uma garota gostosa fazendo dinheiro.) “Sou uma empreendedora”, ela disse certa vez. “Ambição é meu nome do meio.” Parece que processo nenhum vai ficar entre nossos olhos e a forma indelével e invejavelmente esculpida de Kimberly “Ambição” Kardashian.
Nas palavras imortais dela: “Talvez, se você tivesse um negócio que ama, você saberia como é comandar um negócio de verdade, mas você não tem”.
Matéria originalmente publicada pela i-D Reino Unido.
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