Num ano em que o recolhimento é alerta comum, há uma necessidade imperiosa de refrescar as ideias, de espantar as más energias do Corona e vivenciar horizontes que nos tragam esperança.
A Arte é, por norma, um dos atalhos que pulveriza a trivialidade da rotina ou serve de escape aos compromissos mundanos da existência humana (pagar as contas, etc.). As contingências da vida são o que são e para que o dominó da imaginação se mantenha em pé, há quem nos traga uma sensibilidade e um olhar do mundo de forma penetrante e sóbria.
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Gente que não precisa de se armar em rock n’ roll star e, sobretudo, em trair o lado artístico para satisfazer a popularidade efémera. A criatividade só tem valor quando a mesma revela o que vai na alma do criador e não se subjuga ao casino da fama.
Tudo isto vem a propósito de três discos portugueses que chegaram recentemente aos escaparates.
Escutar Véspera, dos Clã, Transgressio Global, dos Pop Dell’Arte, e Mínima Luz, dos Três Tristes Tigres, é dar uma sova a um presente que precisa de ser “desvenenado”. Não só pela inevitável Covid-19, mas também por existir a repetida desconsideração dos governos em relação ao valor da Cultura no país (e a maior parte da responsabilidade jamais deve ser imputada aos “donos” da respectiva pasta).
As migalhas do orçamento são uma ofensa à própria identidade portuguesa, seja ela rural, urbana, conservadora, liberal, mainstream, alternativa, proveniente da localidade x ou y ou de etnia w ou z. Tal como outras disciplinas artísticas, a música não pode ser tratada como joguete em tempo de campanha eleitoral ou utilizada sem pruridos quando alguns políticos pretendem insuflar o ego.
Não há uma planificação digna para o sector, um fundo que proteja a precariedade – ou a intermitência – de milhares de profissionais não só em alturas de crise, um rumo com critério aceitável e respeitador para quem entretém, aquece e abrilhanta intelectualmente a alma. Como disse alguém nas redes, não creio que a vida de cada um dos portugueses inclua somente 1% de Cultura…
Em contramão ao inexistente rasgo governamental, os três registos em questão confirmam sabedoria em vez de vaidade oca, escritas apuradas ao contrário de rodriguinhos inúteis e são o fiel resultado de quem se esquiva ao pensamento hipermercantilizado. Sem perder um pingo de honestidade e mantendo uma falange de apoio que jamais estará com eles por mera cortesia lúdica.
As vozes singulares de Ana Deus (nos Tigres), João Peste (Pop) e Manuela Azevedo (Clã) são uma das marcas de imagem de cada uma das bandas, e resultam de décadas a aprimorar um estilo próprio.
Queres evitar embrutecer? Mete play nestes álbuns e não deixes para a véspera do amanhã, o que podes transgredir na luz de 2020.
(Abaixo, entre outros temas, podes ouvir o politicamente caricatural King of Europe, o dark Sinais e o “cocorosiano” Língua Franca)
CLÃ: Canções “Jogos florais, “Sinais” e “Tudo no amor”.
Álbum: VÉSPERA (lançado a 22 de Maio).
Outros dois temas por onde podes começar (são 10 faixas): Pensamentos mágicos; Tempo-Espaço.
Membros: Hélder Gonçalves, Manuela Azevedo, Miguel Ferreira, Pedro Biscaia Pedro Oliveira e Pedro Santos.
POP DELL’ARTE: Canções “The king of Europe”, “Anonimous” e “Panoptical architecture for empty streets in a silent city”.
Álbum: TRANSGRESSIO GLOBAL (disponível desde 29 de Maio).
Outros cinco temas por onde podes começar (são 22 faixas): Apollo; Cá, nesta Babilónia; El derecho de vivir en paz; New identity; Sem nome.
Membros: João Peste, Paulo Monteiro, Ricardo Martins e Zé Pedro Moura.
TRÊS TRISTES TIGRES: Canções “Língua franca”, “À tona” e “Surrealina”.
Álbum: MÍNIMA LUZ (editado a 1 de Maio).
Outros dois temas por onde podes começar (são 9 faixas): Galenteio; Jasmin.
Membros: Alexandre Soares e Ana Deus.
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