A Política dos Protestos no Egito Está Mudando Mais uma Vez

Manifestantes pró-Morsi no Cairo. Foto por Tom Dale.

Por quase três anos, os egípcios vêm protestando e ocupando espaços públicos. Quase toda sexta-feira, algum grupo, em algum lugar, está protestando – e isso realmente fez a diferença. Na primavera de 2011, Hosni Mubarak foi deposto quando centenas de milhares de pessoas lotaram as ruas exigindo mudança. Um ano depois, o primeiro presidente democraticamente eleito do Egito, Mohamed Morsi, também caiu quando grandes protestos deram razão suficiente ao exército para removê-lo do poder.

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Mas em novembro, o governo interino, apoiado pelos militares, aprovou uma lei antimanifestação que a Human Rights Watch rotulou como “uma violação aos padrões internacionais” e que a Anistia Internacional prevê ser capaz de “abrir caminho para um banho de sangue”. O artigo sete da lei se destaca especialmente devido aos parâmetros vagos e amplos no que diz respeito a “violações de segurança geral [ou] ordem pública”. Os críticos temem que isso leve a prisões punitivas, penas de até cinco anos para manifestantes e multas de mais de $14.500 (R$34.000) por transgressões mal definidas.

É uma grande ironia que um governo que só está no poder por causa de protestos aprove uma lei que restringe o direito à reunião pública. As autoridades egípcias estão numa situação estranha: o líder eleito foi basicamente deposto através de um golpe, mas com o apoio maciço de protestos que começaram no dia 30 de julho.

“Personagens chave do estado – não só o General al-Sisi e o alto comando do exército, mas também o aparato vergonhoso de segurança anterior – conseguiram se colocar do lado vencedor desde 30 de junho”, disse Nathan J. Brown, professor de Ciência Política especializado em Oriente Médio da Universidade George Washington. “Está claro que os militares e o aparato de segurança não estão mais seguindo a multidão, mas sim, liderando ela.”

No rescaldo da remoção de um presidente que alienou uma grande proporção dos egípcios, o líder de fato do país, General Abdel Fattah al-Sisi, conseguiu usar a alta aprovação popular do governo para se apropriar dos protestos públicos. O público não estava mais protestando contra o estado, as manifestações eram uma ferramenta sendo usada pelo estado. Isso ficou claro no dia 26 de julho, quando al-Sisi pediu um “mandato para lidar com terroristas”. O chamado foi respondido por centenas de milhares de pessoas, que saíram às ruas de toda a nação em apoio ao golpe. (Governos anteriores já tinham tentado realizar protestos patrocinados pelo estado antes, mas o número de pessoas que responderam ao chamado de al-Sisi foi sem precedentes.)

As maiores demonstrações de dissidência que se seguiram têm sido dominadas pelo “Aliança Antigolpe” pró-Irmandade Muçulmana, que foi efetivamente demonizada como terrorista. O grupo tem sido brutalmente reprimido, sem que isso provoque uma reação nacional. E as vozes que se opõem tanto ao governo militar quanto a Irmandade têm estado em menor número e são abafadas por um discurso dicotomizado que não oferece espaço para uma terceira escolha.


O General Abdel Fattah al-Sisi se encontra com Catherine Ashton, a diplomata sênior da União Europeia. Imagem via.

Depois que cerca de mil manifestantes pró-Morsi foram mortos em meados de agosto pelas forças de segurança, o governo instituiu um estado de emergência e colocou o país sob toque de recolher. O centro de Cairo se torna uma cidade fantasma à noite; todas as lojas fecham e as únicas luzes são os faróis de carros quebrando o toque de recolher. Para reforçar o estado de emergência, veículos blindados e tanques estão posicionados estrategicamente por toda cidade, com a Praça Tahrir – que agora já virou um local tradicional de protestos – especialmente vigiada. Pouca gente se manifestou em resposta a esse aumento da presença militar, que é amplamente interpretado como um mal necessário. Não muito depois de a aprovação popular ao governo interino ter atingido um pico (durante as celebrações nacionalistas da Guerra do Yom Kipur em outubro), o projeto da nova lei de protestos foi aprovada pelo gabinete e revisada pelo presidente interino Adly Mansour.

Quando detalhes da lei foram revelados, um dilúvio de indignação e desaprovação correu por todo o espectro ideológico. Salafistas, o Movimento Jovem 6 de Abril, figuras políticas estabelecidas, grupos de direitos humanos, o bloco jovem revolucionário e até o grupo Tamarod – um dos principais torcedores de base dos militares – criticaram a lei publicamente. Parece que os militares exageraram na confiança e superestimaram seu apoio.

“Outras pessoas estavam buscando seus próprios interesses [antes], mas essa lei afeta os interesses delas também e viola os direitos de todos. É incrível, o que Sisi acabou fazendo foi unir o povo”, disse Deena Mahmoud, porta-voz da Aliança Antigolpe. “[Al-Sisi] decidiu determinar a vontade das pessoas, mesmo daquelas que estavam do lado dele, calar a boca de todos e decidir sozinho… Tanto as pessoas próximas dele quanto aquelas contra ele não têm permissão para falar.”

Apesar dessa crítica, o presidente interino aprovou a lei. Os detalhes do projeto final e de sua aplicação se provaram tão preocupantes que a União Europeia e a ONU tiveram que se expressar.

Um protesto do Terceiro Caminho da Frente da Revolução.

No dia 26 de novembro, o dia em que a lei antimanifestações entrou em vigor, um protesto foi planejado em frente ao Conselho Shura no centro do Cairo. Cerca de 150 pessoas se reuniram pacificamente em oposição ao aspecto controverso do sistema judicial – ou seja, julgar civis em tribunais militares. Depois de 30 minutos, a tropa de choque aparecer do outro lado da rua. Um policial com um megafone deu cinco minutos para que os manifestantes dispersassem. Quando o tempo acabou, eles abriram os canhões de água e depois espancaram e prenderam qualquer manifestante que não se afastasse rápido o suficiente.

Ironicamente, enquanto prendia dezenas de manifestantes, a polícia acidentalmente desobedeceu a nova lei que estava tentando aplicar tão ferozmente. Filmagens mostram pessoas sendo atacadas por policiais à paisana, apesar de o artigo 11 da nova lei afirmar claramente: “Forças de segurança em uniformes oficiais [grifo nosso] devem dispersar as manifestações, reuniões ou marchas”. Vinte pessoas foram para trás das grades como resultado da repressão ao protesto, incluindo os conhecidos ativistas Ahmed Abdurahman, Alaa Abd El-Fattah, Ahmed Douma e Ahmed Maher. As acusações contra eles incluíam incitamento à violência, agrupamento e “banditismo”, resistência às autoridades e violação da nova lei de protestos. Vinte e três dos 27 presos foram soltos sob fiança e os outros continuam detidos. O procurador-geral referiu Alaa e 24 outros ativistas para a corte criminal por desobedecer a lei de protestos.

Ao saber disso, Alaa (que foi preso sob os governos de Mubarak, Tantawi e Morsi) fez uma declaração dizendo: “Minha prisão sempre iminente já é uma piada no Egito”. Ele também indicou sua intenção de se entregar no sábado ao meio-dia, mas não teve a chance. Na quinta-feira, a casa de Alaa foi invadida por forças de segurança. Ele e sua esposa foram espancados, seus computadores apreendidos e Alaa foi colocado sob custódia.

Conforme a ira da comunidade ativista e de grupos da “Terceira Praça” (que não apoiam nem a Irmandade nem os militares) aumenta, aumentam também os artigos que chamam essas pessoas de pervertidos sexuais, ou inumanos, como demonstrado por um artigo do Ahram On-line intitulado: “Direitos Humanos? Que Humanos?” No entanto, quanto mais casos de injustiça aparecem, mais pessoas não afiliadas a Irmandade nem aos militares estão se fazendo ouvir. Depois de protestos recentes em Alexandria, sete garotas foram mandadas para a detenção juvenil e 14 mulheres foram condenadas a 11 anos de cadeia – uma punição mais severa que a dos policiais condenados recentemente por matar civis no país. O crime hediondo? Fazer uma corrente humana e segurar balões que mostravam apoio a Mohamed Morsi. Depois do ultraje público com o veredito, a sentença das detidas foi deduzida para um ano – suspenso.

Depois do primeiro esboço do projeto de lei, cada vez mais facções egípcias estão se manifestando sobre questões como injustiça, corrupção e reforma. As pessoas estão buscando um futuro onde o protesto popular seja usado para exigir mudanças, não apoiar o estado ou o status quo.

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