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Perguntamos a cientistas o que os assusta e os inspira sobre o futuro do Brasil

Preocupações com a educação, o ambiente e o novo governo prevalecem entre os estudiosos.
Perguntamos a cientistas o que os assusta e os inspira sobre o futuro do Brasil

Como você bem viu na nossa retrospectiva, 2018 não foi fácil pra ciência do Brasil. A pior parte é sacar que, no ano que vem, diante de um governo de extrema-direita, corte de bolsas e uma crise na educação, a catástrofe pode ser ainda mais profunda.

Mas com o que devemos nos preocupar, de fato? Quais são os temas mais sensíveis na opinião de quem passa a vida em função do conhecimento? Há algo que podemos celebrar?

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Para responder a essas questões, perguntamos a oito especialistas de diversas áreas sobre seus medos e esperanças em relação ao futuro. O resultado está logo baixo.

Biologia

Camila Jericó-Daminello, bióloga e mestre em Ciência Ambiental pelo Instituto de Biociências da USP

Medo: Me preocupa a forma como o novo governo se mostra em relação ao meio ambiente, à conservação da biodiversidade e dos recursos naturais, ao respeito às comunidades tradicionais (indígenas, ribeirinhas, quilombolas), ao posicionamento em relação às mudanças climáticas, à manutenção das áreas protegidas, dentre outros.

Esperança: A minha esperança está no trabalho em conjunto, na junção de forças. Em todas as pesquisas brasileiras de ponta que lutam para trabalhar e publicar seus resultados e que são reconhecidos em todos os lugares menos em casa, nas pessoas que atuam localmente com a mão na terra e o olho no olho fazendo o que acreditam, mesmo sem apoio ou reconhecimento nenhum.

Ciência espacial

Wesley Góis, professor de Engenharia Espacial na UFABC

Medo: Meu medo é a não permanência do desenvolvimento de produtos aeronáuticos no Brasil nos próximos anos e a ausência da formação de docentes e pesquisadores nesta área específica. Outro medo que destaco é uma possível destruição do ensino superior público federal do Brasil. A universidade federal brasileira, com a lei de cotas, é uma das poucas possibilidades de ascensão social de milhares de jovens brasileiros.

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Esperança: Tenho muita esperança no povo brasileiro e no Brasil. Mesmo num momento de país tão dividido, espero que possamos nos unir e lutar por um Brasil que trabalhe por pautas nacionalistas e de melhoria da qualidade de vida de todos os brasileiros.

Ciências Sociais

José Alvaro Moises, professor titular do departamento de ciências sociais da USP

Medo: Que o futuro governo avance em uma direção compatível com sua mentalidade autoritária, e passe a negar o pluralismo que é próprio da democracia, e a negar direitos de minorias sob a justificativa de que se formou uma nova maioria no país que, erroneamente, se supõe que tudo pode, inclusive retroceder em relação à definição do Brasil como um Estado laico.

Esperança: A sociedade brasileira acordou para os efeitos negativos da corrupção, para as políticas públicas que interessam e à sociedade como um todo. Isso pode levar ao renascimento de uma perspectiva republicana no país, em que os interesses públicos prevalecem sobre os privados.

Educação

Arthur Marjor, historiador e educador

Medo: O que me preocupa são três pontos: a Escola Sem Partido e a ameaça à liberdade de cátedra, o ensino a distância desde o fundamental e a manutenção do teto de gastos. Em nome de uma pretensa neutralidade e de uma educação "técnica", oposta à suposta doutrinação ideológica, se está assassinando o pensamento crítico e a pluralidade de ideias, o que é essencial para o desenvolvimento da educação e ciência como um todo.

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Esperança: Nesse cenário, é difícil alimentar esperança. Mas ela existe. Existe nos movimentos de cultura e educação popular nas periferias, como os cursinhos e saraus. Esses espaços têm sido nossas trincheiras. Sofremos muito, mas continuamos de pé. Se é verdade que cresce o conservadorismo e a intolerância entre a juventude, não é menos verdade que cresce também aqueles jovens que batalham por um mundo mais justo e tolerante.

História

Giuliano Galli, especialista em Liberdade de Expressão e História pelo Instituto Vladimir Herzog

Medo: Acho que a pior coisa que pode acontecer no Brasil é o retrocesso nas políticas públicas e iniciativas de difusão em larga escala da história do país, em especial no que diz respeito à ditadura militar que vigorou entre 1964 e 1985. É imprescindível que conheçamos nosso passado para entendermos o presente e construirmos um futuro mais justo e socialmente responsável. Meu maior medo é que nós jamais tenhamos acesso a essas histórias e que o Brasil tente virar uma página que ainda hoje está com muitas linhas em branco.

Esperança: Minha maior esperança é que há, em diversos setores da sociedade, a certeza de que esse trabalho realmente precisa ser feito. Há uma de iniciativas individuais que buscam justamente a difusão da história do país junto a todos os cidadãos. Além disso, os governos progressistas que tivemos nos últimos anos, apesar de vários problemas, foram capazes de promover e consolidar iniciativas nesse sentido.

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Inteligência artificial

Camila Ghattas, especialista em IA e futurologia

Medo: O meu maior medo é a urgência pelo imediatismo. Dentro de um contexto de mudanças exponenciais, como o que vivemos, se não tivermos clara qual é a visão de curto, médio e longo prazo que queremos atingir, resolveremos as questões do presente, sem uma visão crítica de futuro. A educação é um exímio exemplo desse temor. Se não construirmos um plano educacional com uma visão de pelo menos 30 anos, não teremos cidadãos preparados para a abundância de tecnologias e quebras de paradigmas que os espera no futuro.

Esperança: O que me deixa com mais esperança é saber que toda tese tem uma antítese e que os brasileiros constroem sínteses como em nenhuma outra cultura. Com a demanda por transparência, também alavancada pelos últimos fatos políticos que têm moldado o cenário brasileiro, o blockchain é uma tecnologia muito discutida no universo da futurologia para que possamos rastrear o real valor de uma cadeia produtiva, seja por meio dos recursos utilizados em suas distintas etapas ou da origem e procedência de tais recursos. Apesar de ser uma tarefa que precisa unir uma tríade entre governos, empresas e cidadãos para que seja bem sucedida, há iniciativas nas três esferas que estão impulsionando essa tecnologia.

Internet

Arthur Ituassu , pesquisador no Centro de Estudos Avançados em Democracia Digital

Medo: As transformações na Comunicação Política originadas pelas mídias digitais pressionam a democracia, com uma intensidade muito maior que a nossa capacidade coletiva de regulação e entendimento dos novos processos. Isso implica efeitos não somente sobre o voto, mas também, por exemplo, sobre a representação de temas e questões na esfera pública.

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Esperança: O que me dá mais esperança é pensar que, ao mesmo tempo, o campo da Democracia Digital, isto é, que pensa as tecnologias digitais para o incremento e o fortalecimento democrático – a ideia de mais e melhor democracia – é consolidado no país, que conta hoje com 26 laboratórios em 20 universidades brasileiras, atuando em rede, junto com 23 instituições estrangeiras.

Matemática

Christina Brech - Drª do Instituto de Matemática e Estatística da USP

Medo: Meu maior medo é o crescente obscurantismo e a intolerância que parece estar tomando conta da nossa sociedade e que afetam tanto a educação quanto a ciência brasileira. A discussão sobre a pouca quantidade mulheres na Matemática e os obstáculos que elas enfrentam na carreira é recente, e mais ainda é o debate sobre questões étnico-raciais. Ambos podem perder força, dificultando o enfrentamento de desigualdades e injustiças dentro da comunidade científica, e o incremento de sua diversidade. Se somarmos a tudo isso uma gestão centralizada, autoritária e privatista dos escassos recursos, estará em xeque o projeto de desenvolvimento educacional, científico e social do Brasil.

Esperança: A Matemática brasileira teve importantes conquistas ao longo dos últimos anos, frutos dos investimentos desde o início do século XXI, que consolidou programas de pós-graduação e colocou a pesquisa desenvolvida aqui num alto patamar de qualidade. A pouca esperança que resta é a de que a sociedade brasileira reaja o quanto antes ao obscurantismo e à intolerância, para que as conquistas e os caminhos por elas apontados não sejam completamente destruídos.

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