Fui à Igreja da Cientologia procurar a salvação

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Fui à Igreja da Cientologia procurar a salvação

Mas fiquei triste por saber que afinal estava "morta por dentro".

Que o Tom Cruise é da Igreja da Cientologia já toda a gente sabe, mas o que se faz por lá nem por isso.

Comecei a pesquisar na internet e fiquei logo a saber três coisas: que promovem segundo eles "a maior campanha de prevenção e informação antidrogas não–governamental na Terra" (isto basta para que não seja um culto que me interesse); que têm um departamento de marketing e comunicação capaz de fazer inveja a muitos canais televisivos; e que posso fazer um teste de personalidade online e ir buscar os resultados gratuitamente na igreja. Não podia ser tudo mau e decidi fazer o teste online. O teste online (não experimentem isto) é igual àqueles quizzes que havia antes no facebook nos quais descobrias quem foste na vida passada, com a diferença que em vez de cinco perguntas são 200! No início perguntam-se cenas do tipo "és sempre feliz?" Mas quem é que está num estado constante de felicidade? Ninguém, mas se responderes que não ficas a saber no fim que estás deprimido, e muito! Mas já lá vamos. Já estava a responder em modo automático sobre se tenho espasmos musculares sem causa aparente ou se tenho um tom de voz monótono. Só queria que chegasse ao fim e dei-me conta que o conteúdo das perguntas já era outro "preferes dar ordens do que receber?" (mas é claro que sim!) "Achas que devia ser gasto mais dinheiro em segurança social?" ou "eras capaz de matar um animal para acabar com o seu sofrimento?" Não me lembro de ter estado tão expectante com o resultado de um teste. Falei com uma amiga e fomos à igreja. Armadas com telemóvel para tirar umas fotografias sem ninguém ver para não estragar o disfarce: estávamos ali para ser convertidas. Fomos recebidas por um homem, nos seus 30/40 anos, aparentemente normal, sempre com um sorriso na cara, a pessoa mais disponível do universo e apesar de estar completamente focado em nós, tudo aquilo me soava a falso. Fizemos uma tour como se fosse um verdadeiro monumento, mas não, é um rés do chão ali na Almirante Reis. Logo à entrada está uma escrivaninha de ar antigo que está tão fora do enquadramento geral quanto eu estava ali. Explicaram que é dedicada a L. Ron Hubbard, que todas as igrejas têm um escritório para ele, muitas com uma assistente pessoal que deve ter o trabalho mais fácil do mundo uma vez que ele já morreu há décadas. Ficámos a conhecer todos os espaços, aquilo não é muito grande mas está com bom ar, o nome L. Ron Hubbard repetido 20 vezes por metro quadrado desde livros, DVDs, cursos, posters, o que se quiser.  É bem provável que estas sejam as fotos mais merdosas que já viram na vida. Entrámos numa mini sala de cinema, daquelas que sempre quis ter em casa, com um projector, para ver um filme sobre a Igreja. No filme faziam referência a outras igrejas, as maiores nos EUA (é outro nível, sem dúvida), sempre com staff fardado tal e qual comissários de bordo, pessoas sorridentes e Deus com um macaco ao colo, foi tudo o que consegui fixar. Os resultados dos nossos testes ainda não tinham sido enviados para lá por isso lá tivemos que repetir as 200 perguntas outra vez sob o olhar de um homem que parecia estar a perceber que as nossas intenções não eram as mais sinceras. Finalmente, na hora da entrevista, fiquei a saber quão bons (ou maus) eram os meus resultados. Segundo a Cientologia, sou uma pessoa extremamente deprimida, muito critica, com graves problemas de comunicação, como se estivesse "morta por dentro"! Claro que com este diagnóstico na mesa a resposta para a minha (difícil) situação era só uma: fazer os cursos para atravessar a ponte para a liberdade total e a auditoria. Se a Vasco da Gama parece grande, não queiram atravessar esta, com centenas de cursos para fazer, que facilmente levam uma vida inteira a completar o mais certo é nunca lhe ver o fim. A auditoria não fiz, fui mesmo sem dinheiro para não cair em tentações mas o processo é este: usam um aparelho chamado e-meter (igual àqueles dos ginásios onde se agarra em dois cilindros para medir o índice de gordura corporal), o que é que o e-meter mede não nos disseram mas aposto que é a mesma coisa. A pressão para comprar na hora quer o livro quer o curso foi esmagadora, bem pior do que tentar despachar testemunhas de jeová da porta de casa. Disse que não tinha dinheiro, que no fim do mês logo se via. Pois bem, no dia 30 lá estavam eles a telefonar e a perguntar afinal quando é que me ia inscrever. Não ia, perdemos todos três horas para nada. Fotografia por Teresa Francês Vieira

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