A Stoya fala sobre as armadilhas da heteronormatividade e da monogamia



Para além de sermos ambas mulheres caucasianas, a minha meia-irmã e eu não temos quase nada em comum. Ela tem um guarda-roupa cheio de cenas de marcas como a J. Crew em cores neutras e tons pastéis. Tem o cabelo pelos ombros e, quando faz um rabo de cavalo, não fica fiozinho nenhum fora do lugar. Quando terminou o liceu, entrou numa prestigiada faculdade privada, no Norte do estado, e formou-se em Língua Inglesa. Ela é extremamente simpática e atraente, tem um feitio encantador e é uma óptima anfitriã. Dá para concluir isto só de se ver a sua linda caligrafia nas listas de compras, assistir aos passeios pela feira local de produtos naturais e observando as prateleiras de vinhos rústicos que ela regista para o Instagram. Gosta de Dave Eggers e David Foster Wallace. Acho que nunca usou saltos com menos de sete centímetros. Resumindo, se a Martha Stewart a conhecesse, ficaria com inveja do seu bom gosto.

Aqui há uns anos, o namoradinho da faculdade levou-a a um restaurante muito bom, no dia dos namorados, e pediu-a em casamento, algures entre o prato principal e a sobremesa. O namorado vem de uma família “muito boa”. É um trust fund kid sem ponta de ironia. Depois desse dia, fizeram vários jantares para anunciar o noivado. Depois veio a festa oficial de noivado que, por coincidência, foi no mesmo dia do lançamento da minha fleshlight. Passei boa parte da festa a tentar encontrar um lugar sossegado para dar entrevistas por telefone em que expliquei o quão feliz me sentia por haver uma empresa a produzir, em massa, reproduções do meu orifício, para que qualquer gajo com 80 dólares e uma pila possa viver a fantasia de me comer a cona (ou simplesmente acaricia-la com muito amor, depende).

Um dia depois da tal festa, a minha meia-irmã começou a planear o casamento com a mãe dela, a mãe do noivo e um grupo de amigas — todas giras e simpáticas, do género classe média branca indefinida, o que dificultava muito saber quem era quem. Uma capa carregada de catálogos e de fornecedores tornou-se a nova companhia preferida da minha meia-irmã. Até criaram um site, o ___ama___.com. Já vi filmes com menos valor de produção.

Decidiram que o casamento iria ser num hotel de Vermont, perto de uma floresta enorme. A cerimónia seria ao ar livre, no sopé de uma montanha, e a festa atrás do hotel, numa tenda enorme com chão de madeira. Por essa altura, a minha meia-irmã tinha recentemente começado a trabalhar numa daquelas revistas chiques de lifestyle. Muitas das suas colegas de trabalho e amigas casaram durante o ano e tal em que ela andou a preparar o seu casamento. No fim de cada um desses casamentos, surgia sempre uma nova ideia para a decoração do grande dia. Duas semanas antes do grande dia, acordou com a necessidade de ter 40 pashminas verde-claro, para o caso de alguém ter frio no jantar de ensaio, e outras 40 pashminas bege, na eventualidade das pessoas ficarem com frio na festa. Ela queria que tudo fosse perfeito e parecia muito preocupada em impressionar a família um bocado snobe do namorado — e os seus amigos, mais snobes ainda.

Estamos quase a chegar à parte em que tudo descarrila.

Este lado da minha família directa, a minha meia-irmã e o meu meio-cunhado, aceitam a minha profissão. Vêem-me como uma pessoa honesta que faz um trabalho legítimo, embora um pouco pervertido e que, mesmo tendo pouca coisa em comum, ainda temos respeito uns pelos outros. Desde que saí de casa dos meus pais, quase todas as pessoas com quem socializo podem ser consideradas, de alguma forma, da contra-cultura. Tenho tido muita sorte em passar grande parte da minha vida em ambientes onde me aceitam e onde me sinto encorajada a ser quem sou. Normalmente, não tenho receio de contar às pessoas o que faço, apesar de baixar a voz quando há crianças por perto e de variar a resposta entre “actriz porno”, “performer em filmes para adultos” ou “no negócio de mulheres nuas”, dependendo das circunstâncias.



Mas ali estava eu, no dia mais especial da vida da minha meia-irmã. Podem dizer que sou antiquada, mas acho que as atracções principais de um casamento devem ser sempre a noiva, o noivo e a sua felicidade. Para a maioria das mulheres, o casamento é o dia em que se podem sentir princesas. Nada deve estragar ou atrapalhar isso. Os livros de etiqueta dizem, tacitamente, que os convidados não devem usar nem branco nem preto num casamento. O preto pode parecer ameaçador e o branco pode desviar a atenção da noiva. Infelizmente para mim, a Emily Post nunca disse o que se deve fazer quando se é uma actriz porno num casamento cheio de pessoas conservadoras que provavelmente ficariam muito ofendidas com o simples facto de alguém dizer “pornografia”. Mas acho que ela aconselharia que se evitasse dizer qualquer coisa que pudesse perturbar os convidados e os noivos. Encontrei um vestido cinzento, maquilhei-me como as mulheres que vejo no metro às sete e meia da manhã, a caminho do trabalho, e fiz o melhor para me arranjar decentemente. Vê só a falta de brilho da minha cara na fotografia em cima. Nem sequer pus pestanas falsas. Ri-me porque me senti disfarçada de pessoa normal.

A cerimónia foi linda e minha meia-irmã estava radiante. Até pensei no que seria o meu presente nas bodas de prata. Toda a gente foi para a zona da pré-recepção, onde se serviam cocktails. O barman fez-me um de champanhe e brandy. Uma mulher ao meu lado começou a falar comigo e eu tentei ser simpática, mas, na realidade, foi mais um monólogo.

Primeiro disse que era triste que o irmão da noiva não pudesse ter um fato tão elegante como o dos padrinhos. Abstive-me de dizer que todos os fatos vieram da mesma loja e que tinham escolhido aquele modelo específico por estar em promoção. Ainda me disse que era estranho que o quarto marido da minha madrasta (o meu pai) não morasse com a família. Considerei a hipótese, mas achei que não seria muito boa ideia atirar com a bebida à cara da mulher. Já só procurava uma desculpa educada para fugir assim que ela dissesse: “a meia-irmã da noiva é actriz porno”. Eu devia estar tão bem disfarçada que ela nem percebeu quem eu era, nem que estava a falar mal da minha família mesmo à minha frente. Lá continuou a falar das falhas morais da tal meia-irmã (eu), atirando ainda a pergunta retórica de como alguém pode convidar uma prostituta para o próprio casamento. Quando, finalmente, ficou sem bisbilhotices, perguntou-me de onde conhecia os noivos. Respondi-lhe que era secretária na revista chique da minha meia-irmã, acenei a uma pessoa imaginária e saí dali.

Acabei por ir ter com os amigos da escola noivo. Todos eles trabalhavam, de alguma forma, no mundo da finança. E todos conheciam o meu trabalho. Tive de responder às perguntas do costume: “Conheces a Jenna Haze?”, “já trabalhaste com o Ron Jeremy?”, “como é que tens um namorado se estás sempre a fazer sexo com outras pessoas?”. Foi aí que me ocorreu que, para estas pessoas, a monogamia é modelo para tudo e o único caminho aceitável. Seguem um estilo de vida rigoroso, do qual nunca se desviam. Saem do liceu directamente para a faculdade, arranjam um/a namorado/a antes ou logo depois da licenciatura, casam, mudam-se para uma casa nos subúrbios e têm os típicos dois filhos e meio. Fazem de tudo para esconder da família e dos amigos os vibradores e as idas a bares de strip. A carreira do homem é, geralmente, mais valorizada do que a da mulher e as funções de género são seguidas sem serem questionadas.

Estou a generalizar, claro, mas estar de fora da heteronormatividade tem que ver com a necessidade de considerar as visões pessoais do papel de cada um num relacionamento. De que forma a nossa aparência afecta a maneira como somos compreendidos, o que é o sexo realmente, o que significa monogamia e quais são os melhores relacionamentos para nós. Para mim, aquilo que as pessoas consideram como “traição” não é mais do que a falta de respeito pelos limites discutidos pelo casal, ou um desrespeito das necessidades do outro. Tive de aprender (magoando e sendo magoada) que a comunicação sobre os sentimentos e a definição dos limites dentro de um relacionamento são muito importantes. E que esses limites podem mudar durante a relação.

Já tive muitos parceiros sexuais em situações em que ambos sabíamos que aquilo era um caso de uma noite só ou apenas sexo pelo sexo. Tive um namorado que me pediu para não fazer sexo com outras pessoas a Leste de um certo estado. Tive uma namorada que não se importava que eu fodesse com outros homens, mas sentia-se ameaçada se eu o fizesse com outras mulheres, por isso ela era a única com quem eu podia estar. Houve outra pessoa que queria as terças-feiras reservadas só para ela, mesmo que não estivéssemos no mesmo sítio — não consegui lidar com isso, portanto acabámos. Tive namorados que não se importavam com o que eu fazia, desde que eles fossem a minha prioridade, e tive outros que precisavam de monogamia fora do trabalho. Sempre tive discussões sobre as definições e expectativas de sexo e relacionamento. Uns viam qualquer tipo de excitação sexual como sexo, outros achavam que só com penetração é que havia sexo.

Já tive várias conversas com o meu namorado actual sobre limites e sentimentos. Chamo-o de daddy e, como já devem estar a suspeitar, há questões relacionadas com a troca de poder na nossa relação. Eu sou dele. O meu corpo é dele, a minha boca, a minha vagina e o meu rabo são dele — o meu coração é dele. Se tiver um flirt com a empregada gira da minha loja de lingerie preferida, conto-lhe. Se quero beijar ou foder outra pessoa, digo-lhe. Quando vou trabalhar e tenho uma cena de sexo mesmo divertida, conto-lhe, ao pormenor e em cima dele. Quando quero masturbar-me, peço-lhe e descrevo-lhe aquilo em que estou a pensar no momento ou mando-lhe fotos para o telemóvel. Agradeço-lhe sempre por cada orgasmo que me dá. Ele trata-me com o mesmo respeito. Tentando e errando, é assim que decidimos que deve ser a nossa relação.

Conforto e limites são definições específicas para cada pessoa e para cada relação. As definições de sexo e de infidelidade variam muito. Mesmo com as pessoas heteronormativas, que valorizam e desejam a monogamia, fico perplexa que a discussão destas coisas seja tantas vezes negligenciada.