Vida

No futuro, vais trabalhar, fazer exercício, dormir e morrer no mesmo edifício

Isto é o que aconteceu ao "American Dream".
jovens trabalhadores tiram selfie num escritório
Imagem: Caiaimage/Robert Daly/Getty Images.

Este artigo foi originalmente publicado na VICE US.

Muito em breve toda a gente poderá trabalhar a partir de casa, porque toda a gente estará a dormir no seu escritório. Esta é a conclusão aparentemente inevitável da tendência simples e teoricamente produtiva de adicionar cada vez mais e mais comodidades domésticas ao local de trabalho - bebidas grátis, bares, mesas de ping pong -, que podem servir para te manter por ali mais tempo do que o necessário. Foi isto o que aconteceu ao "American Dream": trabalha suficientemente no duro e vais continuar a trabalhar no duro enquanto te sentes vagamente mimado. Nunca terás de sair.

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Por isso, não é de surpreender que a Equinox, a cadeia norte-americana de fitness de luxo que oferece aos sues utentes spas com serviço completo, toalhas com aroma de eucalipto e uma revista online, esteja prestes a oferecer-te um local onde também podes trabalhar. Puxa de uma cadeira, freelancer e escuta: de acordo com o Wall Street Journal, a Equinox firmou uma parceria com a empresa de co-working Industrious, que resultará na criação de um "espaço de escritórios mobilados" numa torre do profundamente controverso Hudson Yards, em Manhattan (o complexo foi recentemente descrito pela New York como uma "cidade de fantasia para multimilionários").

O espaço de trabalho Equinox é a mais recente novidade num arranha-céu de 72 andares que, como observou o Journal, combina "um bocadinho de tudo: apartamentos, quartos de hotel, ginásio, restaurante e seis andares de escritórios, além de fácil acesso ao shopping de luxo ao lado". O que significa que, basicamente, apaga todas as linhas imagináveis e potenciais limites da tua vida.


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Este é apenas um exemplo de uma tendência maior de espaços high-end de uso misto que está a surgir em várias cidades norte-americanas. É óbvio que a classe financeira se apercebeu das questões de equilíbrio entre trabalho e vida que importam aos millennials e as vê como uma oportunidade de investimento. Como disse Edward W. Walter, CEO do Urban Land Institute, uma organização sem fins lucrativos, "os credores e investidores perceberam que há muitas coisas boas nos edifícios de uso misto, incluindo um fluxo de rendimento mais diversificado".

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A questão é até onde vai tudo isto - e quem enriquece ao longo do caminho.

"Surpreende-me que a Starbucks ainda não tenha mostrado interesse", sublinha Joel Kotkin, membro do conselho para o estudo de "futuros urbanísticos" da Universidade Chapman em Orange, Califórnia, numa entrevista. E acrescenta:"Basicamente, pessoas que são donas de espaço estão a tentar descobrir como manter as pessoas nesse espaço. Particularmente, numa altura que o ambiente de trabalho tradicional está a desaparecer - a ideia de alguém ter um cubículo num escritório -, tens de pensar noutras formas de levar as pessoas a ocuparem o espaço".

"Acho que, cada vez mais, vamos ver este tipo de tentativas de usar o espaço de uma forma diferente, especialmente tendo em conta o facto de que com o que estamos a ver acontecer no mundo dos negócios online, tanto espaço será redundante", continua o especialista. E conclui: "Portanto, a questão é como reconfigurar esse espaço para algo lucrativo".


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Estes homens e mulheres de negócios estão, pois, a apostar na ideia de uma espécie de balcão único - os membros e utentes do Equinox fazem um pouco de yoga, tomam banho rapidamente, secam-se com uma toalha com aroma a eucalipto e mergulham directamente no que quer que seja aquilo em que ganham dinheiro, tendo para isso apenas de apanhar um elevador, para cima e para baixo, em alguns andares. Quando estão cansados, podem ir para a cama se quiserem - e, de manhã, podem fazer tudo outra vez.

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Isto é indiscutivelmente parte do que o Atlantic já rotulou de "workism", uma espécie de nova religião para a geração millennial e a elite formada em universidades centradas na "crença de que o trabalho não é apenas necessário à produção económica, mas é também a peça central da identidade e propósito de vida da pessoa". Mas, isto não é apenas uma coisa de lifestyle: agora está a infiltrar-se na nossa geografia física, na forma como as nossas cidades são feitas, como as nossas ruas são povoadas.

"Cada vez mais, estamos a ver jovens adultos, com educação universitária, a escolherem viver em áreas centrais de cidades por todo o país, onde podem estar perto do trabalho, bem como dos ginásios e restaurantes", explica Ingrid Gould Ellen, professora de política urbana e planeamento na NYU, em conversa com a VICE via e-mail. E acrescenta: "À medida que jovens profissionais trabalham durante mais horas, eles podem estar também à procura de formas de reduzir o tempo de viagem. Ou podem, simplesmente, apreciar a vitalidade das áreas de uso misto".

Este tipo de arquitectura pode ser uma mudança espacial necessária, uma resposta aos tempos em que vivemos, mas também é, no entanto, uma astuciosa mudança de paradigma. Porquê acordar cedo para treinar quando podes, simplesmente, levantar pesos e caminhar pelo corredor até à tua secretária? Porquê desperdiçar um domingo que, de outra forma, pode ser útil, a conduzir até um centro comercial, quando há um no andar de baixo sempre disponível? Porquê sair com os amigos quando os teus colegas de trabalho são os teus amigos?

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Por sua vez, depois de sangrar milhares de milhões de dólares com um modelo de arrendamento e “activos leves”, a WeWork, gigante do sector do co-working, está a “apostar num modelo em que afirma que os edifícios se tornam mais valiosos com a WeWork neles”, de acordo um perfil do fundador da empresa, recentemente publicado pela Bloomberg Businessweek. A tão badalada marca começou a comprar edifícios próprios - a premissa é de que outros inquilinos serão atraídos pela cultura e pelo espaço, como no passado poderiam ter gostado de viver perto de uma mercearia.

Levando a tese do "workism" à sua conclusão mais profunda, se o trabalho se está a transformar rapidamente na nossa religião, então esses arranha-céus multifuncionais são os nossos templos, as nossas catedrais. São manifestações físicas daquilo em que o emprego se está a tornar - interminável, sempre a consumir, 24 horas por dia (não importa que um aspecto importante de qualquer tradição religiosa seja a tendência para separar trabalho e lazer, ou pelo menos trabalho e devoção - cultivas seis dias por semana, então não pode fazer nada mais do que de no domingo. Até Deus fez uma pausa).

Uma loja da Staples, como sugere Kotkin, pode parecer irrelevante agora, mas espera até que uma dessas empresas encontre algum espaço para albergar uma funerária e um cemitério. Teremos tudo ali à mão.


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