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economía

Por que cada vez mais inquilinos estão fazendo "greve de aluguel" nos EUA

Eles se recusam a pagar pela moradia até que suas solicitações sejam atendidas. Mas será que isso tem como dar certo?
Mariana Miyamoto
Traduzido por Mariana Miyamoto
Uma greve de aluguel no Harlem vizinhança de Nova York em 1919. Foto: Domínio Público/International Film Service.

Steven Baldwin, um pai solteiro de 38 anos, mora com seus pais e filhos na área do Exposition Park em Los Angeles, nos EUA. Essa tem sido sua casa há 14 anos, onde eles pagam US$ 1700 por mês em um apartamento de cinco quartos. Mas ele não tem certeza de até quando essa realidade vai durar.

Quando seu edifício foi vendido no outono passado, os novos proprietários Chung Suk Kim e Hae Jung Kim deram aos inquilinos cartas de despejo de 60 ou 90 dias, com o plano de reformar os apartamentos para serem alugados a inquilinos de maior renda - apartamentos de um quarto do outro lado da rua por US$ 1500; de dois quartos por US$ 2500 – provavelmente para estudantes da Universidade do Sul da Califórnia.

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Os despejos eram legais e algumas pessoas se mudaram. Mas outras como Baldwin não tinham outro lugar para ir. “Temos famílias e crianças e tem um paciente com câncer aqui,” Baldwin diz. “É simplesmente errado, então decidimos lutar por isso.”

Baldwin e seus vizinhos contataram o Sindicato dos Inquilinos de Los Angeles e, com sua ajuda, os inquilinos solicitaram imediatamente julgamentos individuais para cada um dos processos de despejo. Essa foi uma tática para ganhar tempo. “Tem muitos despejos acontecendo em L.A. e apenas 33 juízes para inspecionar,” diz Paul Lanctot, um dos organizadores do sindicato. “Simplesmente pedir por julgamento já atrasa um pouco o processo.”

Isso ganhou uns meses para que os inquilinos pudessem organizar um plano. Mas com seus novos proprietários se recusando a encontrá-los pessoalmente, isso significou protestos e tentativas de chamar a atenção da mídia para a questão. Enquanto eles tentavam ganhar a atenção do público antes da data de seu julgamento, eles fizeram o movimento final do inquilino descontente: entraram em uma greve de aluguel.

O que é uma greve de aluguel?

Greves de aluguel são quando inquilinos se recusam a pagar o aluguel ao proprietário até que suas solicitações sejam atendidas. Em muitos casos, o aluguel é coletado por um sindicato de inquilinos e fica retido até que o caso seja resolvido. Inquilinos podem entrar em uma greve de aluguel por inúmeras razões, desde condições de moradia sem segurança até um aumento exorbitante do valor do aluguel. No meu caso em particular, foi um ninho de ratos no porão que durou meses.

A tática era comum na virada do século 20. Uma das maiores greves de aluguel foi organizada em Manhattan, nos EUA, em 1907 por Pauline Newman, na época com 16 anos de idade. Das 10 mil famílias que participaram da greve, 2 mil tiveram sucesso e conseguiram a diminuição dos valores de seus aluguéis e a greve eventualmente levou ao controle moderno de aluguel.

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Mas na maior parte das vezes a tática não dava muito certo até recentemente, quando uma onda de greves de aluguel tomou a indústria imobiliária como uma tempestade em Cleveland, Los Angeles, São Francisco e Washington, DC, entre outros lugares. “Fazer greve tem sido parte do movimento sindical por mais de um século, e agora elas estão sendo usadas para enfrentar despejos e gentrificação,” diz Trinindad Ruiz, uma organizadora que atualmente comanda uma greve de aluguel envolvendo 200 inquilinos em Los Angeles.

“A realidade é que, se os inquilinos não fizerem greve, eles podem acabar na rua”, continua Ruiz. Apesar do aumento da política no mercado de trabalho e dos esforços por todo o país para aumentar os salários dos trabalhadores mal pagos, não existe um único município nos Estados Unidos no qual um trabalhador que ganha um salário mínimo consiga bancar um apartamento de dois quartos.

Greves de aluguel, que normalmente tem sido o último esforço dos inquilinos quando as negociações com os proprietários não dão certo, tem tido diferentes resultados. Em um caso recente de sucesso, que aconteceu em fevereiro, inquilinos de um condomínio no bairro de Boyle Heights, em Los Angeles, ganharam 42 meses de aluguel com aumento de apenas 5% no valor, após uma greve de aluguel que durou um ano.

Mas quando você perde, você é despejado; em 2016, inquilinos do bairro Highland Park em Los Angeles perderam uma batalha judicial após uma greve de aluguel que acabou com eles tendo que cair fora e com o começo da reconstrução do local. Em muitos casos um acordo é feito, com ambos os lados fazendo concessões.

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“Se você fizer certo – e quase sempre tem um jeito certo de fazer – existe uma boa chance de que o proprietário leve sua solicitação a sério,” disse Robert Wohl, um dos organizadores do Centro de Desenvolvimento Econômico Latino, uma organização sem fins lucrativos que atualmente faz parte de uma greve de aluguel em Washington D.C.

O alto custo de participar de uma greve de aluguel

Quando se deparam com uma greve de aluguel, os proprietários tendem a ficar bem mesquinhos. Inquilinos afirmaram ter sua água quente e energia elétrica desligadas ou serem ameaçados com a impossibilidade de alugar outros imóveis no futuro por conta de um despejo em seu histórico. (Essa última não é inventada – você não está pagando aluguel, logo você pode ser despejado.)

Baldwin disse que teve algumas de suas coisas roubadas. “Costumávamos ter algumas coisas do lado de fora, como churrasqueiras, cadeiras, bicicletas das crianças. Mas eles fizeram um cara vir aqui e levar tudo. Tudo que não estava preso por correntes, eles levaram”, Baldwin diz sobre sua casa em Exposition Park. “Eu fiz uma denúncia na polícia, mas eles disseram que já que eu não estou pagando aluguel, se está do lado de fora da propriedade, eles tem permissão para pegar se acharem que está abandonado.”

“Eu tenho dores de cabeça. Às vezes, eu não tenho apetite. Ás vezes você se sente bem, mas então você começa a pensar sobre o assunto, e se sente mal de novo,” diz Baldwin, que agora faz sessões regulares de terapia para conseguir lidar com o estresse da situação de sua casa. “Eu saio para o estacionamento e penso, talvez eu não seja capaz de continuar com isso.”

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Ele também se preocupa com a possibilidade de sua própria família ser separada. Se eles forem despejados, seus pais vão acabar achando lugar em um asilo, enquanto Baldwin e seus filhos terão que encontrar um lugar mais barato e distante. “[Meus filhos] não sabem como verão sua avó e seu avô,” ele diz. “Se ficarmos no Valley, não os verão todos os dias. Talvez em todos os feriados ou algo do tipo.”

Proprietários e o constrangimento público

Ultimamente, visto que apenas uma pequena fração dessas greves acabam no tribunal, uma pessoa determina se a greve terá ou não resultados: o proprietário.

Daniel Bornstein, um advogado de São Francisco, especializado em disputas entre inquilino e proprietário – ele inclusive já liderou seu próprio “treinamento” para proprietários – intermediou uma série de greves ao longos dos últimos anos. Ele adverte os inquilinos antes de promulgar qualquer greve devido à sua falta de legitimidade legal.

“Se o proprietário é acusado de severas violações do código de moradia e o inquilino está retendo o aluguel no aguardo da resolução do problema, então talvez a greve seja legítima”, ele diz. “Mas se o inquilino está descontente com algo que o proprietário tenha feito, mas que esteja em total conformidade com a lei, é uma decisão imprudente não pagar o aluguel.”

Quando discute táticas com seus cliente proprietários, Bornstein primeiramente pergunta como eles querem responder. Se eles querem lutar com unhas e dentes e se possuem um respaldo legal para isso – além de ter como bancar os impostos legais sem receber o aluguel – e então eles vão à guerra. “Se os proprietários sentem que estão sendo enganados, eles simplesmente me pedem para continuar cobrando o aluguel,” ele diz.

Mas existe um outro fato que Bornstein encoraja seus clientes a manterem em mente quando decidem responder à greve. “Isso virou um fato público e está te expondo à uma notoriedade que você preferiria não estar sendo exposto?” ele diz. “Greves podem ser muito eficazes [porque] o golpe da publicidade negativa pode ser mais convincente para evitá-las do que o aluguel que tem sido retido.”

O que significa que, depois do aluguel, realmente a última jogada que os inquilinos podem fazer é o constrangimento público.

Esta matéria foi originalmente publicada no FREE US.

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