Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma NOISEY.
No grandioso esquema global das coisas, Portugal não é, à partida, o primeiro sítio que nos vem à cabeça quando pensamos no próximo destino para umas férias em modo peregrinação heavy metal. A Noruega (a Escandinávia em geral) estará, tendencialmente, no topo da lista juntamente com a Alemanha, a República Checa, o Reino Unido – pelo menos gosto eu de pensar que sim – e os Estados Unidos um bocadinho mais abaixo. Os países do Sul da Europa têm, obviamente, a sua própria e próspera cena metaleira, mas os países frios têm o “jogo” dos festivais dominado – isto, claro, se não estivermos a falar de Portugal, porque, nesse caso, o SWR Barroselas Metalfest, rivaliza com qualquer um.
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Sendo um dos festivais europeus de metal extremo de maior longevidade (a dar-lhe rijo desde 1998), este evento, que se prolonga por vários dias e tem actuações em dois palcos, criou a tradição de juntar nomes da cena local com alguns dos maiores nomes da actualidade internacional. A edição deste ano, por exemplo [a decorrer a partir de hoje, 22 de Abril, até Domingo, 24], tem no cartaz nomes como Marduk, Taake, Archgoat, Doom, Jucifer, Grave, Incantation, Misþyrming, Usnea, Inverloch, Conan, Naðra, e Severe Torture ao lado de toneladas de jovens e furiosas bandas portuguesas.
Vai ser selvagem e eu lá estarei para uma análise intensiva da loucura e uma documentação exaustiva do Festival no Noisey [bem como na VICE Portugal, já que temos a nossa colaboradora Helena Granjo a fotografar o evento, juntamente com a Kim Kelley]. No entanto, antes de meter os pés em Barroselas, achei que seria boa ideia dar-vos, queridos leitores, uma ideia mais precisa sobre o que é afinal este Festival, porque é que é tão radical e porque é que já o deveriam estar a adicionar à vossa wishlist para uma futura aventura metaleira.
Conversei por email com um dos responsáveis pela organização, Ricardo Veiga, que conseguiu fazer uma pausa entre os últimos preparativos do evento e ter de lidar com um cancelamento de última hora (fica para a próxima Aborted), para me pôr a par de tudo o que é o SWR.
Noisey: É verdadeiramente fabuloso que o SWR Barroselas esteja no activo desde 1998 e tenha evoluído de um evento de um dia para um festival de metal de dimensão internacional. O que é que fez com que quisesses começar a organizar um Festival?
Ricardo Veiga: Barroselas é a localidade onde eu e o meu irmão nascemos, por isso o querermos devolver alguma coisa àquela comunidade foi algo que surgiu de forma muito natural. Ver aquilo em que se tornou nestes 20 anos é, claramente, o nosso maior feito. É preciso alguma teimosia para organizar um evento desta natureza num local relativamente isolado, ainda para mais em Abril, altura em que está quase sempre a chover, mas, no fim, acaba sempre por valer a pena. Nunca Tivemos como objectivo que o SWR se tornasse massivo em termos de tamanho, o que queríamos, essencialmente, era que tivesse um ambiente de liberdade e de intimidade, com conteúdos exclusivamente dedicados aos verdadeiros amantes de música. A primeira edição foi muito stressante e tínhamos apenas cinco bandas, mas depois fomos ao Dynamo e ao Wacken [festivais na Alemanha] e descobrimos todo um novo mundo, com bandas do caraças e boas ideias, quer a nível de programação, quer a um nível mais estrutural. Começámos a estabelecer contactos através da nossa fanzine Metalurgia e da nossa banda, GoldenPyre, e o resto é história.
Como é que era a cena metaleira nessa região de Portugal em 1998 e como é que vês a sua evolução desde então?
Nos anos 90 a cena do metal em Portugal andava um bocado a passo de caracol, enquanto agora é tão artilhada e e viva como em qualquer outra parte do Mundo. As diferenças de 1998 para agora são gigantescas. Lembro-me que nas primeiras edições contratávamos bandas através de cartas!
Quando isto começou, a comunidade portuguesa do metal era pequena, mas muito unida. Quando a Internet pegou a sério, tornou-se bastante mais fácil aceder à música, o que significou também que muitos mais metaleiros se juntaram à cena. É curioso que apesar da notoriedade que o género conquistou nos anos 2000, muitas das melhores edições portuguesas sejam anteriores a essa época, falo de discos de bandas como Filii Nigrantium Infernalium, Gangrena, Genocide, Thormenthor, WC Noise, Moonspell, ou Decayed, algumas delas ainda no activo.
O SWR tem sempre um lineup bastante diversificado, mas o foco principal parece ser o death metal e o grind, particularmente no que diz respeito às bandas mais pequenas. Os Avulsed, por exemplo, foram cabeças-de-cartaz da primeira edição e ainda andavam em destaque no cartaz em 2007. São estas as vossas preferências pessoais, ou há uma maior procura da comunidade portuguesa por death/grind?
As nossas raízes estão nos territórios do death metal e, quando tudo começou, os Avulsed, ou os Machetazo eram algumas das nossas bandas favoritas. Nessa altura, havia poucas bandas de black metal a tocar ao vivo, pelo que era difícil contratá-las e o heavy metal, enquanto género, não estava tão segmentado como agora. Quanto à questão da procura, como sabes, no metal temos esta montanha-russa cíclica em que a popularidade dos géneros sobe e desce a cada dois anos. Tentamos sempre antecipar-nos, o que é cada vez mais complicado, já que os festivais também estão mais focados que nunca e há eventos específicos dedicados a todos os nichos. Quando trouxemos os Esoteric e os Year Of No Light em 2010, ou os Voivod e os Menace Ruin em 2011, foram poucos os que lhes ligaram; agora, depois do efeito Roadburn essas são as bandas que têm toda a atenção. As coisas mudam estão em constante mudança e temos de fazer um esforço para acompanharmos essa mudança.
Ao contrário da Escandinávia, Alemanha, ou Reino Unido (e apesar das muitas e excelentes bandas portuguesas), Portugal não é muito conhecido como um país de metal. Tens conhecido metaleiros de todo o Mundo, por isso quais achas que são as diferenças culturais entre Portugal e esses outros países que o impedem de ser uma força maior na comunidade a nível global?
Há uma cena em franco crescimento aqui, mas é muito complicado para uma banda portuguesa dar o salto lá para fora. Portugal está mais ou menos isolado na Europa e a maioria do público espanhol,por exemplo, está mais inclinado para o heavy metal clássico, o que faz com que seja muito difícil que uma banda vá lá em digressão, por exemplo. Isto acaba por ser desmotivador para muita gente, que até entende que é tão boa como qualquer outra banda estrangeira, mas que não tem as mesmas oportunidades que, digamos, uma banda alemã ou holandesa. As bandas portuguesas que conseguem tocar em festivais lá fora são muito ficadas e persistentes, mas, tal como grande parte das pessoas que tocam, o que querem mesmo é fazer música e não andar a mandar mil emails que não têm resposta. Para além disso, tirando algumas pessoas, os músicos portugueses são bastante inexperientes no que diz respeito a conseguirem fazer as coisas acontecer a nível internacional.
Qual é o sentimento generalizado em Portugal em relação ao metal e, em particular, o que é que a população de Barroselas acha do SWR? Tal como acontece na Holanda com o Roadburn é uma localidade bastante pequena, por isso, nos dias do Festival as ruas são invadidas por metaleiros…
Ao início foi complicado: um festival de música extrema, numa localidade portuguesa conservadora, organizado por um bando de putos de cabelo comprido, numa altura em que a sociedade, no geral, associava todo o género ao consumo de drogas…tinha tudo para correr mal, mas não correu. ainda sofremos alguma pressão para levar o evento para outro sítio, onde não existia qualquer infra-estrutura, o que significava que tínhamos de reconstruir tudo do zero, mas com o passar dos anos, as pessoas acostumaram-se e começaram a ver o Festival como uma coisa boa. Faz com que os negócios locais estejam bastante movimentados durante aqueles dias, o que é muito significativo numa altura em que estamos a emergir de um período económico complicado. Durante o Festival, o centro de Barroselas até é mais ou menos calmo, porque há apenas alguns cafés e restaurantes, por isso muita gente acaba por visitar a cidade mais próxima, Viana do Castelo, onde há um apelo turístico muito maior, com as praias e os monumentos históricos.
Quais são os maiores desafios quando se realiza um festival grande como este?
Acho o desafio maior é sempre tentar manter o equilíbrio entre o que queres fazer e o que podes efectivamente fazer. Lutamos pela independência e pela individualidade das nossas próprias decisões, mas no fim, tudo acaba por resumir-se a orçamentos, expectativas, apoios, disponibilidade dos artistas, tempo, regulamentações…uma data de variantes que se interligam e que fazem com que, ano após ano, tenhamos de nos manter actualizados para que as coisas estejam sempre a melhorar.
Qual foi o problema mais complicado que tiveste de enfrentar e, num lado positivo, qual foi a melhor actuação que já viste no SWR?
Em 2001, os Mayhem cancelaram o concerto à última hora e algumas pessoas invadiram o cemitério local. Recebemos ameaças da população, tivemos cobertura do caso a nível nacional por parte de televisões e jornais, problemas com as autoridades policiais, dificuldades com as autoridades municipais e por aí fora…podes imaginar que os anos seguintes não foram fáceis, ams nunca desistimos. Tornou-nos mais fortes.
No que respeita à melhor actuação, nunca vou esquecer a estreia em Portugal dos Bolt Thrower, o caos com os Ratos de Porão e o prazer pessoal de ver Jeff Becerra e os Possessed numa actuação extremamente emocional. Esse gajo é o maior.
Como é que decidem que bandas vão convidar?
Esse é um dos maiores prazeres de organizar isto. É como encaixar um puzzle gigante e desorganizado e fazer com que todas as peças encaixem na perfeição. Dá-nos um gozo do caraças convidar e receber algumas das nossas bandas favoritas e alguns dos nossos heróis musicais. O mais difícil é que não os podemos ter todos de uma só vez, por isso a estratégia passa por tentar fazer as melhores apostas para cada edição e aproveitar todas as oportunidades. Estamos sempre a fazer listas de sugestões, questionários ao nosso público, colaboramos com editoras e outros festivais, ouvimos um monte de edições e temos muita gente em quem confiamos e que nos sugerem coisas, ou que nos falam sobre concertos que viram no estrangeiro.
O que é que faz com que o SWR seja diferente de outros festivais internacionais? O que é que fazem para garantirem que vai ser uma experiência especial para as pessoas?
O SWR é mais um baptismo de fogo, do que propriamente um festival como normalmente se define um festival. Se aguentares os três dias de chuva, lama e música pesada em regime non-stop, então estás pronto para enfrentar qualquer festival. As bandas dizem que parece que o tempo pára, que o evento as leva numa viagem no tempo e que o público é muito genuíno. Tentamos assegurar-nos que toda a gente se sinta confortável e tenha uma experiência fantástica, todos os palcos são cobertos, temos um espaço de cafetaria aberto 24 horas durante o Festival, organizamos uma série de actividades paralelas e orgulhamo-nos muito de sermos nós próprios a fazer toda a decoração do recinto com a ajuda da equipa e de amigos que estão connosco desde sempre. Muitos deles vêm de bastante longe só para o Festival.
O cartaz é composto por uma boa mistura de estilos, de forma a que seja o mais variado e excitante possível, tanto com coisas mais old school, como com artistas mais recentes, porque também entendemos que 10 horas de death metal era capaz de ser cansativo até para os mais ferrenhos. Também temos muito cuidado com a nossa imagem e trabalhamos com alguns dos melhores ilustradores que aí andam, de forma a que a nossa filosofia seja expressa pelas suas imagens. Se conseguires que toda a gente venha num estado de espírito certo, temos a certeza de que todos vão passar bons momentos.
Agora que o SWR está maior que nunca, o céu é, de facto, o limite no que diz respeito a bandas que podem contratar. Quais são as três bandas que mal podem esperar para agendar para o proximo ano?
Ahah, desculpa lá, mas prefiro não comentar nada sobre isso, porque temos um monte de ideias que queremos colocar em prática para o proximo ano, que será o nosso vigésimo aniversário e não quero dize nada para já. Até lá, vamos trabalhar no duro para fazermos desta uma edição memorável e depois começamos a planear a próxima. A única coisa que posso dizer é que esperamos fazer uma grande festa e que os Aborted possam compensar o facto de não tocarem este ano.
Kim Kelly é editora da nossa plataforma Noisey e podes segui-la no Twitter.