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A viúva norueguesa que seduzia suas vítimas por classificados de jornal

O advogado M.E. Leliter de La Porte, de Indiana, nos EUA, teve uma visita estranha na primavera de 1908. A viúva Belle Gunness queria fazer seu testamento. Ela tinha medo de ser assassinada por Ray Lamphere, um ex-ajudante cujos avanços ela tinha recusado. Pouco depois, na noite de 28 de abril daquele ano, a casa na fazenda de Gunness foi incendiada. Quando os escombros esfriaram o suficiente para os investigadores escavarem, eles descobriram o corpo sem cabeça de uma mulher agarrada aos restos de três crianças. A imagem era comovente, mas não foi só isso que as autoridades descobriram. Havia dezenas de restos mortais pela propriedade.

No livro Hell’s Princess: The Mystery of Belle Gunness, Butcher of Men, sem edição em português, o escritor de crimes reais Harold Schechter explora a lenda da assassina em série conhecida como Lady Barba Azul. O enredo é sinistro: mais de uma dúzia de homens chegaram à fazenda dela atrás da promessa de amor de anúncios românticos em jornais só para serem mortos, desmembrados e terem as economias da vida inteira roubadas. Lamphere foi julgado e condenado pelo incêndio, mas a morte das crianças nunca foi resolvida. O mais intrigante é que a viúva norueguesa de 1,80 metro pode ter armado a coisa toda – e fugido.

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A VICE falou com Schechter por telefone para saber mais sobre a história de Belle Gunness.

VICE: Como você descobriu a história de Belle Gunness?

Harold Schechter: Cruzei com uma referência pela primeira vez num livro chamado Women Who Kill de Ann Jones. Tem também uma citação em livro dos anos 50, American Murder Ballads and Their Stories, de Olive Woolley Burt. É uma coleção de músicas sobre assassinato que eram transmitidas oralmente e impressas com poucas descrições dos crimes reais com que elas se relacionavam. Há algumas músicas sobre Belle Gunness no livro. O título do meu livro é de uma dessas músicas em que se referem a ela como Princesa do Inferno. E tem outra música que cito na epígrafe, onde ela fala sobre abater homens. Tenho um interesse pelo fenômeno de serial killers mulheres há um tempo.

Tudo aconteceu muito tempo atrás. Como você fez a pesquisa?

Fiz uma viagem de pesquisa para La Porte, Indiana, onde eles têm um museu histórico, e descobri todo tipo de documentos relacionados a Belle Gunness. Há transcrições do julgamento e um jornal local cobriu o caso em detalhes. Voltei da viagem com centenas de páginas de material original que escaneei com meu iPad. Contratei uma pesquisadora de registro genealógicos para me ajudar a desenterrar informação. Ela visitou vários tribunais de Chigaco e conseguiu coisas muito interessantes. Quando comecei a escrever o livro, eu tinha bastante material.

No espectro das serial killers mulheres, em que nível fica Belle Gunness?

Ao contrário da noção popular, já houve muitas assassinas em série. Uma crítica cultural, Camille Paglia, diz que não há “Jacks Estripadores mulheres”, o que basicamente não é verdade. Aquele tipo de assassinato com mutilação sexual é uma forma muito específica de assassinato cometido por homens. Mulheres tendem a matar suas vítimas com veneno, e as pessoas acham que envenenamento é um jeito muito vitoriano e exótico de matar alguém. Mas algumas dessas mulheres eram piores que o Jack Estripador. Todas as atrocidades que ele cometeu foram depois da morte, enquanto essas envenenadoras em série tinham um prazer sádico em prolongar a agonia de suas vítimas.

O que torna Belle Gunness diferente?

O que torna Belle Gunness única e fascinante para mim, de um ajeito bem mórbido, é o fato de que ela abatia o corpo das vítimas como animais de fazenda. Isso a torna única nos anais dos serial killers americanos. Belle, novamente, não só matava as vítimas, aparentemente com veneno e depois dando um golpe mortal de martelo na cabeça, ela arrastava os corpos para o porão de sua casa e os cortava como animais, depois os enterrava no quintal. Isso acrescenta um sadismo violento que a torna muito única para mim.

Como o tamanho físico de Belle se relacionava com sua habilidade de cortar pessoas como gado?

Ela tinha os recursos físicos para fazer isso. Belle tinha entre 113 e 136 quilos quando morreu. Ela era uma mulher grande. Ela foi criada como a filha de um arrendatário na Noruega e sempre fez muito trabalho braçal em fazendas. Apesar de não ser, julgando pelas fotografias, muito atraente, ela era capaz de exercer uma atração sexual em muitas de suas vítimas. O modus operandi dela, numa era antes do Craigslist, era atrair esses solteiros solitários para sua fazenda colocando anúncios matrimoniais em jornais de língua escandinava. Esses caras inocentes apareceram na fazenda dela um atrás do outro, e desapareceram. Parece coisa saída de um romance de terror gótico.

Havia um termo na época para esse tipo de assassinato?

Acho que eles não tinham um termo pra isso na época. Mais tarde, essas pessoas foram rotuladas de “assassinos de anúncio”. Na época, havia o que eles chamavam de agências matrimoniais, que eram como o Tinder ou o Match.com, empresas onde eles tentavam juntar o que eles chamavam de velhas solteironas ou viúvas com homens solteiros. Havia uma grande população de imigrantes noruegueses na época, muitos vinham comprar fazendas no Meio-Oeste, e um jornal em particular circulava amplamente. Todos os anúncios delas foram feitos em jornais de língua escandinava. Depois que os crimes de Belle Gunness foram descobertos, houve campanhas contra essas agências matrimoniais.

De onde veio o apelido “Lady Barba Azul”?

Eles a comparavam com a famosa figura dos contos de fada, que casava com uma sucessão de esposas, as matava, cortava e deixava seus corpos num quarto proibido. A conexão com Barba Azul não é só porque ela matou uma sucessão de esposos ou esposos em potencial, mas porque ela também cortava os corpos e os mantinha na sua propriedade. No primeiro domingo depois que os crimes foram descobertos, estima-se que 20 mil pessoas apareceram na fazenda de Belle, como se fosse um parque de diversões. Tinha pessoas vendendo sorvete e pipoca, cartões-postais da fazenda, das vítimas, e qualquer coisa que conseguissem achar na fazenda. Isso transforma a história num conto de terror estilo Edgar Allan Poe.

Quem foi Ray Lamphere?

Ray era um faz-tudo que Belle contratou. Como tendia a acontecer com empregados dela, ela entrou num relacionamento sexual com ele. Ray começou a achar que eles se casariam. Ele poderia ser dono daquela grande fazenda, mas aí apareceu esse outro cara, Andrew Helgelien, um fazendeiro do Meio Oeste que foi a última vítima de Belle. Ela passou 18 meses o atraindo para sua fazenda e depois o matou. O que aconteceu exatamente entre Ray e Belle não é claro. Ela o expulsou da fazenda assim que Andrew chegou. Aparentemente, Lamphere ficou muito ressentido com a história.

Ele sabia sobre os assassinatos?

Evidentemente, o que parece ser o caso é que Lamphere sabia que Belle tinha matado, e podia estar chantageando ela. Em qualquer caso, tinha esse dilema muito dramático entre Belle e Lamphere, e ela tentou fazer com que ele fosse preso. Na verdade ela conseguiu que ele fosse preso várias vezes por invasão, e tentou declarar ele insano. Finalmente, ela foi até um advogado e fez seu testamento, e disse a ele que tinha medo de ser assassinada por Lamphere. Naquela mesma noite, a casa dela foi incendiada. Ray Lamphere foi acusado de incêndio criminoso e assassinato. Essa era a natureza do relacionamento deles.

Me fale sobre a caveira que foi eventualmente descoberta. Que papel isso teve na história de Belle Gunness?

Ray Lamphere passou a noite em que a casa de Belle queimou na casa de sua mulher afro-americana, Elizabeth Smith. Mais tarde, investigadores foram até a casa de Elizabeth e encontraram um crânio humano. (Só muitos anos depois, quando Elizabeth Smith morreu.) Quando pessoas estavam analisando as posses dela, eles encontraram o crânio. As pessoas imediatamente acharam que era a cabeça perdida de Belle Gunness, e que isso provava que Ray Lamphere, com ajuda de Elizabeth Smith, era responsável pelo assassinato de Belle Gunness e o incêndio. Mas Elizabeth Smith estava envolvida com magia negra, e aparentemente a caveira tinha uma ligação com isso e nada a ver com Belle Gunness.

Como a história de Belle Gunness foi recebida pela imprensa na época?

Era o auge da chamada “imprensa marrom”. Hearst e Pulitzer estavam competindo para ver quem atraía mais leitores. Todos os jornais de propriedade de Hearst e Pulitzer, mas particularmente os de Chicago e do Meio Oeste, publicaram as histórias mais sensacionalistas sobre Belle – foi o começo do jornalismo de tabloide dos EUA. Isso continuou por semanas, meses, as primeiras páginas sobre a Lady Barba Azul, Lamphere e sua fazenda da morte atraindo uma curiosidade incrivelmente mórbida.

Como o caso foi sensacionalizado?

Acho que você pode dizer que os padrões jornalísticos da época eram bastante relaxados. Todos os tipos de rumores eram publicados como fatos. Naturalmente, os crimes eram descritos nos mínimos detalhes, e o número de vítimas foi muito exagerado. Rumores estavam por todo lado. Que 50 ou 100 pessoas tinham sido mortas. Basicamente eles pararam de escavar depois de encontrarem cerca de doze corpos. Definitivamente não sabemos o número de pessoas que ela matou. Abastecidos por todo esse jornalismo sensacionalista, esses mitos e contos populares foram crescendo sobre Belle, como costuma acontecer com qualquer assassino em série.

Por último, o que você acha que aconteceu com Belle Gunness?

Ainda é um mistério. Não sabemos se Belle morreu no incêndio ou escapou. O corpo encontrado era de Belle Gunness? Familiares de alguns dos solteiros que ela matou estavam começando a investigar. O cerco estava se fechando em torno dela. Algumas pessoas acham que ela simplesmente cometeu suicídio e começou o incêndio. Mas como não havia cabeça, outras pessoas acreditam que ela encenou tudo, que ela atraiu alguma mulher para sua fazenda, a matou, cortou sua cabeça, colocou fogo na casa e escapou. Até hoje não sabemos se ela morreu no incêndio ou fugiu. O caso nunca foi resolvido.

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