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A desconfortável história do hoodie

Vetements outono/inverno 2016. Foto por Mitchell Sams.

Esta matéria foi originalmente publicada na edição impressa de novembro da VICE US.

Em setembro, Whoopi Golberg apareceu no programa The View usando um moletom com capuz de $1.050 do coletivo de moda francês Vetements. A blusa trazia a mensagem “QUE AS PONTES QUE EU QUEIMAR ILUMINEM MEU CAMINHO” (que não é um provérbio antigo, como eu imaginava, mas uma fala do adolescente niilista Dylan McKay na série dos anos 90 Barrados no Baile). Goldberg disse à revista New York: “Se eu pudesse usar uma blusa que dissesse ‘Não fode comigo’, eu teria usado”. Na época, ela tinha estreado seu reality Strut sobre modelos transgênero no canal Oxygen, e logo anunciaria sua saída do The View. Whoopi out.

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Ainda assim, a escolha de figurino de Whoopi foi fascinante por outras razões além do que já sugeria sobre sua carreira. Whoopi interrompeu um geralmente inofensivo The View de vestidos tubinho e camisas sociais com um dos símbolos cotidianos mais carregados da divisão econômica e racial dos EUA. Assim como as calças boca de sino nos anos 70, os moletons de capuz, ou hoodies, se tornaram uma espécie de estenografia da alfaiataria da luta social nos EUA dos anos 2010.

Nem sempre foi assim. A Champion, uma marca de roupas de trabalho, produziu as primeiras blusas com capuz nos anos 30, para proteger trabalhadores de armazéns do norte do estado de Nova York contra o vento e o frio. Os atletas, por sua vez, logo adotaram a peça, assim como basicamente todo mundo que queria se aventurar a céu aberto durante o inverno no Hemisfério Norte. Em 1976, Sylvester Satallone surge em Rocky usando um moletom de capuz que representava o ideal platônico da peça: simples, utilitário e em cinza clássico.

Enquanto isso, em Nova York, os moletons de capuz tinham outro propósito durante os primeiros anos do hip hop. Os grafiteiros, uma força vital do establishment da cultura nos anos 70, começaram a usar hoodies para proteger seu anonimato enquanto pichavam muros e vagões do metrô. O hoodie se tornou uma peça de proteção diferente, criando uma espécie de cobertura para prática de atividades ilegais.

“O hoodie era apenas parte do visual de rua do começo do movimento”, me disse a historiadora do hip hop Halifu Osumare. “E é fascinante ver como a cultura de rua foi cooptada e comercializada pela alta moda.” Osumare aponta que desde os anos 70, o hoodie fez a transição de uma peça deliberadamente não-descritiva para um símbolo geralmente embelezado de status para celebridades do rap. (Em 2006, o Victoria and Albert Museum de Londres adquiriu um hoodie incrustado de joias que pertenceu a Sean “Puff Daddy” para sua coleção permanente.)

Nos anos 90, grandes marcas de moda norte-americana como Ralph Lauren e Tommy Hilfiger, inspiradas pela cultura do rap e seu potencial de fazer dinheiro, integraram peças das ruas em suas ofertas por meio de linhas paralelas como a Polo e Tommy Sport. Era uma ação que pretendia passar uma mensagem subliminar de associação com a criatividade do underground e a criminalidade, com uma aura urbana “cool” desejável.

In the Hood, por Havid Hammons. Getty Imagens.

Em fevereiro de 2012, o estudante de 17 anos Trayvon Martin foi baleado e morto num condomínio fechado na Flórida enquanto usava um hoodie. Momentos antes, o atirador, George Zimmerman, disse ao atendente do 911 que um jovem usando um “hoodie preto ou cinza” parecia “suspeito”. Nos dias seguintes, personalidades da FOX News como Geraldo Rivera e Bill O’Reilly culparam a escolha de roupa de Martin por sua morte, jogando mais combustível na fogueira do debate racial sobre o papel do hoodie. “Ele estava usando um hoodie, e parecia de certa maneira. A maneira como ‘gangstas’ parecem”, disse O’Reilley. No meio de março de 2012, o hoodie tinha se tornado um emblema do racismo norte-americano e da luta para acabar com ele. Milhares de pessoas se juntaram em Nova York para a Million Hoodie March. No Instagram, LeBron James postou uma foto do time de basquete Miami Heat usando hoodies com a legenda #SomosTodosTrayvonMartin, #Hoodies, #Esteriótipo e #QueremosJustiça.

Osumare sugere que duas figuras resumem bem nossas associações culturais com os moletons de capuz: Trayvon Martin e Mark Zuckerberg. Um representa a demonização atual dos jovens negros, o outro, que sempre usa hoodie nas reuniões de acionistas de sua companhia, se tornou um ícone irônico do estilo normcore nerd — além de um multibilionário. O hoodie, acrescentou Osumare, é “um símbolo quintessencial entre cultura de rua e o capitalismo”, e hoje está entrelaçado ao tecido da injustiça racial norte-americana.

O hoodie não é um ícone novo dessa injustiça — veja: a obra violentamente direta de 1993 de David Hammons In The Hood — ou um ícone que mesmo assim perdeu seu poder — veja: a sugestão de Hillary Clinton, ano passado, de que para muitas pessoas “a visão de um jovem negro de hoodie ainda evoca uma pontada de medo”. Mas é uma peça que continuamos usando como desafio porque, depois de tudo, ela ainda não perdeu seu caráter cool.

Tradução: Marina Schnoor

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