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A nova geração do rap de LA está mudando tudo

LA RAP

A voz de 03 Greedo corta um almoço tardio. Entre bocados de prime rib no ponto, caranguejo com alho, e lula frita, ele estava me regalando (e, por causa do volume, todo cliente, garçom e ajudante do restaurante) com um monólogo profano sobre Phil Collins. Enquanto ele falava candidamente sobre gangues, paternidade e ceviche (“Por que você ia querer comer camarão frio? Não estamos no mar”), o tópico que mais empolgava o rapper e produtor de Watts era o estrelato. Especificamente, seu plano de imitar o ex-baterista do Genesis e cantor de “In the Air Tonight”.

“Qual o apelo de Phil Collins pra você?”, perguntei.

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“Só o jeito dele”, ele disse, teatralmente agarrando as lapelas da jaqueta jeans com forro de pele. “Tipo ‘Não fale comigo’. Pelo menos é como a música dele soa, se eu nunca tivesse visto o cara, dava pra achar que Phil Collins é um negro das ruas. Ele tem esse som, tipo ‘Gimme some gutter shit’. Sabe, como quando você ouve Erykah Badu ou India Arie, e você pensa ‘Cara, essa mulher estava descalça no estúdio. Dá pra saber que essa é uma daquelas esquisitas que queima incenso’ – dá pra ouvir.”

Greedo compartilha esse dom – ouvir a música dele é ver o coração do Grape Street Crip, o rosto contorcido e dreads tremendo com a enormidade de sua dor. Mas uma fama estilo Phil Collins vai ter que esperar até pelo menos 2020, depois que ele cumprir dois anos de sua sentença de vinte, ele pode pedir liberdade condicional. A onda fervente da música que ele ajudou a criar vai atingir o pico sem ele.

Uma geração de rappers e produtores de comunidades pobres está reimaginando não só o som de Los Angeles, mas suas gírias, estilo e a divisão cultural entre negros e latinos. Eles fazem rap para as madrugadas em que você está acelerando na estrada; do arrepio do ar-condicionado nas tardes quentes; do anoitecer e nascer do sol parecidos com óleo dos carcinógenos das estradas e cinzas nascidas dos incêndios descontrolados locais; do néon da loja de penhores, das luzes fluorescentes dos tribunais, e shows cheios de flashes de iPhone; de lean falso, Gucci real e moral questionável; para o moleque de 14 anos que mata aula na Fairfax Avenue, twerkers de 21 anos do Instagram, para os caras de 28 em condicional tentando evitar a segunda acusação que pode condená-los a uma vida de ligações chiadas da cadeia com a filha crescendo e ficando cada vez mais distante.

Rappers como 03 Greedo, Drakeo the Ruler, e Shoreline Mafia criaram um rap antagonista que se encaixa nessa nova Los Angeles aterrorizante, um lugar onde é cada vez mais impossível sobreviver para pessoas pobres e da classe trabalhadora não-brancas. Os salários dos californianos de classe baixa vêm despencando nas últimas quatro décadas, e segundo um relatório de 2018 do United Ways of California, mais de um terço das famílias “não ganha renda suficiente para obter necessidades básicas”. Moradias estão mais caras que nunca, com uma casa média em Los Angeles County saindo por US$ 687.600, segundo o Zillowmais do dobro do que em 2002. Estudos de 2017 indicam que Los Angeles County – que permite que um Departamento de Xerife corrupto administre o maior sistema prisional dos EUAprenda 13 vezes mais negros que brancos.

Usando os contornos fornecidos por Mustard e YG, os angelinos de hoje estão colorindo visões fantasmagóricas de um lugar lavado por milhões de dólares de investimento em imóveis vindos da China e novaiorquinos doidos para passar as décadas finais de um planeta habitável com uma visão panorâmica dos incêndios florestais. Essa é uma música para os angelinos não-brancos ouvirem enquanto o mercadinho mais próximo é substituído por uma loja de cristais, que atende aos transplantes do Brooklyn que descrevem sua etnia como “anglo-bruja”. E em vez de entregar sermões sobre a gentrificação ou autoajuda Pollyanna, esse rappers detalham uma variedade de comportamentos desviados – vendas noturnas de drogas, acidentes de carro abastecidos por substâncias, os caprichos imprevisíveis das dondocas de Instagram – numa cidade em declínio.

Com poucas exceções notáveis – Azjah, que se autoproclama a “Princesa de Compton”, e SG, cuja “Came Thru Crippin” amarrou uma bandana azul na música “Drip” da Cardi B – a maioria desses rappers são homens heterossexuais não-brancos. O material deles pode entrar em território misógino, reduzindo mulheres a pouco mais que acessórios de conquista social. Parte dessa postura “machão” sem dúvida é um reflexo de crenças patriarcais mais amplas; parte é reflexo da postura grosseira inerente do gangsta rap, uma música que muitos deles ouvem desde o nascimento.

“[Minha mãe] ouvia rap”, lembra 1TakeJay, um membro simpático e brincalhão da crew de rap 1Take. “Desde que era bebê, eu já cantava rap – uma música que eu não deveria estar cantando – como ‘I’d Rather Give You My Bitch’ do Suga Free. Eu sabia essa música de cor quando era moleque.”

Nos anos 1980 e 90, as três rádios de rap de Los Angeles – KDAY (93.5, a primeira estação de rap 24 horas do mundo), The Beat (92.3) e Power 106 (105.9, quase lá) – tocavam o rap gangsta local para um público jovem etnicamente diverso, incubando carreiras de artistas como Dr. Dre, Eazy-E, DJ Quik, Ice Cube, Warren G, assim como Suga Free. Agora, com a KDAY tocando exclusivamente o formato “flashback”, a Power 106 e a rebatizada Real 92.3 estão presas numa briga de travesseiros para ver quem toca mais Drake. Nenhuma das rádios é um meio para a música local. Os garotos usam Spotify, iTunes, Soundcloud, YouTube e Audiomack para ouvir e promover sua música, porque as rádios convencionais os abandonaram.

Quando adolescentes, a atual geração de rappers se inspirava mais em seus colegas do que em G-funk, o subgênero melódico e mordaz de gangsta rap que emprestava musicalmente do tecladista do Parliament-Funkadelic Bernie Worrell e das posições sobre a Segunda Emenda de Oliver North. Entre 2008 e 2010, os angelinos adolescentes estavam “jerkin’” pelo Fox Hills Mall, o Howard Hughes Center, clubes noturnos de todas as idades, restaurantes de fast food, estacionamentos – onde houvesse alguns metros de concreto. Jerkin’ – que não tem nada a ver com as conotações onanistas – era uma mistura intoxicante de dança, música e moda. Em grupos organizados de maneira solta como Go-Go Power Rangers, Fantastic LoL Kids, e Pu$haz Inc., garotos magrelos de calça skinny com as cores do arco-íris, bonés New Era customizados, e Vans xadrez faziam o “reject”, “pin drop” e “dip”. Música jerkin’ era para as “funções”; era uma música impetuosa e nada sutil para horas e horas de dança suada e extática.

Mas o jerkin’ era muito despreocupado para se sustentar – sua alegria era, em parte, um reflexo da sinceridade e otimismo geral da juventude. (Nunca houve uma geração de angelinos mais certa de sua capacidade de receber sexo oral.) Enquanto seus praticantes envelheciam, jerkin’ se tornou o ratchet e, com ajuda de grandes gravadoras, as figuras mais populares da cena se tornaram grandes nomes. YG, DJ Mustard e Ty Dolla $ign não são significantemente mais velhos que as novas classes dos astros de rap de Los Angeles – e, em alguns casos seletos, na verdade são até mais jovens – mas como eles experimentaram o estrelato no final dos 00, eles parecem, de longe, menos colegas e mais arquétipos inspiradores.

O ratchet, com suas batidas cruas e letras juvenis e simplistas, agora também é passé. Nos últimos anos, os mesmos garotos que dançavam nas ruas começaram a rimar sobre crimes; maconha se tornou um mero acompanhamento de pints pirateados de Hi-Tech e Wockhardt; armas, mais uma vez vistas diante das câmeras, são onipresentes e equipadas com clipes extensores. Mesmo o instrumental, antes alegre e brilhante, agora tem um timbre sombrio. A nova Los Angeles é má e não perdoa, tensa – e assim é seu rap também.

Por um mês e meio durante um verão infernal, dirigi por Los Angeles pedindo a homens jovens de Compton, Gardena, Hawthorne, Hollywood, Woodland Hills, Playa Vista e Lancaster para me contarem as experiências que informaram sua música e, mais simples, como diabos eles a chamavam.

Como a vida no crime é estressante, Drakeo the Ruler, de South Central, chama sua obra de “nervous music”. Ron-Ron The Producer, que faz música para congestionamentos travados que enfraquecem a alma, se refere a sua como “traffic music”. E 03 Greedo, o Grape Street Golem, é conhecido por fazer “creep music”, uma forma de rap que visa refletir a paranoia arrepiante do conjunto habitacional onde ele nasceu: Jordan Downs Projects, um lugar em Watts notório por sua pobreza e violência. Mas durante nossa conversa, 1TakeJay pensou num termo que acho que engloba muito bem a essência da arrogância e tagarelice de seus companheiros. Ele rotulou o estilo de “talking shit music”, já que “todo mundo dessa faixa etária fala merda de seu próprio jeito”.

Caiden não teve permissão para ficar no tribunal. O balbucio do nenê estava interrompendo a discussão do tribunal, segundo o meirinho, então a mãe de Caiden o carrega para fora do local, com seus Jordans vermelhos em miniatura balançando indiferentes.

Um pouco depois, durante um atraso de quase duas horas causado por um defensor público preso no trânsito, Caiden, com a mãe ao lado, olha para a praça de modernismo tardio do Compton Civic Center, suas linhas limpas e pintura branca arranhada encobertas na manhã de junho. Ele é novo demais para entender todas as acusações que seu pai, seu tio e outros supostos cúmplices encaram: roubo, vandalismo, roubo de carro, posse de fuzil, dissuadir testemunha, conspiração, arma de fogo carregada num veículo (parte da lei anti-tiroteio da Califórnia), tentativa de assassinato e homicídio em primeiro grau.

O pai de Caiden é Drakeo the Ruler, e seu tio é Ralfy the Plug. Os rappers de South Central, que compartilham um jeito de falar escorregadio e um vocabulário quase inescrutável, são figuras integrais da cena rap da cidade. Drakeo (que se pronuncia “Draco”) em particular inspirou vários imitadores com menos destreza linguística, alguns deles correndo agora para preencher o vácuo de poder criado por sua ausência.

Mas hoje eles são Darrell e Devante Caldwell, réus em trajes de presidiário azul royal. Com outras seis pessoas, os Caldwells supostamente conduziram um ataque fracassado ao rapper RJ, matando um suposto membro do Inglewood Family Bloods e deixando dois feridos. As acusações são sérias e todos os acusados se declararam inocentes. Mesmo RJ concorda, e foi até o Instagram Live para dizer, que “Nem eu acho que [Drakeo] estava planejando me matar”. Quando a promotora distrital Shannon Cooley diz que o grupo de rap dos Caldwells, Stinc Team, é uma gangue, os irmãos riem. Todo mundo assistindo o julgamento ri. O meirinho grita de novo, dessa vez com os adultos no salão.

Quando a audiência acaba, e os parentes e amigos começam a se despedir apressadamente dos réus, Caiden reaparece. Ele vê o pai, seu pai o vê, aí ele é carregado para um corredor cheio de amigos e parentes.

A história da era “talkin’ shit” reflete a história de Drakeo. Quando era adolescente na Washington High School no final dos 2000 começo dos 2010, ele era parte da crew de jerkin’ LoL Kids; aí, quando o movimento ratchet estava perdendo fôlego, ele se aliou brevemente ao DJ Mustard, que remixou seu primeiro sucesso, “Mr. Get Dough” de fevereiro de 2015; e antes de se livrar da influência de Mustard, ele lançou sua segunda mixtape, I Am Mr. Mosely, em outubro do mesmo ano.

Junto com “Ride with My Glock” do AzSwaye, Mr. Mosely definiu novos parâmetros para o rap de Los Angeles. Como o ratchet, os instrumentais são esqueléticos e guiados por teclados; diferente do ratchet, que era hipersexualizado como um desenho animado, as letras refletem a interação entre os bens materiais que esses rappers querem; seus comportamentos inescrupulosos e às vezes ilegais; e o reconhecimento de que essas ações têm duras consequências. Drakeo rima sobre ter casas de chineses como alvo de assaltos, sair comprando tudo na Neiman Marcus, tomar xarope para tosse até quase entrar em coma, e carregar fuzis altos o suficiente para jogar basquete no Lakers.

“O ratchet estava sempre falando sobre comer vadias e tudo mais”, lembra Drakeo, a voz afinada por um telefone na prisão onde ele está. “Isso nunca me atraiu. Naquela época, eu estava arriscando minha vida para conseguir dinheiro para comprar todas essas merdas, e tentando lidar com uns cuzões. [Ratchet] nunca foi meu estilo de vida.”

Seus problemas com a lei, além da acusação de Drakeo de que ele está sofrendo assédio do Departamento de Xerife de Los Angeles (ele disse a Jeff Weiss que o departamento está “obcecado” por ele), desacelerou sua produção. Ele passou boa parte dos últimos dois anos preso, com uma sentença de 11 meses e sua prisão atual ensanduichando alguns meses de liberdade. Foi durante esse período que ele gravou e lançou o idiossincrático Cold Devil, sua quarta mixtape e a obra mais singular e completa de shit talkin’ da geração até agora.

Em Cold Devil, Drakeo rima com uma cadência paciente, quase de lean, que soa como se alguém tivesse colocado fogo num caminhão-tanque cheio de dinheiro, mercúrio vazando de um termômetro quebrado, ou deslizamento de terra soterrando uma confeitaria. Ele inverte a equação do rap de igualar barulho com ser foda, canalizando uma conversa sussurrada para atacar “Stanleys” (polícia) e “silly billies” (inimigos) desavisados. Complementando esse fluxo de melaço rastejante vem um vocabulário inteiramente próprio. Uma amostra: “flu-flamming” (assalto), “Shanaynay” (arma com um pente prolongador), “Pippi Longstocking” (a mesma coisa), “hood trophies” (joias) e “backseat bandit” (mulher promíscua).

“Quando eu estava realmente ouvindo música, eu estava ouvindo Lil Wayne – mas todo mundo ouvia Lil Wayne – e Rocko e Young Dro”, ele diz. “Eu gostava que eles tinham essas gírias idiotas. Eu pensei ‘Ah, curti’, porque eu entendia aquela merda. Foi isso que me tornou diferente: sempre ouvi muita música de outras pessoas. E antes de começar a fazer rap seriamente, perguntei [ao Ralfy]: ‘Minha merda não parece com a de mais ninguém, certo? Minha merda não parece com a desse rap, certo?’”.

Essa meticulosidade compensou – ele é realmente um artista sem uma comparação histórica precisa. Suga Free tinha uma consistência de lean, mas seus jargões eram derivados das tradições orais de produtores trabalhados; a gíria é de E-40, mas usando dicas de contexto, é mais facilmente decifrável. Drakeo soa menos com uma Califórnia reconhecível e mais com uma doma de prazer psicodélico de sua própria criação, cortada por arroios de codeína. E se a promotoria engavetar seu caso, Drakeo tem mais permutações para compartilhar.

“Sempre vou além – até aqui”, ele diz, pausando para rimar alguns versos, que ele pontua com uma risada de satisfação. “Estou em outra merda, mas tento não pensar no meu caso, porque não quero que isso afete como faço rap. Se fico pensando no meu caso o dia inteiro, só vou rimar sobre coisas de cadeia, e o pessoal não quer ouvir essa merda.”

A Geração Talking Shit rejeitou amplamente o G-funk. Os pais deles usavam Chuck Taylors, bandanas e calça baggy Ben Davis bem passadas, ouvindo K-7s de Zapp & Roger em seu Impalas que pulavam. Mas as roupas, acessórios e carros americanos têm um cachê cultural para aqueles que não cresceram cercados por eles quando criança e, para muitos jovens angelinos não-brancos, eles são símbolos de uma era passada sem sofisticação. Ou, como o rapper de South Central (e Carson) AzSwaye explica: “Você não precisa usar todos os seus vincos. Você pode sair com um visu legal e ainda mandar bem”.

Mas a história se repete – ou espirala de maneira tão próxima que assim parece. Enquanto a nova geração de rappers angelinos tem apenas uma vaga semelhança com seus antepassados do G-funk, as evoluções artísticas da geração são muito semelhantes.

No começo dos anos 1980, a juventude de Los Angeles estava no caminho do electro, um estilo de dance adjacente do rap com baixo pesado importado de Nova York e Detroit, e abastecido pela bateria eletrônica Roland TR-808. Em clubes cavernosos como o L.A. Sports Arena, milhares de jovens, ao som do funk eletrônico do Uncle Jamm’s Army, dançavam com cabelo pingando Soul Glo e roupas de poliéster.

Dam-Funk, o obsessivo virtuoso do funk de Pasadena, uma vez explicou a popularidade do electro em Los Angeles como um reflexo, em parte, da relativa estabilidade econômica fornecida pelo setor industrial da cidade, que logo declinaria. “Os Natais eram ótimos para os garotos […] Havia empregos, piqueniques, festas, e a garotada estava ganhando instrumentos e equipamento de DJ […] Você ia pras lojas de discos todo final de semana e saía com as coisas que a KDAY e a KJLH estavam tocando.”

Aí, do meio para o final dos 90, com a Guerra às Drogas racial, sentenças mínimas obrigatórias e austeridade do Reaganomics, o fardo sobre os angelinos negros se intensificou. Enquanto trabalhos sindicalizados saíam da cidade e se tornavam cada vez mais remotos dos bairros negros, as taxas de vício em drogas, participações em gangues e assassinatos tiveram um pico. Uma L.A.P.D. já violenta, liderada pelo agressivo e polarizador Daryl Gates, se militarizou ainda mais, com equipes da S.W.A.T. invadindo regularmente supostas bocas de drogas. ( A música de 1985 “Batterram” de Toddy Tee documenta esse fenômeno.) Garotos que dançavam com “Dial-A-Freak” de Uncle Jamm’s Army estavam apanhando. O gangsta rap nasceu desse miasma.

Mas a música dos luminares do gangsta rap do final dos anos 80, N.W.A., Ice-T e Toddy Tee, não era a realização mais rica possível de Los Angeles. Na entrega e nas batidas, havia algo rigidamente emprestado da Costa Leste. Mas no começo dos anos 90, Los Angeles encontrou a apoteose de sua cultura na emergência do G-funk, ou “gangsta funk” – funky, radical, um pouco apocalíptico, e, na época, brutalmente niilista. (Ou, como rimou Dr. Dre em “Let Me Ride” de 1992, “No medallions, dreadlocks or black fists / It’s just that gangsta glare, with gangsta raps”.) Em cerca de uma década, a música dos jovens angelinos negros tinha ido de faixas bastante simplistas e good vibes para músicas com camadas densas sobre crime, sexo e poder.

A geração atual de rappers de Los Angeles passou por uma evolução similar: de garotos que adoravam dançar virando homens calejados. Dez anos atrás, o jerkin’ parecia potencialmente transformativo para o rap de LA. Mas quando o barato das danças loucas passou, as condições materiais de poucos participantes do jerkin’ tinham mudado para melhor. A cena a que eles tinham se dedicado não conseguiu se cristalizar em algo lucrativo e duradouro, e sem um próximo passo claro, muitos caíram numa vida de criminalidade.

“Depois do jerkin’, foi quando todo mundo começou a cometer crimes”, zomba 1TakeJay.

“Por que você acha que isso aconteceu?”

“Sei lá. Os seguidores queriam parecer durões. Provavelmente eles não tinham um bom exemplo ou guia. Essas coisas são idiotas.”

Tem um rasgo roxo no tecido de Los Angeles do tamanho e forma de 03 Greedo, um excêntrico que parece ter sido feito sob medida para notoriedade nacional.

Em 28 de junho de 2018, oito meses depois da nossa entrevista na hora do almoço em Beverly Hills, o homem com caligrafia de gangue tatuada no rosto começou uma sentença de prisão de 20 anos por posse de 1,8 quilo de metanfetamina e duas pistolas roubadas, descobertas por um policial durante uma blitz nos arredores de Amarillo, Texas. Nos meses antes de se entregar, o compositor mais instintivo do rap desde Future gravou centenas, se não milhares de músicas; lançou o incrível disco de 27 faixas God Level; fez seu show “final” algumas vezes para multidões; e pediu a namorada em casamento no palco. Ele não era mais “o Greedo de Grape”, um favorito local dos Crips, mas uma estrela em ascensão cujas entrevistas provocadoras ajudaram a impulsionar os clipes deles para milhões de visualizações. (Até o TMZ cobriu seus últimos dias antes da prisão.) Enquanto junho chegava ao fim, com uma cela numa prisão do Texas acenando pra ele, ele tuitou: “Sinto falta dessa vida. Dei tão duro para ter meus sonhos apagados. Não fique nessas ruas. Elas não te amam de volta. Isso é uma armadilha…”

Mas que armadilha prendeu Greedo? Foi a armadilha de ser criado no conjunto habitacional Jordan Downs em Watts, onde a taxa de crimes violentos supera a da maioria dos EUA, e segundo um estudo de 2014, a qualidade de vida é similar a do começo dos anos 1970? Talvez a armadilha tenha sido o carro que bateu na moto de seu pai, o matando e desestabilizando a infância de Greedo logo no começo. Ou, talvez, a armadilha da sedução da poderosa e violenta gangue Grape Street Crips, a que Greedo inquestionavelmente pertence. Talvez a armadilha tenha sido armada pelo DEA, que designou um trecho desolado da I-40 do nordeste do Texas como “ Área de Intenso Tráfico de Drogas”, o que, segundo o Ato de Substâncias Controladas, ajudou a determinar a severidade da sentença de Greedo. Talvez a armadilha tenha sido o impacto cumulativo de centenas de anos de racismo, que acabam tornando necessário desobedecer a lei para sobreviver.

Seja lá quem for o culpado, o resultado é que Greedo vai passar, no mínimo, um ano e meio de hiato numa prisão no Texas, longe da filha, da noiva e do microfone. Durante os dois anos entre sua prisão em 2016 e a admissão de culpa em 2018, ele foi uma aparição coberta de roupas de luxo, emergindo do éter de Watts numa missão para alterar permanentemente a música de Los Angeles. Com sua voz anasalada e aguda, ele rimava e cantava com uma candura de partir o coração sobre perda, ansiedade e abuso de drogas, despreocupado com os temas narrativos e marcos musicais de uma Los Angeles vencida. Ele descreveu seu trabalho como “emo para gangueiros”, uma designação nebulosa o suficiente para que qualquer coisa que Greedo criou – do pop róseo ao gangsta rap metálico, até os experimentos sonoros insuitados – se encaixe no termo.

Agora o ciclo de perda e dor recomeça, seus contornos são os mesmos, e as cores são de um tom mais escuro de roxo. A lamentosa “Mei Mei”, uma homenagem à filha que ele lançou em julho de 2017, agora parece uma elogia a vida adulta dele. Ele canta:

Eles não gostam de ver uma pessoa negra vencer

Se eu cair depois que acabar fora da cidade

Entenda que eu só queria viver

Porque quando você é jovem e tenta ganhar a vida de onde venho

Eles não querem te deixar criar os próprios filhos

Foda-se o que essas pessoas assustadoras estão sempre falando

Você vai sair por aí e aceitar se arriscar

Usando tênis Balenciaga, Kalan.frfr entra no estúdio da Dash Radio com sua entourage atrás. O ex-cornerback do San Diego State que virou cantor de R&B contemporâneo está de bom humor, e tem seus motivos: uma entrevista com Victor Ulloa da Rosecrans Radio, aka Rosecrans Vic, e seu coapresentador, Cypress Moreno, é uma coroação.

O blog de Ulloa, RosecransAve.com, foi o primeiro a escrever sobre vários artistas emergentes de Los Angeles, e uma aparição no programa de rádio dele e de Moreno – depois transmitida pela plataforma digital sem censura e sem comerciais Dash Radio que, até janeiro de 2019, operava de maneira independente – é a porta de entrada para um reconhecimento mais amplo, incluindo por outros jornalistas de música. Eles são jovens, investidos emocionalmente, e cresceram nos mesmos lugares que os artistas que cobrem. E eles são latinos.

Desde os anos 1970, Los Angeles vem experimentando uma mudança demográfica profunda e antes impensável, com mexicanos e centro-americanos – incluindo os pais de Ulloa e Moreno – migrando para o norte em busca de paz e oportunidades. Hoje, a população latina de Los Angeles é quase cinco vezes maior que a população negra. Os descendentes do boom de imigração do final do século 20, que atingiu um pico em 1990, muitas vezes cresceram nos mesmos bairros que os garotos negros, frequentando as mesmas escolas e ouvindo a mesma música.

“Vocês já se sentiram outsiders no rap de L.A.?”, pergunto aos apresentadores. Já passou da meia-noite, mas o estacionamento da Dash ainda tem o zumbido vago dos carros acelerando pela 101 Freeway.

“Até este ponto, sinto que não”, responde Moreno. “Mas quanto mais fundo entrávamos nisso, vemos que somos a minoria. É seguro dizer isso?”

“Sim, com certeza”, diz Ulloa.

“Mas isso nunca foi um problema?”

“Não, é a mesma coisa”, diz Ulloa. “Muitos amigos são mestiços também, como mexicano e negro.”

“Quando você vai num show do Nipsey Hussle ou um show do Y.G., só tem hispânicos no público”, diz Moreno, que foi batizado em homenagem ao grupo de rap Cypress Hill. “Não me sinto deslocado. Acho que [Vic e eu somos] uma boa representação da cultura do hip hop de Los Angeles, porque a demografia do público é muito hispânica.”

Além do blog e do programa de rádio, Ulloa faz a curadoria da playlist “Hometown Heroes: L.A.” no Audiomack, atualizada semanalmente com novos singles de novos artistas locais. Com o jornalista Jeff Weiss, ele também confundou o Don’t Come to L.A., uma série de shows que destaca artistas de partes tipicamente polarizadas da cena local de rap. (JPEGMAFIA e G Perico já tocaram na série, por exemplo.) Moreno atua como DJ para o Shoreline Mafia e Perico, e já produziu batidas para 03 Greedo, Stinc Team e Rucci.

Grandes selos passaram muito tempo tentando encontrar o astro de rap latino “perfeito” – etnicamente latino, mas com um estilo menos duro que rappers chicanos como Mr. Criminal e Lil Rob. Pior para eles, os selos raramente cortejam influenciadores da cena como Moreno e Ulloa, resultando em menos rappers latinos com apelo intercultural.

“Vocês já foram abordados por alguma gravadora?”, pergunto.

“Acho que as pessoas estão vendo o que eu e o Vic estamos fazendo – pessoas em posições mais altas que a gente agora – e sinto que fornecemos uma plataforma legal para esses artistas serem vistos”, responde Moreno, diplomaticamente. “Ganhando crédito por isso ou não, mantenho minha posição.”

“Acho que estamos fazendo muito do trabalho das gravadoras por elas, em se tratando de descobrir talentos–”, começa Ulloa, mas é cortado por Moreno.

“Mas é algo movido por paixão. É o que achamos que precisa ser feito agora.”

Assisto o pôr do sol no Instagram porque as colinas gramadas na frente do YouTube Space em Playa Vista bloqueiam a aquarela laranja, roxa e amarela no céu. A tarde nublada vira noite, e, depois de uma corrida de Lyft na hora do rush de Hollywood, Fenix Flexin do Shoreline Mafia chega, muito doido de Xanax. Xanax de verdade, ele esclarece – o novo Xanax, o Xanax azul.

Inesperadamente ausente de sua crew, que está aqui hoje para filmar conteúdo temático de Natal para o canal deles no YouTube, é o cofundador do Shoreline Mafia, OhGeesy, que dá mau jeito nas costas levantando pesos – uma reviravolta irônica para um rapper cujo grupo tem uma música chamada “Break A Bitch Bacc”. Filho de imigrantes mexicanos, OhGeesy é o Statler do Waldorf de Fenix. O swag deles foi aprimorado por anos andando de skate, fazendo pichação, rolês chapados, e, nos últimos tempos, meses de turnê. Além dos colegas de grupo Rob Vicious (nativo de West Adams) e Master Kato (Chicago e San Fernando Valley), eles são os primeiros da geração Talkin’ Shit a subir nos palcos da Europa – e provavelmente os únicos rappers dignos de nota de L.A. de sua geração a crescerem em East Hollywood.

East Hollywood é bem diferente das regiões irmãs. West Hollywood, sua própria cidade desde 1984, é o epicentro da cultura LGBTQ de Los Angeles; North Hollywood, entre as rodovias 5, 134 e 170 em San Fernando Valley, é um anexo para trabalhadores da indústria da televisão e cinema; e Hollywood, cujas propriedades luxuosas são escondidas por altos portões de segurança, é uma armadilha de turistas tosca. Mas East Hollywood lembra muito como Los Angeles costumava ser. Famílias tailandesas, armênias e guatemaltecas alugando bangalôs decadentes; minishoppings lotados de restaurantes com sete mesas, lojas de donut que funcionam 24 horas, e lojas de bebidas com vidros à prova de bala grossos o suficiente para parar um míssil antiaéreo. Os adolescentes da área parecem andar de skate, pichar e vagabundear em toda superfície disponível.

“Se você fosse levar alguém para dar um passeio por East Hollywood, onde você levaria a pessoa”, pergunto a Fenix.

“Porra! Barnsdall Park – a gente colava muito lá. E depois da escola, a gente ia para Lexington Park – a gente ficava bem louco lá. Telhados! O pessoal ficava de boa nos telhados, e quando isso enchia o saco, a gente invadia condomínios fechados que ainda não estavam prontos–”

“Prédios que eles tinham acabado de construir–”, interrompe o rapper e afiliado do Shoreline Mafia Mac PDawg, que chegou com Fenix.

“A gente subia na cobertura. Tinha uma com luzes funcionando e água corrente. Ficamos dando rolê por lá por um ou dois meses.”

Clipes filmados em apartamentos recém-construídos e pichados, ou em shoppings com luz fluorescente perto de East Hollywood, ajudaram a transformar o Shoreline Mafia no grupo preferido dos adolescentes que matam aula. “Musty” (parcialmente filmado no estacionamento do Gower Plaza, na Hollywood e Gower) e “Bottle Service” (gravado no agora defunto Windsor Donuts na Sunset e Hobart, depois que o grupo foi expulso de uma mansão alugada) são muito Shoreline: fanfarrões, rastejantes e, em sua criação, risivelmente irresponsáveis e descaradamente ilegais.

https://www.youtube.com/watch?v=cpV2HnbFjy8

Numa entrevista com No Jumper, Ron-Ron, cofundador e o influente beatmaker da crew Hit Mob, explicou que se conectou ao grupo depois que OhGeesy mandou mensagem pra ele querendo comprar batidas no estilo das que Ron-Ron fez para “Milwaukee Bucks” do FrostyDaSnowmann. “Mas eu não sabia quem era OhGeesy”, diz Ron-Ron. “Isso foi quando ele entrou no meu SoundCloud. Eu tinha lançado uma beat tape chamada I’m Not Your Average Producer. As batidas para ‘Musty’ e ‘Bottle Service’ estavam lá.”

Roubar os instrumentais de um Ron-Ron nada litigioso acabou sendo uma decisão esperta. Antes de subir “Musty” e “Bottle Service” no SoundCloud em dezembro de 2016, o Shoreline Mafia fazia traps sem muita distinção geográfica – mesmo sendo bons o suficiente para render ao grupo fervorosos fãs locais, eles estavam desalinhados com as trilhas sonoras de invasão de propriedade sendo criados ao sul da 10 Freeway. As músicas impressionaram Ron-Ron, o levando a produzir uma mixtape para o grupo. Com suas batidas furtivas e minimalistas e raps de traficantes de coração gelado, ShorelineDoThatShit empurrou o Shoreline Mafia para uma cena vibrante em seu ponto de inflexão. Eles não catalisaram o movimento, mas o timing deles se mostrou impecável.

2018 foi um ano e tanto para o grupo, que lançou dois EPs – Party Pack e OTXmas – e Traplantic, um disco solo de Rob Vicious, e o primeiro material novo do Shoreline Mafia lançado como parte de um acordo com a Atlantic Records pensado por OhGeesy. Com a força de alguns milhões de visualizações no YouTube e cliques no Spotify, além de atenção positiva da imprensa, o grupo se apresentou em locais diferentes como Berlim (“Burgermeister – um salve pro clube”, diz Fenix), Amsterdã (“O pessoal lá é muito legal”), Paris (“As roupas eram incríveis”) e Manchester, onde a comida era “bem ruinzinha”. Mas a experiência completa do Shoreline com certeza acontece nos EUA, onde multidões pulsam com uma energia adolescente quente e pesada, com as mãos agarrando desesperadamente o membro do grupo que estiver mais próximo da beirada do palco.

Rob Vicious, Master Kato e Fenix Flexin são populares, mas OhGeesy é a Grande Esperança Latina, um astro intercultural etnicamente mexicano, com carisma para se apresentar (quase) sem controvérsia num gênero negro. Com os colaboradores eventuais do Stinc Team e 03 Greedo presos por um tempo indeterminado, o Shoreline são os astros ainda não ultrapassados de sua geração, e querem continuar assim.

“Onde você se vê em cinco anos?”, pergunto a Fenix, que está alegremente comendo um sanduíche de frango em um dos corredores brancos do YouTube Space, seu barato tendo atingido uma altitude de cruzeiro confortável.

“Em placas na parede – vamos atingir o ouro este ano. Quero ver todos os meus amigos lá. É muito divertido chegar no topo com seus manos.”

G Perico acabou de se mudar, e na falta de móveis, ele compensou com um bulldog de raça pura, Kilo, que já perambula pela casa como se fosse o dono. Aninhado no fundo do San Fernando Valley, o apê de carpete branco e três quartos é seu baluarte contra as intrusões de sua nativa South Central. Para os visitantes indesejados, tem um congestionamento na 405; para espíritos malevolentes, tem um mezuzah na porta da frente. Quatro anos atrás, o Crip da Broadway estava cumprindo pena de dois anos por posse de arma de fogo. Agora ele é um suburbano.

Aos 31 anos, Perico é mais velho que a maioria dos rappers de Los Angeles de sua era. Em uma cena definida em grande parte por sua precariedade legal, ele é constante e confiável. Mas como esteve no crime e encarcerado pela maior parte da vida adulta, sua carreira só começou mesmo em 2015, quando ele lançou Tha Innerprize II, apresentando sua música para um público maior que o rapper de Compton Jay Worthy, A$AP Yams ( um devoto dos primórdios) e seu bairro em South Central. (O primeiro Innerprize, criado durante sessões de gravação esporádicas antes de cumprir aquela pena, é cru, assim como Tha Hiatus, lançado quando ele ainda estava atrás das grades.)

Nos mais de quatro anos desde que saiu da prisão, Perico ganhou uma base de fãs internacional dedicada, fazendo a ponte entre a L.A. de hoje e a L.A. mais funk do passado com seus álbuns Shit Don’t Stop, All Blue e 2 Tha Left. Ele tem trancas delicadas que lembram as da lenda do G-funk DJ Quik, e uma perspectiva endurecida pelas ruas que ele diz ser inspirada por Bangin’ on Wax de 1993; e, apesar de seu som não ter a batida narcotizada dos jovens produtores (e primos) da Hit Mod Ron-Ron ou AceTheFace, suas linhas de sintetizadores evocam uma abordagem contemporânea à ameaça descolorida de sol do G-funk. Digo isso a Perico, que concorda.

“Sou respeitado nos dois extremos – e não tenho nenhum preconceito com esses dois lados – mas estou voltado para o futuro e o que é novo, em vez de na mesma merda de sempre”, ele diz, sentado num sofá cinza com Kilo de guarda aos seus pés. “Mas a merda antiga é nossa história, certo? […] Os OGs falam comigo e querem versos, e a era atual – de que faço parte – também fala comigo. Sou tipo o Blade; andando em plena luz do dia.”

É fácil entender o que Snoop Dogg (que convidou Perico para sua série na internet GGN) e E-40 (que pediu um verso para a música “Ain’t Talking Bout Nothin”) viram no ex-presidiário: a si mesmos. Perico tem uma solenidade envelhecida de empreendedor que supera seus 31 anos. Seu feudo – uma loja de roupas em South Central de sua marca So Way Out, a tabacaria One Stop, um bar de sucos que ainda vai ser inaugurado e alguns imóveis – é bem menor que, digamos, do falecido industrial de Beverly Hills Norton Simon. Mas sua mera existência o diferencia de outros rappers de sua era. Em outra vida, outros tempos, ele poderia ter sido Tom Bradley, o filho de arrendatários que se tornou prefeito de Los Angeles por cinco mandatos, ou Ben Weingart, um entregador que se tornou o investidor que transformou os campos de beterraba na cidade de Lakewood. Mas ele ainda está tentando resistir ao canto da sereia de 112th e Broadway.

“Finalmente estou vivendo como um ser humano, e não um preto numa esquina qualquer – mesmo isso também tendo sido minha realidade”, ele diz, rindo. “Não é como estar preso.”

“Você ainda se vê lutando com essa tentação?”

“Sim, ainda tenho problemas com isso”, ele diz. “Eu deveria estar parando, e acabo fazendo nada o dia inteiro, bêbado, fazendo merda. Talvez isso ainda seja uma forma de ignorância. Ainda tenho momentos imprudentes, mesmo tendo todas essas coisas em jogo. Preciso me conter, porque posso mudar a vida de muitas pessoas só sacrificando meu tipo de entretenimento, que é merda do gueto. Minha zona de conforto é o gueto.”

Por causa das conexões duradouras com as ruas, ele está consciente dos obstáculos encarados por seus colegas mais jovens do rap. Numa cena formada por pessoas de vinte e poucos anos, ele é parte amigo da vizinhança, parte sábio das ruas. E, apesar de dizer que não quer “ficar tentando pregar pros pretos”, ele fez música com Drakeo, AzChike e Rucci, o último um rapper incentivado por Perico desde seus dias como membro do MackkRucci, seu grupo com o falecido Sean Mackk. Antes do assassinato de Mackk numa rua sem saída de Inglewood no ano passado, ele e Rucci eram gangueiros do rap, o equivalente de L.A. de Lil Boosie e Webbie.

“Eu era um grande fã do Sean Mackk”, diz Perico. “Eu pensava tipo: ‘Esse preto Sean Mackk é foda. Qual é a dele?’ Rucci também era foda. Eu pensava ‘Isso soa com um negócio de outro nível’. Sean Mackk acabou sendo morto, o que foi uma bosta, e Rucci tomou o lugar… Ele é o melhor preto de Inglewood agora. Isso é fato.”

O último ano da vida dele foi marcado por tragédia, mas quando nos sentamos no bar de um estúdio em Hawthorne, Rucci está feliz. Depois de ficar cinco anos preso, ser deportado quase sem aviso para El Salvador, se esconder de uma força policial movida por extorsão e assassinato, atravessar a Guatemala, cruzar a fronteira de selva do sul do México, e aprender a consertar ar-condicionados na Cidade do México, o pai dele, Juan “Big Tako” Martinez, chegou a Tijuana. E, como Tijuana fica a poucas horas de carro de Inglewood, é quase como se os Martinez tivessem sido reunidos.

As lutas de Martinez são comuns entre deportados salvadorenhos. Como Juan pai, muitos deportados são criados nos EUA e muitas vezes não têm o espanhol bom o suficiente ou sistemas de apoio necessários para se assimilarem em El Salvador. O país, por sua vez, é aterrorizado por duas gangues que se originaram em Los Angeles, a 18th Street e o MS-13. O ciclo se autoperpetua: essas gangues cresceram de condições socioeconômicas alienantes, e quando seus membros são deportados, eles são obrigados a cair numa situação similar em seu país de origem, o que cria mais violência, mais refugiados desesperados e, eventualmente, mais deportados. Mas é incomum que esses deportados se tornem membros de gangues predominantemente negras, como o pai de Rucci era.

Big Tako era um Inglewood Neighborhood Piru, e apresentou a cultura de gangues para Rucci desde pequeno. Em “Bodak Rucci”, o jovem Martinez, agora com 24 anos, detalha um incidente particularmente traumático de sua infância:

Eu tinha seis anos quando vi meu primeiro cadáver

Andei até a frente, nem sabia quem tinha atirado nele

Andei até o fundo e vi meu pai limpando sua nova arma

Meu tio olhou pra mim e disse ‘Tivemos que dar um jeito

Aqueles pretos estavam fora dos limites e não gostam do seu pai’

Assassinos frios, eles não deram a mínima, eles estavam rindo

Então voltei a dormir como se nada tivesse acontecido

“Essa letra é verdade?”, pergunto a Rucci, cujas tatuagens no rosto – um coração partido perto do olho direita, um cruz simples sob o esquerdo – parecem marcas de nascença.

“Meu pai sempre me mostrou o que era certo e o que era errado, na minha cara”, ele lembra entre tragos de um bong que ele reabastece com pontas de beck, um método que ele atribui a uma adolescência de escassez de maconha. “Vi de tudo quando era criança, tipo, só dele me informando. Mas ele ainda me mandava voltar pra casa. Vi muita merda. Ele não escondia quase nada de mim. Ele era louco.”

“Você ainda pensa nessas coisas?”

“Uh-hum – vi muita merda depois disso”, ele diz. “Muita merda. É um saco dizer isso, mas isso não te afeta mais tanto. Não é nada novo. Se meu pai e meu tio estavam fazendo algo que não deveriam, eles deixavam claro pra gente, caso a polícia aparecesse…”, ele pausa. “Meu irmão e eu estávamos sempre alertas.”

Esse ainda é o caso. No verão de 2017, o melhor amigo de Rucci e parceiro de rap, Sean Mackk, foi assassinado; Rucci diz que seu irmão de 18 anos, Angel, também sobreviveu a um tiro na cabeça. Como ele discute e mostra abertamente sua afiliação ao Neighborhood Piru, que foi praticamente empurrada a ele pelo pai e o tio – Rucci vive num conjunto de restrições muito mais severas do que aqueles capazes de rejeitar a divisão entre azul e vermelho, como muitos de seus colegas fizeram. Essas restrições se estendem para a música dele.

“Tem muita gente com quem eu gostaria de trabalhar, mas não posso por causa das gangues – e muita gente não tem esse problema”, ele me conta. “AzSwaye, 1TakeJay – eles podem fazer música com quem quiserem. Por isso me sinto tão encaixotado, mas ainda sei como explodir essa caixa. Muita gente não passou pelas merdas que eu e minha equipe passamos. Mas ainda conseguimos prosperar.”

Está fazendo um calor de 37 graus, então quando 1TakeJay me busca no sufocante estacionamento de seu prédio, voltamos rapidamente para o apartamento de sua família, onde as cortinas estão fechadas e o ar-condicionado está ligado.

Outros rappers de L.A. são enérgicos, mas Jay, um ex-cornerback de 23 anos de Compton que já recebeu propostas da UC-Davis, é uma bola musculosa de luz. (Em junho de 2018, ele e Kalan.frfr se apresentaram do jogo de futebol de caridade do receiver do Cincinnati Bengals John Ross.) Outros rappers de L.A. são soltos, mas Jay, que já foi um moleque do jerkin’ que se descreve como “bobão pra caralho”, dança com uma alegria incontida, com um sorriso quase sempre no rosto. Outros rappers de L.A. fazem bangers, mas Jay, como seus colegas do grupo 1Take 1TakeTeezy, 1TakeQuan e 1TakeTy fazem exclusivamente bangers.

Foi “To Da Neck”, postado no SoundCloud em julho de 2017 com uma foto de Jay sentado numa privada se abanando com um leque de notas de US$ 20, que estabeleceu a reputação ainda imaculada deles como um dos melhores fornecedores de música de festa de L.A. A música atinge, sem fazer esforço, um equilíbrio entre brincadeira e agressividade, e no segundo que ele grita “Look, I couldn’t even take a ‘L’ in a Lexus”, você já está cantando junto.

“Gravei ‘To Da Neck’ bem ali na sala”, Jay lembra, apontando com o queixo para a divisão entre a sala e um espaço menor com sofás e um otomano de couro. “Foi muito louco como aconteceu. Nem era para ser uma música; era um freestyle, porque ia ser apenas um verso longo. Mas aí eu disse ‘Foda-se, vou continuar’, e peguei as partes mais pesadas e chiclete do verso e usei como gancho. Essa era a música por um minuto – e a música ainda nem estava mixada.”

Para quem conhece a cidade só superficialmente, Compton evoca um conjunto de associações específicas: negritude, crime, uma certa falta de humor. Mas essas ideias e imagens são baseadas numa versão de Compton que está começando a desaparecer. A cidade é apenas 31% negra (quando era 73% negra em 1980); os assassinatos per capita, enquanto ainda são altos, atingiram um pico em 1991; e, apesar de Compton ainda ter problemas financeiros, a prefeita Aja Brown parece mais em sintonia com as necessidades de uma cidade contemporânea que seus antecessores. A calma que o colega de Compton de Jay, Roddy Ricch, herdou dos ancestrais do G-funk é uma expressão legítima da cidade, mas isso não é o total da experiência contemporânea de Compton. Com a camaradagem risonha deles e dancinhas propositalmente ridículas, o 1Take oferece uma visão alternativa de uma Compton em evolução.

“Especialmente quando comecei a fazer rap – e mesmo dizendo que não canto em pelo menos três ou quatro músicas, é algo quase viral – as pessoas ainda me abordam nas DMs dizendo ‘E aí, cara? De onde você é?’”, ele diz. “Sem ódio, só tentando saber de onde sou. Ainda viso discretamente os caras mais novos pra dizer ‘Seja você mesmo’. Porque não dou a mínima sobre o que dizem de mim… Foda-se que pareço bobo, estou fazendo o que me faz feliz.”

A noite quente e sem estrelas de verão numa sala de Gardena se enche de fumaça de maconha, conversas paralelas e um grupo cada vez maior de caras jovens. Em vez de uma entrevista calma com os membros do AzCult Rob Two e AzChike, trombei com uma festa. A única coisa incomum é que eu, um cara branco de 28 anos, estou presente.

Rob Two e seu amigo TimDawg, um aspirante a rapper e um dos moradores do apartamento, relembram a discografia do começo de carreira de 03 Greedo. WoodroTheMan – que, também, está envolvido com rap, e cuja mochila preta MCM está lotada de uma variedade de cintos e relógios de marca, além de dinheiro – elogia a rotatividade fluída do beck. Discuto os méritos relativos de maconha versus álcool com Bam Bam, um motorista de ônibus de Culver City usando uma camiseta justa sobre o corpo magro. Aí, AzChike (“A-Z Chike” não, como ele brinca, “Azz Cheek”) chega.

Segundo minha sugestão, RobTwo, AzChike e eu passamos da sala enfumaçada do apartamento para a escadaria, onde as luzes do prédio iluminam tudo – os Air Maxes prateados de Rob, as palmeiras lá fora, a tinta pêssego das paredes – com um tom de laranja espectral e quase antisséptico.

Junto com o Stinc Team e o 1TakeBoyz, o AzCult forma um triunvirato de grupos angelinos jovens e emocionantes. Eles têm a dinâmica dos amigos de infância de Long Beach 213 e soam como os “beach boys do gueto” de Westside Warm Brew se, em vez de esportes, eles ganhassem jaquetas por fumar maconha. Mas Chike e os colegas de Cult AzSwaye (o Raoul Duke do Dr. Gonzo de Chike) e AzBenzz (um cantor de voz doce) eram colegas de escola, e Rob só foi conhecer o trio no final da adolescência.

“Eles sempre tiveram essa coisa do Cult rolando, e a merda deles era forte”, diz Rob. “Era como se eles fossem irmãos; eu respeitava muito isso. Era foda, sempre quis andar com eles. Os caras me aceitaram. Conheci Swaye quando ele tinha 16, 17, e ele já fazia um rap consciente. Eu pensava ‘Esse preto é tipo um Kendrick Lamar’.”

“Sério?”

“É, foda demais. O Chike também!”

“Nosso rap era muito consciente!”, Chike explica quando pergunto sobre seu nome. “Antes do rap, eu não tinha um nome, então cavei mais fundo, e foi quando pensei no nome. É egípcio: Chike Bes. ‘Chike’ significa ‘poder de Deus’ e Bes significa ‘trazer alegria’, então é ‘Poder de deus traz alegria’.”

A natureza cerebral do apelido egípcio de Chike e do prefixo “Az” do grupo, que representa a circulação de Alfa e Ômega como descrito em Apocalipse 22:13, contrasta com a música deles. Enquanto o trabalho de RobTwo geralmente é confessional e autorreflexivo, Chike, que rima com uma malícia frígida de alguém que te dá um pescotapa por espirrar alto demais, é todo id. Em certo sentido, ele é a destilação mais pura e crua dos shit-talkers: ele não tem xaveco do Drakeo; não é autobiográfico como G Perico, Rucci ou Greedo; e, apesar de ter participado do jerkin’ no colegial, ele não tem a exuberância despreocupada do 1TakeJay. Chike é venenoso e explosivo. Em seu hit de 2017 “ Burn Rubber Again”, ele rima:

Ele é um X-9, pra que vou lutar?

Ilumine sua esquina com esse poste

Preto burro, garoto pobre, lipo de bolso

Tudo em caps você está chupando pinto, não é erro de digitação

Como o freestyle de 1TakeJay “To Da Neck”, ou “Musty” pirateada do Shoreline Mafia, a música, gravada no quarto de Chike sobre uma batida pouco alterada do instrumental do Too $hort, foi gravada sem muita premeditação.

“Por que você escolheu a batida de Too $hort para ‘Burn Rubber Again’?”, pergunto a Chike, cujos alargadores metálicos de orelha aparecem por baixo de sua touca preta e refletem a luz laranja do prédio.

“Não escolhi”, ele diz. “Honestamente, eu não escolheria algo assim. Trabalho tanto com [o produtor] LowTheGreat que confio nele. Ele me mandou umas paradas para testar minhas habilidades e ver o que eu podia fazer. O que aconteceu foi que Low me chamou e disse ‘Vamos fazer uma mixtape’. Toda batida que ele me mandava, eu dizia ‘Beleza, não vou ser um preto esquisito e fresco dizendo ‘Não gostei dessa batida, manda outra coisa’.”

“Eu estava pensando ‘Caramba, como esse preto escreveu isso?”, acrescenta RobTwo. “Lembro que eu estava no estúdio com Skeme, [e] Skeme estava cantando uma parada do Chike – e pensei ‘Caralho, como não pensei nisso?’ Esse Chike foi lá e fez. Não tem nada como estar na sua zona de conforto e fazer música…”

“Fato”, ecoa Chike, cujo discurso está cheio de expressões como “fato”, “por Deus” ou “minha palavra”.

“Você pode estar sentado em casa e fazer um hit…”

“Fato.”

“Com uma vadia na sua cama ou algo assim.”

Uma faixa solo com o impacto de “Burn Rubber Again” tem sido elusiva para RobTwo. Enquanto sua carreira até agora não satisfez suas grandes ambições, o morador de Bellflower de fala mansa gravou material digno de um disco com 03 Greedo e, três anos atrás, produziu um dos textos seminais de sua geração, “Ride With My Glock” do AzSwaye. Com seu teclado esparso e letras sobre brandir armas de fogo e tomar lean, a música ajudou a puxar uma era de música de Los Angeles para longe dos instintos pop chiclete de DJ Mustard e mais para uma criminalidade sorridente.

“A gente estava na casa do Chike”, lembra Rob. “Já estávamos fazendo músicas, mas fazendo aquela parada consciente, um negócio tipo Drake. E pensamos ‘Cara, tá muito pesado. Vamos deixar um pouco mais besta e ver o que acontece’. E naquela época ninguém estava fazendo rap assim – só Drakeo e Swaye. Comecei fazendo a batida, com o piano, e acrescentei uma bateria, e o Swaye estava sentado lá cantando: ‘[não sei que lá] and I ride with my glock, [não sei que lá] and I ride with my glock’. E fizemos a letra disso. Terminei a batida, ele escreveu o gancho, aí fez o verso em freestyle. Continuamos tocando a música…”

“Tínhamos aquela música há um ou dois meses”, interrompe Chike.

“Tocamos para todo mundo, tipo ‘Taí um hit’. E começou a pegar. Quando isso aconteceu, pensei ‘Caramba’. E o aí o Chike canta–”

Aqui Rob pausa. Um carro buzina, e consigo ouvir o zumbido da 110 logo atrás do limite da propriedade. Aí, lentamente, como se estivesse tentando se convencer do que estava dizendo, ele continua: “E o próximo. Você sabe quando a merda está chegando.”

Estou dirigindo para o norte na 5 Freeway por um bairro onde cresci, passando pela maior Ikea dos EUA, Panorama City, marco zero da distribuição de heroína plantada nas montanhas de Nayarit, México. Mais ao norte, na Newhall Pass, vejo um pedaço do Aqueduto de Los Angeles, onde água tirada os lagos Owens e Mono cascateia – espumante, branca e silenciosa – por um caminho em zigue-zague. No Antelope Valley, entre colinas marrons e verdes de mato seco e sob um sol impiedoso do meio-dia, um 3-Series me ultrapassa na Rota 14 usando a faixa de carona, depois passa outro motorista usando a faixa de emergência. De repente, um oásis feito pelo homem é revelado: um majestoso moinho de vento branco com vista para o Lago Palmdale, uma gota azul numa expansão parda.

Depois de uma hora dirigindo, estaciono numa rua arborizada em Lancaster, perto de uma casa com um cartaz no jardim em homenagem a um policial morto. Vejo um idoso na entrada de carros. “O Swaye mora aqui?”, pergunto. Parece que ele não tem certeza, mas se o jovem no duplex atrás da casa dele é Swayne, “será que você podia dizer para ele parar de colocar o número errado da unidade dele para as entregas da Amazon?”.

Quando AzAwaye e sua família mudaram de South Central para Lancaster, um posto avançado da indústria de defesa norte-americana no vasto Deserto Mojave, eles se tornaram, como centenas de milhares de pessoas, parte de uma onda de migração remodelando Los Angeles. Nos últimos 30 anos, LA vem experimentando um declínio constante de sua população negra antes robusta. Encarando violência sem sentido, aumento nos aluguéis, escolas decadentes e perspectivas de trabalho ruins, os angelinos negros se mudaram para os vales de Antelope, Apple e Moreno, e, mais adiante, para Arizona e Nevada. Como seus precursores do século 20, que fugiram para Los Angeles para escapar da intolerância do Sul de Jim Crow, esses imigrantes estavam em busca de segurança e estabilidade.

“Como você acabou em Lancaster?”, pergunto a AzSwaye, que tem um corte de cabelo high-top que acentua seu corpo já magro, depois que nos sentamos no sofá da casa dele.

“Alguém morreu na porta de casa [em South Central]”, ele diz. Ele descreve o incidente, que ocorreu quando ele tinha 20 anos.

“Foi no meio da noite”, ele diz. “Não foi como se alguém que eu conhecia tivesse sido morto na porta de casa; foi só que alguém começou um tiroteio. E a gente pensou ‘Que porra é essa?’ Olhamos para fora da porta e o cara estava literalmente na varanda, caído, morto. Eu pensei ‘Esse cara foi morto bem na nossa varanda? Podia ser eu, meu irmão, qualquer um’. Não que a gente tenha mudado porque ficamos muito preocupados com isso; é que tinha muita coisa acontecendo lá. Foi a gota d’água.”

Ele pausa para refletir. Aí, por sugestão de seu irmão mais velho, Donye, que está sentado do lado dele, ele continua. “Mas aquela rua foi como entrei em muitas situações sobre as quais faço rap. Perdi meu primo naquela rua – ele foi atropelado por um caminhão de sorvete, que descanse em paz – e meu irmão perdeu um amigo dele na frente de casa. Ele levou três tiros enquanto tentava consertar seu carro. São coisas que vi enquanto crescia.”

Num país com mais de 50 mil pessoas sem-teto, infraestrutura com pouca manutenção e gentrificação desenfreada, há questões mais urgentes que música, mas essa grande mudança demográfica vai alterar o rap de Los Angeles. Com os poucos enclaves negros em Los Angeles desaparecendo, é possível que regiões empoeiradas como Palmdale e Lancaster – que estão experimentando sua própria fuga branca localizada – eventualmente se tornarão o que Compton e South Central eram nos anos 80 e 90.

Por hora, Los Angeles continua o centro do rap da região. Então Swaye regularmente enfrenta a viagem sem muitas paisagens interessantes entre Lancaster e LA. Nas expansões de centros comerciais desertos, ele é um angelino exilado anônimo; na cidade, ele é um artista ocupado cujo trabalho moldou inegavelmente o que pode ser os anos de crepúsculo do rap de Los Angeles. Swaye e Drakeo the Ruler são o Rômulo e Remo da geração shit-talkin’ – gêmeos selvagens que, em vez de sucumbir a South Central, prosperaram. E, se Drakeo tivesse atendido seu telefone, a versão original de “Ride With My Glock” de Swaye teria a participação do chefe do Stinc Team.

“A ideia original era colocar o Drakeo na faixa, porque sei que é isso que meu garoto está fazendo”, diz Swaye, se referindo à letra da música sobre consumo de xarope para tosse com prescrição médica e noites sombrias de escoriações solitárias. “É exatamente esse tipo de merda que ele faz, tipo ‘Essa é a música perfeita pra nós’. Você conhece ele – ele chapa e não presta mais atenção no celular, e eu não ia ficar esperando ele pra fazer o verso. Liberei a música, e ele disse ‘Ah, cara, merda – eu devia ter feito. É pesado pacas’. Eventualmente, mandei a música de novo pra ele, e disse ‘Foda-se. Faz seu verso pro remix‘.”

Swaye é o tecido conectivo da geração talkin’ shit. Ele cresceu, em parte, na pegada cancerosa da intersecção da 110 e 105, e conhece Drakeo, Ralfy the Plug, G Perico e 03 Greedo (um primo distante, ele descobriu recentemente) pela maior parte da vida. Quando adolescente, ele era parte do grupo de rap de vida curta Kush Gang com Rucci, que brinca que enquanto os outros membros estavam fazendo raps jerkin’, ele e Swaye estavam “mais numa merda A$AP Rocky”. (Mas Swaye fez jerkin’.) E, embora ele não tenha experimentado o sucesso da era ratchet como Drakeo, como adulto ele compartilhou palcos com Greedo e o Shoreline Mafia; gravou músicas com Fenix Flexin, Ralfy e 1TakeJay; e lançou EPs com os produtores RobTwo, LowTheGreat e JoogFTR. Se tem alguém que pode explicar a mistura de drogas pesadas, roupas de marca e fuzis automáticos de sua turma, é o Swaye.

“Como, ou por quê, sua geração desenvolveu seu som?”

“É tudo que está acontecendo agora”, ele me diz. “Todo mundo quer parecer legal, todo mundo quer usar drogas – é o lance agora. Pode não ser legal, mas é assim que todo mundo está fazendo parecer. Se vestir bem, usar drogas, tomar lean, andar de carro armado – é a coisa legal. E todos nós fazemos rap sobre esse tipo de coisa. Se todo mundo está fazendo, essa é a onda. Foi o jerkin’. Agora todo mundo quer ser um gangster descolado e drogado.”

Do topo das Montanhas de Santa Monica, o letreiro de Hollywood já observou impassível a curiosa mistura de duplexes coloniais espanhóis, bangalôs com pintura lascada e resplandescentes apartamentos da Era Dourada em tons pastel. Hoje, ferro, concreto e arranha-céus bloqueiam os raios de sol das palmeiras, cujos ancestrais distantes foram trazidos para a Califórnia por missionários franciscanos. Essas árvores sedentas e curvadas, empoeiradas de gases de escapamento e com cascas hachuradas, vão continuar balançando sob os céus limpos do Pacífico. Mas para quem?

Por enquanto, Los Angeles é uma louca briga de bar de microculturas, lutando por seu direito de beber e fumar em paz na praia. É uma cidade dividida por raças e classes, mas não por religião. Louvamos verões de seis meses de “Fogos ou tiros?”, sinal verde atrás de sinal verde, o zumbido dos geradores de food trucks de tacos e, mais frustrante, a onda no Dodger Stadium. Não tem céu nem inferno na teologia de Los Angeles – os dois estão aqui, bem na sua frente. A cidade tira e oferece, oferece e tira, o equilíbrio afetado em grande parte pela cor da pele.

Há um desconforto palpável pelo condado, dos galpões solitários do Sylmar até a ponta de Long Beach, onde o Rio Los Angeles, exausto por sua jornada de 82 quilômetros por canais de concreto, desemboca alegremente no Oceano Pacífico. As passagens subterrâneas sujas estão cheias de desabrigados, as estradas estão esburacadas e congestionadas. A promotora distrital de Los Angeles County Jackie Lacey se recusa a processar policiais, capangas da imigração prendem centenas de pessoas de cada vez, e, entre temperaturas e secas recorde, matagais em chamas às vezes viram enormes paisagens do inferno.

Por enquanto, pelo menos, tem um grupo espetacularmente talentoso de rappers para nos distrair das sirenes em vermelho, azul e branco, cachorros solitários em quintais e mendigos esquizofrênicos. A maior explosão de rap da cidade desde que Snoop Dogg estava sendo julgado pelo assassinato de Philip Woldemariam, inclui um grupo de notáveis até então não-mencionados: Blueface, o herdeiro do império de FrostyDaSnowmann; o vendedor de suco Desto Dubb e seu enigmático irmão Pimp Pimp P; os membros atualmente encarcerados do Stinc Team Ketchy the Great, SaySoTheMac e Bambino; o diabólico e grave Almighty Suspect; o morador de Inglewood e connoisseur de bandana FreeAckrite; o carinha de bebê Johnny Rose; o sobrevivente de tiro de Athens Park e convidado do “Hit Yo Ricky” Earl Swavey; Saviii3rd, Jooba Loc, $tupid Young, BeachBoii e Cinco de Long Beach; e os mais intelectualmente inclinados – e portanto mais distantes – Buddy, Huey Briss e KB DeVaughn.

A música deles nasceu de lutas irreconhecíveis em lugares implacáveis, e seus ataques ocasionais de indiferença e frivolidade escondem trauma e sofrimento. Para esses homens, o prazer de fazer rap é inextrincável da angústia de viver em Los Angeles. Quando pergunto a Drakeo sobre as rivalidades dentro do rap de LA, ele amolece. Por um minuto, ele me permite ver um vislumbre de uma vida de sofrimento.

“Desde que fui preso, as pessoas vêm atrás de mim e essa merda toda, mas deixo isso de lado”, ele diz, provavelmente de um orelhão dentro da prisão. “Eu só penso comigo: ‘Onde vocês estavam quando ninguém mexia comigo?’ Onde vocês estavam quando ninguém ouvia minha música, quando eu ganhava uns 40 likes no Instagram? Onde vocês estavam quando eu era sem-teto e tinha que ficar na casa dos meus amigos de escola, motéis e abrigos? Ninguém sabe. Todo mundo acha que isso vem fácil. Todo mundo pensa ‘Ah, sim, vou fazer isso e as coisas virão’. Mas ninguém quer passar pela merda que te trouxe até aqui.”

Torii MacAdams é um jornalista que mora em Los Angeles. Siga o cara no Twitter.

Matéria originalmente publicada no Noisey EUA.

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