Jordan punk
Entretenimento

Jordan é a rainha original do punk

Uma nova autobiografia conta a sensacional história de Jordan, a mulher maravilha que encarnava a cena punk de Londres nos anos 70.

Poucas histórias de vida são tão punk quanto a de Jordan.

Vinda de Seaford, costa sul da Inglaterra, Pamela Rooke, que adotou o nome Jordan quando tinha 14 anos, estudou balé na infância, antes de se tornar uma fã ávida de David Bowie – se montando e frequentando clubes gays de Brighton ou Londres. No meio dos anos 70, ela gravitou para a capital inglesa e começou a trabalhar na lendária butique de Vivienne Westwood e Malcolm McLaren SEX, depois na Seditionaries e, mais tarde, na World's End, todas reencarnações sucessivas da loja de Westwood/McLaren localizada na Kings Road 430.

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Jordan era uma verdadeira vanguardista – destemida e inteligente. Ela queria ser sua própria obra de arte e nunca fazia concessões. Na verdade, os looks dela eram tão extremos durante a última metade dos anos 70 que quase todo dia os funcionários do trem precisavam colocá-la no vagão da primeira classe quando ela ia de Seaford para o trabalho em Londres, para protegê-la do ultraje e violência que ela parecia provocar nos outros passageiros. Na época, ninguém ousaria andar na rua em trajes de borracha fetichistas, ou em roupas transparentes sem nada por baixo, além de um penteado alto descolorido e maquiagem preta pesada (duas décadas antes da Madonna trazer o estilo inspirado no BDSM para as massas com o livro de fotos Sex de 1992). A atitude corajosa de Jordan e sua imagem marcante a tornavam a figura perfeita para a moda de confronto de Viv e Malcolm, e a colocaram no epicentro do caos punk rock na nação desencadeado pelo Sex Pistols (de quem McLaren era empresário). Nas décadas seguintes, toda mina punk tem uma dívida com Jordan por abrir o caminho, mesmo que não saiba…

No começo dos anos 80 – depois de estrelar o filme de Derek Jarman Jubilee, se envolver com gente como Andy Warhol e David Bowie, aparecer nas primeiras edições da revista i-D, dividir um apartamento perto do Palácio de Buckingham com uma amiga dominatrix profissional e o vocalista do Sex Pistols Johnny Rotten, além de ser empresária do Adam and the Ants (que se tornaria uma das maiores sensações do pop britânico da década) – Jordan se casou, depois sucumbiu gradualmente à heroína, até fugir de volta para Seaford. Lá ela conseguiu superar o vício e embarcou numa nova carreira, criando gatos birmaneses e trabalhando como enfermeira veterinária, o que ela faz até hoje.

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Até recentemente, Jordan evitava os holofotes e raramente falava com a mídia sobre seu passado. Agora, Defying Gravity, sua autobiografia muito aguardada, escrita com a autora Cathi Unsworth, finalmente saiu, e pinta um retrato vívido de uma vida pontuada por desafiar limites, provocar ultraje, punk rock e bichanos.

jordan punk

O que te fez querer trabalhar em Defying Gravity agora?

Muita gente me pedia para escrever um livro, mas eu achava que seria muito autoindulgente. Duas coisas me fizeram pensar que era a hora certa – uma foi a exposição de curadoria linda Punk 1976-78 da Biblioteca Britânica em 2016, que me fez perceber quanta gente era fascinada pela liberdade louca daquela época e meu papel nisso. Além disso, em 2015, vendi algumas roupas icônicas daquela época – num leilão – que eu tinha no meu armário há anos. Eu queria ter certeza de que elas seriam preservadas, não tinha motivo para elas ficarem penduradas num armário, cada vez mais tristes. A última vez que eu tinha usado o top Venus [uma peça extremamente rara de Westwood/McLaren de 1971] que foi vendido por milhares de libras no leilão, foi no Live Aid de 1985! Não fiquei triste em vender as roupas – senti que estava fazendo a coisa certa, que colecionadores e museus poderiam tê-las, cuidar delas e outras pessoas poderiam aproveitá-las.

Você adorava roupas desde nova – de onde esse interesse em imagem e aparência veio?

Não sei de onde isso veio, era uma coisa intuitiva, mas acho que aprender a dançar foi o que abriu meu mundo. Eu adorava balé, ele te dá bases para a vida, te abre para figurinos e fantasias, te molda em outra coisa. O balé te ensina a superar a dor e a fadiga, e tentar fazer o seu melhor. E provavelmente mesmo antes disso, eu sempre soube o que queria usar – no primário eu era conhecida pelos meus vestidinhos fofos. Tem uma foto minha no livro, de quando eu era criança, usando um vestido de daminha de honra – e mostrando a calcinha, já naquela época!

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Suas visitas a clubes gays clandestinos em Brighton e Londres nos anos 1970, quando você ainda era adolescente, acentuaram seu interesse por estilo? E você acha que os gays foram fundamentais para a criação do punk?

Muito. Foi lá que comecei a gostar de me montar socialmente. Na escola as crianças riam de mim, porque ninguém entendia por que eu cortava o cabelo curto, ou pintava o cabelo de mais de uma cor. Os clubes gays na época eram principalmente clubes masculinos – não havia muitos clubes lésbicos em Brighton. Os amigos gays que fiz abriram minha mente para diferentes tipos de música, diferentes tipos de interação com as pessoas… você podia se vestir do jeito que quisesse e nunca se sentia desconfortável. De certa maneira, isso é um pouco – pra mim – o que é o punk, que é ser inclusivo. Eles me deixavam entrar nesses clubes mesmo sendo mulher.

Era importante pra você que Defying Gravity reconhecesse como as mulheres foram significativas para a cena punk?

Muito importante. O punk foi uma época em que as mulheres tinham um status igual. Todo mundo compartilhava as roupas, as maquiagens. A divisão entre homem e mulher era borrada. As mulheres podiam fazer parte de bandas, elas podiam aprender a tocar guitarra, como os garotos faziam. Artisticamente, as mulheres desabrocharam na época e realmente abriram suas asas.

Você usava looks de cair o queixo, antes e durante a era punk, que deviam chamar muita atenção nas ruas…

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Aqui em Seaford era muito difícil, várias vezes tive problemas com pessoas que achavam que eu estava sendo obscena, que não entediam por que eu era daquele jeito. No trem de Seaford para Londres, algumas vezes as pessoas ficaram violentas comigo. Eu achava que quando me mudasse para Londres seria mais fácil, mas não foi. Você ainda tinha os pedreiros nos andaimes assoviando e pensando que você era fácil por se vestir daquele jeito. E eu também recebia a reação oposta – pessoas ficando assustadas com meu visual, porque eu estava desafiando a normalidade, desafiando a visão das pessoas da sexualidade, e fazendo tudo isso deliberadamente, não como um objeto sexual mas como uma pessoa que sabia onde estava sexualmente. Era um look sexual empoderador. Eu me sentia confortável e segura de mim. Penso naquela época e fico surpresa de nunca ter sido presa, porque muitas vezes eu estava andando por aí com pouquíssima roupa! Eu adorava o meu visual e ele me trazia alegria, e eu não dava a mínima para o que os outros pensavam. Queriam me expulsar da escola quando eu tinha 14 anos por causa do meu visual – o diretor tinha medo que a garotada fosse me copiar. Tive que explicar cuidadosamente que as pessoas não iam me copiar, porque na verdade elas estavam rindo de mim!

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Muita gente disse que tinha medo de entrar na SEX ou na Seditionaries… principalmente porque tinham medo de você! Como era lá, para um visitante de primeira viagem?

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Da vitrine, que tinha um vidro fosco, o que você via era como um consultório de dentista. O formato da loja era um longo corredor escuro e no final dele, eu, parada lá com um olhar intimidador, com meu cabelo bufante e maquiagem preta, na frente de uma grande cortina de borracha, e atrás dela tinha um provador minúsculo. Parecia uma coisa meio sadomasoquista, e com certeza não era um lugar onde a gente diria “Oi, posso te ajudar?”. Eu odiava esse tipo de coisa! Além disso, a gente realmente se importava com o trabalho por trás das coisas que estávamos vendendo. As pessoas reclamavam dos preços das roupas, mas Malcolm e Vivienne nunca pegavam atalhos. Se eles queriam um certo tecido ou botão, eles iam até o fim do mundo para conseguir. A gente interrogava os clientes às vezes, porque pra nós eles estavam comprando uma obra de arte, algo que deveriam apreciar. A gente não gostava de pessoas que chegavam com um monte de dinheiro, mas olhavam para as roupas como se fossem cavalos. A gente preferia falar com as pessoas tipo “Por que você está comprando isso? O que isso significa pra você? Onde você vai usar? Você pode usar isso de várias maneiras, deixa eu te mostrar”. Então não era uma questão de enfiar a roupa na mão de alguém e pegar o dinheiro. Eu preferia dar alguma coisa, ou dar desconto, para alguém que tivesse vindo de longe mas não tinha dinheiro suficiente para comprar alguma coisa. Eu dava a roupa pelo que a pessoa podia pagar. Porque aquela peça significava alguma coisa para a pessoa e ela cuidaria melhor disso, mais do que alguém só comprando porque era moda.

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Foi meio chocante ler que a Vivienne te demitiu no começo dos anos 80 porque você se casou! Vocês ainda são amigas?

Sim, fizemos uma longa entrevista com ela para o livro. Passamos quatro horas juntas e foi muito divertido. Agora eu acho engraçado, vendo que ela já tinha casado duas vezes! Mas entendo o ponto de vista dela na época. Ela não queria que eu casasse, ela tinha medo que eu fosse sair, me mudar, fazer outras coisas, que foi exatamente o que aconteceu depois que me casei! Ela me ligou anos depois pedindo para voltar e trabalhar na loja, dizendo que todo mundo queria passar a perna nela e ela precisava de alguém em quem pudesse confiar.

Punk é um assunto que já foi explorado em incontáveis livros, filmes, documentários, revistas e até doutorados e dissertações… há muita interpretações dele. Você é uma das verdadeiras originais do punk – então como você define o punk?

Acho que nasci numa época particularmente ruim da história, onde os jovens usaram seus corpos e ações para mudar as coisas. Eles usaram suas mãos para criar música, ou fanzines, eles estavam fazendo essas coisas porque estavam infelizes com a vida. Foi um período de ação onde as pessoas criaram seu futuro com as próprias mãos.

Como os jovens hoje podem canalizar o tipo de energia que caracterizou o punk nos anos 70?

Já conversei com muitos jovens sobre isso. As pessoas me param na rua, por exemplo, ou estão fazendo projetos para a universidade e entram em contato. Mas a origem política e social da época era muito diferente da de hoje… infelizmente, se conformar parece muito importante agora. Não há muita diferença entre o que pai, mães e filhos usam – eu preferia morrer a usar as mesmas roupas que meus pais usavam! Tem muito marketing e marcas. Ao mesmo tempo, é uma vergonha que não haja moradia decente para que os jovens possam sair de casa e serem independentes. Não é bom que alguém com, digamos, 35 anos ainda more com os pais. As pessoas moravam em ocupações e coisas assim naquela época – o que dava muita independência para fazer o que a gente quisesse. Ativismo é o caminho agora. Concordo com a Vivienne que as pessoas precisam cuidar do futuro deste planeta. E acho que o principal é ter sua própria identidade – as pessoas nem sempre percebem quanto isso é empoderador. Não siga a moda. Não tenha medo. Torne seus sonhos realidade.

Defying Gravity – Jordan's Story, de Jordan Mooney e Cathi Unsworth, sai pela Omnibus Press.

Imagens Michael Costiff Archive.

Matéria originalmente publicada na i-D.

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