A Batalha do Real moldou o rap carioca

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A Batalha do Real moldou o rap carioca

Matias Maxx colou, curtiu e registrou a grandiosa etapa final mais tradicional e engajada batalha de rima do Rio de Janeiro, de volta à ativa em 2016.

Semana passada, o Circo Voador, templo do underground carioca, lotou de um mar de gente de boné aba reta para ver a grande final da Batalha do Real. Não precisava ser expert na cena para identificar na multidão vários MCs da velha e da nova cena de rap da cidade. Numa das várias rodinhas em que colei pra fazer uma presença, o MC Funkero solta "só tem trintão nesta porra! Parece Festa Ploc Lapa", em referência a uma festa comercial com temática oitentosa. De fato, a cena da Lapa estava bem representada na casa, desde que as naites de rap começaram a brotar no bairro na metade dos anos 90 o freestyle dominou, mas só em 2003 que surgiu a Batalha do Real na Riachuelo 73, evento que passou por vários espaços, teve um desdobramento em outro evento chamado Liga dos MCs e, em 2016, voltou grandão com uma série de edições para escolher dentre 16 Mcs os quatro finalistas que lutaram pelo título de campeão na semana passada.

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Mas, até a grande final, houveram horas de pocket shows de aproximadamente quinze minutos, além das duas semifinais. Cheguei a tempo de ver a Lívia Cruz brilhando no palco para uma plateia ainda meio morna, mas curtindo bastante. Cada bloco de shows era apresentado por um MC diferente, e logo depois da Lívia foi a vez do Marechal colar no palco e fazer a molecadinha de aba reta colar na grade. A noite ainda teve pocket shows do De Leve, 3 Preto, Cone Crew, Akira Presidente, MC Funkero e Filipe Ret. Além do Marechal, fizeram as vezes de apresentador Negra Re, Marechal, Nissin Oriente e Maomé da Cone Crew. Com tanta gente maneira na área, resolvi sair perguntando qual foi a primeira vez que cada um conheceu a Batalha do Real.

A primeira vez da Livia Cruz "foi na Riachuelo 73, eu não sei se foi a primeiríssima. Eu morava perto e vi eles chegando com o carrinho de mão com equipamentos para montar, bem precário — acho que era o Aori, o Marechal e o Zezinho —, vi aquela movimentação e 'poxa, que caras malucos', aí eu vi o que estava rolando. Cada um contribuía com um real, batalhavam entre si e levavam o montante, que não era nada — o rolê era a batalha né? Aquilo era um espetáculo, era sensacional, era maravilhoso. Hoje tem uma estrutura muito maior, mas era tão espetáculo quanto… E tem uma liga nisso, uma palavra muito importante para definir o que era espetáculo lá, e o que é espetáculo aqui. Resistência."

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Outro que colou logo no início foi o Filipe Ret. "Conheci a Batalha do Real em 2003. A primeira vez que eu subi num palco foi por causa da Batalha do Real. Foi sensacional, noites históricas. Batalhei contra Chip, Marechal, Gil, contra uma galera… Enfim, época bacana, clássica, época em que a gente sabia que o que a gente tava vendo era vanguarda, era histórico, e o bagulho foi do caralho. Enfim, 13 anos depois estou aqui, graças à Deus segui a carreira, fui bem sucedido, e tô aqui rimando no Circo Voador para prestigiar esse projeto que eu tenho muito carinho e muito orgulho de ter participado, do qual eu faço parte e me gerou. Posso dizer que a Batalha do Real me gerou e é orgulho nosso. É nóis, tey tey tey."

A MC Negra Rê também agradece à Batalha. "Meu começo no rap foi em 2003 no Sinuca 73, aqui na Lapa. Gratificante, primeira noite que eu entrei foi em dezembro de 2003, mas minha primeira batalha foi no último arco da Lapa, no 73 eu só entrei para fazer as honras. Lá era um encontro de poetas, mano, eu sempre tive uma veia poética muito exacerbada, participava de concurso de poesia na escola. Quando eu vi o rap falei 'eu quero isso aí, eu sei fazer isso aí, eu já sei fazer poesia, quero que me ensinem a entrar no ritmo'. E me abraçaram, ninguém nunca me excluiu. Eu sou Brutal, eu sou Batalha do Real com muito orgulho."

Uns anos depois da primeira Batalha do Real o MC Marechal começou a organizar a Batalha do Conhecimento no CIC, Centro Interativo de Circo, na Fundição Progresso, ali na Lapa mesmo. O evento consistia de uma oficina de rimas e, após as batalhas, muita gente cascuda começou lá, como o Nissin do Oriente. "Eu já conhecia o (MC e grafiteiro) Airá, que estava assistindo a oficina do Marechal. Foi uma batalha bem underground e foi a primeira que eu fui. Eu fiquei uma ou duas batalhas lá só vendo qual era, mas depois comecei a batalhar e não parei. Perdi pra caralho, perdi minhas primeiras cinco batalhas e depois comecei a ganhar uma ou outra, e comecei a me soltar mais e deixar tudo mais natural. Comecei a entender como funcionava aquela escola, isso foi em 2005, bem antes do Oriente (que surgiu de 2008 pra 2009, o primeiro disco só em 2011 ou 2012). O Oriente foi a consequência de muito trabalho dentro da cena, que já tinha a cultura de verdade. A quilometragem até chegar no Oriente já era considerável. Até hoje, mesmo sem batalhar, aprendo muito com esses moleques. Xan, Shaman, Pelé, Estudante, eles são excepcionais, todos muito foda pra caralho. Eu acho que o cara que perde o contato com a galera que está chegando só se distancia da realidade."

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O Maomé chegou na cena também no CIC em 2006. "Fui junto com o Rany e o Cert, e na situação o MC Bibêlo foi campeão, batalha dentro do CIC. Nesse dia eu já cheguei batalhando. Daí batalhei durante o ano de 2006, em 2007 comecei a ganhar várias batalhas, ganhei a primeira etapa da Liga dos MCs e perdi na final, e em 2008 ganhei a Liga dos MCs e aí a coisa virou."

Como eu já expliquei antes, os 16 MCs selecionados pra Batalha do Real deste ano foram indicados pelas diversas rodas de rima que rolam hoje pela cidade. Mas quem acha que o foco do projeto é apenas revelar o campeão está enganado — a Brutal Crew lançou três sons gravados pelo DJ Babão com alguns desses MCs. São esses sons "Fala na Minha Cara" com beat do Goribeatzz e os MCs Isaac ZO, Iguinho e o DJ Babão, "Só Eu Sei" com beat do Mr Break e os MCs Natalhão, Eminente e Xan e "Noite Brutal" com beat de Mr Break, e os MCs Samantha Zen, Rayzen, Aori e Nuno DV.

A grande final foi um embate clássico entre Estudante e Xan, no qual o segundo saiu campeão. Antes do freestyle da vitória, Xan mandou um papo no microfone, posicionando-se contra o que diz ser "a panela", e em seguida Marechal tomou a palavra dizendo que não vê problema nisso: "o Hip Hop é um fogão, com várias panelas borbulhando, vamos misturar o seu arroz com o meu feijão?"

Se liga só em mais umas fotos do rolé (com acento agudo e não circunflexo porque aqui é Rio porra!):

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Livia Cruz cantou as novas "90-90" e "Ordem na Classe" além do hit instantâneo "Eu Tava Lá".

O "pai" Marechal.

DJ Babão, Brutal Crew "só sinistro".

MCs Isaac ZO e Iguinho cantando "Fala na Minha Cara".

MCs Natalhão, Eminente e Xan peformam "Só eu Sei".

"Uma honra estar no palco do Circo, com o Marechal olhando e o Babão nos Beats." Disse o Xan, "Eu nunca não imaginei grandes MCs aqui na batalha do Real" respondeu o Marechal.

Rayzen, AORI e Samantha Zen em "Noite Brutal".

MC Aori do Inumanos, um dos pais da Batalha.

"Vou chamar um amigo de mais de 25 anos" diz Marechal ao anunciar o DeLeve, que respondeu "Porra! Me envelheceu dez anos."

De Leve e Tigrão dedicaram a música "A Lenda" ao saudoso Speed Freaks.

Akira Presidente e DK bradam "Sexo, Beck e Fumaça".

Esse apelido Nissin é por causa do cabelo de Miojo?

Old Dirty Bacon, também conhecido como Nacho Garcia, também deu as caras.

MC FUNKERO ligado sempre no 220, lembrando que o ritmo é chapa quente!

Primeiro round da Batalha entre os MCs Pelé e Estudante.

Tinha um mano traduzindo as batalhas pra libras em tempo real, bem foda!

Estudante derrota Pelé e vai pra final!

Era pra ser só o Maomé e o Batoré, mas Papatinho e Rany também colaram e acabou sendo um pocket show da Cone Crew.

"Abre a roda do freestyle, quero ver quem manda no baile" é um dos sons clássicos do 3 Preto, que até onde eu lembro sempre teve mais de três pretos e pelo menos um branco, o francês Damien Seth.

Anota aí: 3 Preto tá voltando só com sons novos, muita coisa boa.

"Tu é o maluco da matéria das endolações né? Eu recebo novas quase todo dia", riu Filipe Ret.

A chapa esquentou na batalha entre Xamã e Xan, na minha opinião a mais quente da noite.

Teve um momento especialmente engraçado, quando para responder a acusação de usar rimas decoradas Xamã gritou "decorada é o caralho ô arrombado! Esqueceu que eu fumo maconha?"

Após um terceiro round, a galera escolheu Xan como vencedor da Batalha.

Encontro de youtubers no camarim.

Eu posso tar falando merda, mas achei o Ret bem parecido com o Bowie nessa foto.

"Seja num Circo Voador lotado, na Fundição ou na rua, o lugar do hip hop é no coração". Marechal e Negra Rê apresentam a Batalha final.

Estudante e Xan rimam sob a inspeção de Marechal.

O youtubber Zetrê tava lá registrando tudo, felizão feito pinto no lixo!

Momento da vitória de Xan.

Sem treta, os outros MCs saudam Xan, e abre-se a roda de freestyle que encerra a noite.

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